terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Um dia de inaugurações.

                                               J. B. Pessoa

Capítulo - 57 do livro " Guris e Gibis".

O sol amanheceu brilhante naquela especial manhã. O tempo estava deleitoso, com poucas nuvens, apregoando uma primavera, que oficialmente só chegaria após as comemorações que movimentaram a cidade. Não se falava noutra coisa. Finalmente Jequié entraria no rol das cidades privilegiadas, com uma estação radiofônica. Eram poucas as cidades do interior baiano, que tinha o privilégio de ostentar uma emissora de rádio e, além disso, Jequié ganhava o maior mercado do Estado da Bahia: o colossal mercado municipal, o qual seria inaugurado na parte da tarde. A população estava feliz com o progresso da cidade, a qual era considerada como a mais limpa e saneada em todo o Estado; com várias ruas pavimentadas, além do seu majestoso jardim, que era o orgulho dos jequieenses.

Como acontecia em todas as manhãs, Johnny acordou cedo e, após as refeições matinais, vestiu seu uniforme e seguiu contente para sua escola. Chegando ao Largo do Maringá, encontrou com Luís Augusto e Bill Elliott, seguindo junto dos amigos, conversando animadamente a respeito das festividades do dia. Ao entrar na avenida, eles avistaram Eduardo na porta do Cine Jequié, na companhia de Pedro Chulé e Marcelo Peru. O garoto estava discutindo política com os dois rapazes, os quais tripudiavam as duas conquistas da população. Eduardo estava visivelmente irritado, defendendo a administração do prefeito Antonio Lomanto Junior e o seu candidato à sucessão, o vereador Ademar Nunes Vieira. Pedro e Marcelo desdenhavam do prefeito, fazendo acusações extravagantes, acerca da construção do mercado e estavam criticando a nova emissora da cidade, pois pertencia a família do prefeito. Os dois eram a favor do candidato opositor Dorival Borges de Souza, pertencente a uma das famílias mais influentes na cidade, cujo pai, o Coronel João Borges de Souza foi intendente do município em épocas passadas. Com a chegada dos garotos, os ânimos se acalmaram, deixando Eduardo mais a vontade, para expor o seu ponto de vista. Falando com orgulho, disse para seus oponentes:

- Jequié é uma das primeiras cidades da Bahia a ter uma estação de rádio!

- Do que adianta isso, se é uma rádio sem potência? – Disse Marcelo Peru com total falta de apreço pela conquista da população. Pedro Chulé completou a afirmação e, sorrindo com desdém, articulou, imitando um locutor:

- ZYN-27, Rádio Bahiana de Jequié falando para toda a Praça Ruy Barbosa.

Ouvindo o amigo, Marcelo Peru emitiu uma exagerada gargalhada, deixando Eduardo fulo de raiva. Bill Elliott não se conteve e disse aborrecido:

- Vocês fazem parte dos parasitas dessa cidade, que só sabem criticar. Dos que passam a vida a falar da vida alheia e nada produzem! Vocês nasceram em Jequié ou no lugar onde o Judas perdeu as botas?!

Marcelo deu de ombros, não ligando para o comentário do rapaz, e Pedro Chulé ficou calado, pois Bill sabia que ele tinha nascido em um povoado, do qual ele se envergonhava.

Sendo uma emissora de ondas médias, porém com um transmissor radiofônico de pouca potência, o alcance da Rádio Bahiana, não ia muito além dos limites do município; contudo, estava predestinada a ter uma grande relevância na História de Jequié. Entretanto, por pertencer a um forte grupo político, as oposições começaram a criticar, logo após o lançamento da ideia. A piada proferida por Pedro foi trazida por um caixeiro viajante, que a ouviu em uma cidade do interior mineiro. Luís defendeu a posição dos amigos, com conceitos que ouviu do seu pai:

- Eu acho que não devemos tomar partido. Com exceção de Marcelo, nenhum de nós tem idade para votar; e, além disso, a cidade tem dois bons candidatos.

Johnny resolveu entrar no debate dizendo:

- A professora Emília disse na aula passada que, as pequenas rádios do interior brasileiro não precisam ter longo alcance, pois elas só tratam dos problemas referentes à sua região!

Bill Elliott completou em seguida:

- Claro! Os problemas alusivos à nação ficam a cargo das grandes emissoras do país!

Marcelo Peru e Pedro Chulé tentaram justificar as suas críticas. As considerações deles eram frutos de idéias preconcebidas por pessoas, que tinham interesses políticos pessoais. Como não conseguiram contrapor aos fortes argumentos de garotos inteligentes, os quais tinham maturidade superior à deles, mudaram de assunto, falando sobre futebol. Acabando a inusitada querela, Marcelo seguiu com Bill Elliott para o colégio, Pedro para seu curso de admissão, enquanto Johnny, Luís e Eduardo entraram no Castro Alves.

A inauguração da Rádio Bahiana de Jequié se deu pela manhã. Na hora do recreio, Luísa apareceu com um pequeno rádio de pilhas e a garotada pode ouvir as primeiras transmissões da emissora jequieense. Depois de grandes discursos e das considerações gerais, o seu estúdio recebeu os valores da terra, apresentados pelo locutor Geraldo Teixeira, que ao vivo entoaram românticas canções, acompanhados pelos famosos seresteiros da região.

O grande acontecimento do dia foi, entretanto, a inauguração do mercado municipal. Johnny compareceu ao tão esperado evento, acompanhado de Géo, Nêgo e Pé de Pata; encontrando depois, Mipai, Tõe Porcino e seu primo Mamãe eu Quero, na calçada do Armazém José Wilson. Logo nas primeiras horas da tarde, a Praça da Bandeira, onde aconteciam às feiras livres da cidade, estava repleta de curiosos, vindos de toda a região. Era a maior construção que tinha sido erguida na cidade até aquele dia. Obedecendo a conceitos práticos, foi construído em estilo moderno, tendo na parte interna uma grande praça central, com uma extraordinária cobertura, que livrava os feirantes das vicissitudes do tempo ao ar livre. Em volta dela, ao redor da praça coberta, havia vários

cômodos, que serviam como lojas de todas as espécies de mercadorias. Na parte externa do mercado existiam outros cômodos, seguindo o mesmo padrão, com grande número de açougues, barbearias, farmácias, sapatarias e restaurantes. Havia seis entradas para dar acesso ao interior do mercado. Quatro localizadas nas laterais do grande prédio, o qual possuía duas frentes. Na entrada da frente principal estava concentrada a guarda municipal, guardando o local onde aconteceria a inauguração.

Por volta das dezesseis horas, o número de pessoas que vieram assistir àquele evento, aumentou consideravelmente. A demora das autoridades em dar andamento à inauguração acarretou um grande número de pessoas, perto do portão principal, o qual estava bem protegido pela guarda municipal. Como o pessoal que estava na retaguarda, queria ver de perto o acontecimento, começou a forçar sua entrada, pressionando, violentamente, quem estava à sua frente. A falta de senso dos guardas, vendo várias pessoas querendo forçar a entrada, fez com que eles reprimissem o povo com violência, forçando um empurra-empurra, que gerou alguns feridos, sem nenhuma gravidade. O fato, porém, trouxe dissabores politiqueiros para a gestão do prefeito, não tirando, com isso, o brilhantismo da inauguração, e nem prestígio para o prefeito Lomanto Junior, o qual era candidato ao legislativo estadual.

Depois da desagradável ocorrência, quando a situação foi normalizada, chegaram as autoridades e a inauguração se fez com grandes discursos e apologias, a uma cidade que não parava de crescer. Outro fato de destaque foi a pioneira transmissão do evento, ao vivo, pela Rádio Bahiana de Jequié, narrada pelo locutor Geraldo Teixeira, arrancando aplausos da multidão, naquela tarde festiva.

Enquanto ocorria aquela solenidade, Johnny avistou Berenice ao longe, distante do local onde ele se encontrava. Ela estava na companhia de Luís Augusto, na porta do Edifício São João, onde funcionava a Loja Maçônica de Jequié. Eles estavam acompanhados de Norma, Neide com Edgar, Eduardo com Luísa e Eva Marli com Bill Elliott. O garoto ficou entristecido, com saudades de um tempo em que ele pertencia a aquele grupo. Mipai e Porcino notaram aquela visível melancolia, estampada em seu rosto. Toda a turma já estava sabendo do episódio acontecido na noite de São João. Pé de Pata procurou consolar o garoto, naquele instante de amargura, transmitindo-lhe um confortável otimismo, que era peculiar à sua pessoa. Aproveitando o momento, Mipai fez troça se si mesmo, proferindo com amargura, um ditado popular:

- “Desse mal morreu o meu gato”!

Os garotos ficaram surpresos com a afirmação de Mipai, que pela primeira vez, não caçoou da situação de um amigo e sim dele mesmo. Nêgo, curioso com aquilo, perguntou:

- Como assim rapaz?!... O que foi que lhe aconteceu?

O garoto coçou a cabeça e respondeu com tristeza:

Eu nunca contei a vocês! Mas, quando estive em Itabuna, no ano passado, eu namorei uma menina muito bonita, que era filha de um coronel do

cacau. O namoro só durou um mês, pois os pais dela obrigaram a menina a terminar tudo comigo.

- Eu me lembro de quando você foi para Itabuna, na intenção de trabalhar numa oficina de mecânica, do irmão de Tony de Leda. Mas ficou por pouco tempo, voltando logo depois – Disse Pé de Pata, lembrando-se da ocasião.

- Pois é!... Os parentes da menina queriam me dar uma surra!... O irmão do meu padrinho me aconselhou a voltar para Jequié!

Porcino deu um forte suspiro e, relembrando as estórias de amor, que lia nos cordéis, disse com aquela resignação, típica das pessoas despojadas pela sorte:

- Pois é irmãozinho! Uma moça rica namorar um rapaz pobre, só se vê em filmes de amor!

Desta vez, foi Nêgo quem caçoou da situação dos amigos, citando outro dito popular:

- Pois é camarada!... “Cada macaco em seu galho”!

Géo, que até aquele momento estava calado, disse com raiva:

- Pode ser que sim! Mas no caso de Johnny, houve sacanagem de Orlando!

- Eu também acho! – Adiantou Pé de Pata.

- Eu também! – Concluiu Mamãe eu Quero.

Os garotos ficaram por algum tempo analisando os desmandos de Orlando. Quando Nêgo começou a falar mal do rapaz, Johnny retrucou com outros ditados populares:

- Vamos deixar Orlando de lado que “ele é carta fora do baralho” e, além disso, “o que não tem remédio, remediado está”!

Os garotos começaram a rir, voltando à alegria natural de suas juventudes. Naquele momento foi inaugurado o Mercado Municipal de Jequié, com o prefeito Lomanto Junior cortando a fita, liberando as entradas para a população ter acesso às suas dependências.

Terminando as festividades ao anoitecer, os garotos foram embora para suas casas, levando Johnny na companhia deles, que já tinha se dissipado de suas tristezas, contagiado pelas alacridades de seus companheiros.

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