J. B. Pessoa
Capítulo - 50 do livro " Guris e Gibis"
Naquele domingo, Johnny entrou no cinema sozinho e foi assistir a
matinê sem a companhia dos amigos. Todos os garotos estavam concentrados na
partida entre o Brasil e a Hungria e nem estavam ligando para a programação
especial do Cine Bonfim, o qual ia apresentar um faroeste colorido, acompanhado
do seriado e de um festival de desenhos. O garoto chegou cedo e verificou que,
naquela tarde, havia poucos garotos e muitas meninas na fila, entre elas muitas
moças, as quais estavam entusiasmadas com a programação daquela tarde. Comprou
o seu ingresso e sentou-se no meio da sala, lendo uma revista de quadrinhos,
enquanto esperava o início da sessão. Um pouco antes de começar a projeção,
entraram no cinema Neide e Norma. Vendo Johnny sozinho, foram sentar-se junto
do garoto. Johnny levantou-se e saudou as meninas com alegria, dizendo:
- Eu não sabia que vocês gostavam de faroestes!
- Eu vim pelos desenhos! – Alardeou Neide, não querendo se
comprometer com o gosto dos meninos.
Norma fez pouco caso e comentou com displicência:
- Depende!... Se o mocinho for bonito e o filme tiver um bom
enredo, eu gosto.
Neide piscou o olho para Norma e disse caçoando de Johnny:
- Eu não sabia que você gostava de filmes românticos:
O garoto repetiu o gesto de Norma e disse sorrindo:
- Depende!... Se a mocinha for bonita, eu gosto!
- Garoto! Você está me saindo um grande malandrinho! – Disse
Norma, zombando do menino. Neide olha para Johnny e pergunta, fingindo
surpresa:
- É por isso que você vai assistir ao filme de hoje?
- Como assim?!
- Você vai assistir a um filme de amor!
- Não!... É um filme de caubóis!
Neide começa a caçoar do garoto e Norma diz com seriedade:
- O filme é uma história de amor, ambientado no Oeste Americano!
Johnny arregala os olhos, admirado com a novidade, enquanto Norma
explica:
O filme se chama Duelo ao Sol. É uma produção com duas horas e
meia de projeção, de David O. Selznick , dirigido por King Vidor, estrelado por
Gregory Peck e Jennifer Jones. Tá pouco ou quer mais?
- Duvido que um garoto goste de um filme desses! – Disse Neide com
pouco-caso, pois estava chateada por Edgar não querer acompanhá-la naquela
tarde.
- Por que você diz isso? – Perguntou o garoto surpreso.
Neide sorriu com desdém e esclareceu:
- É um filme de poucos tiros, nenhuma luta e o mocinho morre no
fim!
- Puxa a vida!... É por isso que eu não estou vendo a turma de
sempre nessa matinê! – Disse Johnny, impressionado com a descoberta.
- Pois é isso! Os meninos não têm inteligência suficiente para ver
um filme com uma história deslumbrante e enredo complexo. – Completou a menina
com deboche.
- Eu gostei de alguns filmes românticos, que assisti com minha
mãe! – Comentou Johnny com displicência, ignorando a subestimação das meninas à
sua pessoa.
- Jura?!... Quais? – Perguntou Norma, interessada na visão de um
garoto, que tinha fama de inteligente.
- Ah, deixe-me ver!... Por Quem os Sinos Dobram; Sangue e Areia;
Gilda, e o que mais gostei: A Ponte de Waterloo.
- Você sabia que o filme A Ponte de Waterloo é o favorito de
Berenice? – Perguntou Neide, para ver a reação do garoto. Johnny olhou para o
vazio e respondeu com tristeza na voz:
- Sim, eu sabia!
Nesse mesmo instante as luzes do cinema se apagam e começa a
sessão da matinê, com os desenhos animados. A meninada se diverte com as
trapalhadas do gato Tom e do camundongo Jerry. A seguir começa a projeção do
mais deslumbrante filme visto pelo garoto. O desenrolar do drama arranca
lágrimas nas garotas, que sempre fazem uso dos seus lenços; principalmente no
final da película, quando o mocinho e a mocinha se batem num duelo e morrem
abraçando um ao outro. Johnny compreendeu porque aquele filme, dificilmente
seria aceito pelos meninos. Não era uma história de heróis, onde o bem
prevalecia sobre o mal, e o comportamento do mocinho, daquele filme, era de um
bandoleiro irresponsável e de caráter duvidoso. A seguir vêm os episódios do
seriado.
A extensa programação demorou mais do que a habitual. Eram quase
seis horas da tarde, quando o cinema abriu suas portas, despejando na praça uma
juventude feliz. O entardecer chegava ao seu final, com uma finíssima neblina
caindo sobre a cidade, parecendo trazer o frio do começo do mês. Norma se
despede da amiga e vai para sua casa. Johnny acompanha Neide até o ao jardim da
Praça Ruy Barbosa, para encontrar com o seu namorado, que preferiu acompanhar o
jogo da copa com os garotos, pelos alto falantes da Voz da Cidade. No trajeto,
Johnny relembra a noite de São João e pergunta a menina:
- Você está sabendo o que aconteceu?
- Eu soube da verdade por Edgar, depois que você contou a ele o
sucedido. O que posso dizer é que Vera Olívia não sabia do seu namoro com
Berenice. Entretanto Neuza sabia, pois contei para ela. Eu acho que houve,
desculpe a palavra, uma sacanagem de Orlando envolvendo Neuza.
- Orlando?!... Por quê? – Perguntou o menino, sem entender o
motivo.
- Orlando tem um ciúme doentio pela irmã de leite! Acha que
ninguém merece a menina.
- E Berenice?!... Ela ainda continua zangada?
- Eu soube que ela viajou para Belo Horizonte com os pais.
- Ah, sim! Ela me disse que ia visitar a avó materna depois da
festa de São João. – Completou o garoto, saudoso de sua amada. Neide percebeu a
tristeza do menino, que falava com a voz embargada. Alisou os seus cabelos e
disse consolando:
- Não se preocupe! A verdade sempre prevalece!
- Assim espero! – Disse o garoto num forte suspiro.
Chegando à Praça Ruy Barbosa, Johnny notou certo retraimento entre
as pessoas que andavam pelo jardim. Dentro dos bares, a animada balbúrdia que
acontecia todos os dias, desapareceu como se tivesse sido engolida por um
repentino furacão. O garoto avistou a turma reunida, sentada num dos bancos do
jardim. Estavam todos abocanhados sem conversar com ninguém, parecendo estarem
em um funeral. Johnny já estava adivinhando o sucedido, quando Neide perguntou
aos garotos:
- Ué pessoal!... O que aconteceu com vocês?
- O Brasil está fora da copa do mundo! Foi eliminado pela Hungria!
– Disse Edgar, chateado com a má atuação da equipe brasileira.
- Quanto foi o placar? – Perguntou Johnny aos meninos.
Mipai respondeu com cinismo:
- Quatro a dois!... Pode uma coisa dessas?
É isso aí companheiros. A bruxa está solta! – Alardeou Johnny,
pensando no incêndio e no término do seu namoro com Berenice.
Estando muito aborrecido com a derrota brasileira, Edgar resolveu
ir para casa. Despediu-se dos amigos e se retirou com sua namorada. De repente
Géo se lembrou das previsões de Eduardo e disse sorrindo para Johnny:
- Quem se fudeu foi Orlando!
- É verdade! Agora está devendo um conto de réis a Eduardo! –
Disse o garoto, relembrando das discussões de Eduardo e Orlando e da aposta
feita pelos dois.
- Vocês acham que Orlando vai pagar a aposta? – Perguntou Mipai
com deboche.
Pé de Pata respondeu com convicção:
- Claro que não. O sujeito é cínico demais para isso. Afinal onde
ele vai arranjar mil cruzeiros?
- Não vai arranjar e nem vai pagar! Mas Eduardo vai ficar com a
promissória de Orlando pro resto da vida! – Disse Tõe Porcino, que achava uma
vergonha alguém não cumprir um trato.
Notando que nem todos os amigos estavam presentes, Johnny
perguntou:
- Por falar nos meninos, vocês viram Luís Augusto por aí?
- Ele está na casa paroquial com Bill Elliott e Eva Marli. –
Respondeu Tõe Porcino.
Um vento frio começou a soprar com mais intensidade, baixando a
temperatura no momento. Nêgo levantou-se do seu canto, onde estava quieto,
tentando digerir a decepção sofrida pela seleção e disse:
- O papo está bom, mas amanhã é outro dia. Não vou ficar aqui
chorando por um time perdedor. Estou indo para casa, pois o frio está de matar!
Os garotos foram embora deixando Johnny sozinho na praça, que
alegou ir encontrar com o primo, para tratar um assunto de seus interesses. O
garoto resolveu ir à confeitaria para tomar um chocolate quente e acomodou-se
numa mesa que dava visão para a praça. Ficou pensando em Berenice e no dia dos
namorados, quando beijou a garota pela primeira vez. Havia poucas pessoas na
grande sala, pois o motivo das comemorações foi abortado com a derrota
brasileira na copa do mundo. Johnny ficou absorto em seus pensamentos e não
notou o momento em que, Vera Olívia e sua amiga Eliana entraram na confeitaria.
Vendo Johnny sozinho, Eliana foi cumprimentar o garoto e o pediu para conversar
um pouco com Vera Olívia, pois a menina estava muito triste, e queria lhe pedir
desculpas pelo transtorno da noite de São João. Vendo a menina cabisbaixa,
Johnny levantou-se de onde estava e foi ao seu encontro. Vera Olívia
cumprimentou Johnny com um leve aperto de mãos e lhe disse, soluçando:
- Eu estou mortificada com tudo que lhe aconteceu. Eu sei que foi
culpa minha! Por favor, me perdoe!
Acreditando na sinceridade da menina, o garoto retrucou:
- Não há motivo para pedir perdão! As coisas acontecem
independentes da nossa vontade.
- Eu não devia ter lhe beijado daquela maneira! Foi uma insensatez
minha! – Disse Vera Olívia tentando se desculpar de sua impulsividade.
Johnny olhou para a menina e se comoveu com a sua aflição. Afagou
as suas mãos com carinho e disse:
- Não vamos nos preocupar com isso! Simplesmente aconteceu!
A garota balbuciou em um tom dengoso:
- Eu não sabia que ela era sua namorada!
-Pois é! Nós estávamos namorando, mas pouca gente sabia.
- Você gosta dela?
- Sim!
- Ela terminou com você?
- Sim, mas eu não terminei com ela!
A menina sentiu que o garoto estava realmente gostando de sua
namorada e que estava sofrendo com a separação. Sentiu vergonha de ter agido de
má fé, a conselho das amigas. Deu aquele beijo para provocar o ciúme da outra.
Ela amava realmente aquele garoto desde o primeiro momento em que o conheceu.
Achou melhor desistir dele naquele momento, na espera de uma ocasião que fosse
propicia a seu favor. Percebeu que era melhor manter a amizade dele e deixar as
coisas se ajeitarem da melhor maneira possível. Vera Olívia pegou na mão do
garoto e disse com voz embargada pela emoção:
- Johnny, eu gosto muito de você! Mas se você me quiser só como
amiga, eu aceito.
- Eu também gosto de você, mas é como amiga!
A garota se despediu de Johnny, dizendo:
- Amanhã eu estarei indo embora para Jaguaquara! Espero que sua
namorada lhe perdoe e volte para você.
O garoto abraçou a menina e beijou o seu rosto, dizendo:
- Então, até breve!
- Sim Johnny!... Espero que seja breve a nossa separação! –
Dizendo isso, a menina se retirou com sua amiga. Johnny ficou ainda algum tempo
naquele estabelecimento, indo embora quando o relógio da matriz anunciava às
dezenove horas e trinta minutos, sob uma fria e fina neblina, que começou a
cair com mais intensidade
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