Capítulo - 42 do livro " Guris e Gibis".
Logo
após o almoço, o Sr. Gustavo levou a família do primo até a sua residência,
ficando de se encontrarem às quatro horas da tarde, quando ele viria buscá-los
novamente, para juntos irem à procissão. Johnny despediu-se dos pais e pediu
permissão para encontrar seus amigos, que estavam à sua espera no campinho de
futebol. A turma da Siqueira Campos estava reunida na sede do clube, felizes
com a regalia de ter um local só deles, no qual gozassem de completa liberdade
e os abrigassem do mau tempo. Pé de Pata, Géo e Nêgo acordaram bem cedo naquele
domingo e foram para o clube, quase de madrugada, e passaram toda a manhã em
volta da lareira acesa, se sentindo verdadeiros montanheses do faroeste
americano. Pouco tempo depois, apareceram Mipai e Tõe Porcino; os quais, apesar
de serem católicos, tinham poucos interesses em missas e embarcaram nas
fantasias dos amigos; porém, sem esquecerem-se da copa do mundo, que era o
assunto mais importante daqueles dias, na vida nacional.
Quando Johnny surgiu àquela hora, foi recebido com festas pelos
seus amigos, os quais brindaram a sua chegada com chocolate quente e bolos de
tapioca. O garoto adorou o aconchego daquela pequena cabana, a qual foi
projetada por ele e estava feliz com o contentamento dos meninos, os quais
faziam planos para mais torneios em seu campinho de futebol. Uma animada
conversa começou entre a garotada, perdurando por algum tempo, com todo mundo
falando alto e ao mesmo tempo, dando as mais extravagantes opiniões sobre a
estratégia futebolista. A algazarra já durava uns bons minutos de alegrias,
quando foi silenciada com batidas nervosas à porta. Pé de Pata abriu e apareceu
Mamãe eu Quero todo ofegante, que noticiou com contentamento:
- Oi turma!... Tem matinê grátis hoje no Cine Jequié!
Géo foi o primeiro a se manifestar ao ouvir a mágica palavra:
- De graça?!... Tem certeza?... E o filme é bom?
- Na certa é uma daquelas porcarias de filmes de amor, do cinema
mexicano! – desdenhou Mipai, sem dar muita atenção ao pequeno gibi.
Mamãe eu Quero rebateu a afirmação:
- Não é nada disso! O filme é de aventuras, colorido e se passa na
África!
-Qual é o nome desse filme? – perguntou Nêgo com interesse:
O garoto coçou a cabeça, tentando relembrar corretamente o nome do
filme e anunciou alegremente:
- Eu acho que é “As Minas do Rei Salomão!”
Nesse momento Johnny, que estava sentado em um canto, folheando
algumas revistas, levantou-se rapidamente e disse a seguir:
- Pessoal esse filme é famoso! Eu li na revista Cinelândia que ele
foi indicado a vários prêmios, inclusive o de o melhor filme de 1950, mas
ganhou
apenas o Oscar de melhor fotografia colorida É com os atores
Stewart Granger e Deborah Kerr.
Tõe Porcino convocou a turma, dizendo:
- Eu já ouvi falar nesse filme e todo mundo diz que é muito bom!
Acho melhor a gente ir logo para essa matinê, e pegar os melhores lugares!
Pé de Pata esfregando as mãos, disse animado:
- O que estamos esperando? Vamos aproveitar que o tempo está
aberto e a neblina deixou de cair!
Os garotos seguiram juntos pela Siqueira Campos em direção ao
centro da cidade. Eram quase duas horas da tarde e, naquele momento, o tempo
estava agradável, com um sol ameno de poucas nuvens chuvosas. A calçada do Cine
Teatro Jequié estava superlotada de crianças, naquele domingo à tarde, cujo
alvoroço começava a incomodar os funcionários daquela sala de espetáculos. Sem
nenhum aviso prévio, a garotada foi informada, logo após o meio dia, por um
carro de propaganda, que a matinê daquele cinema seria grátis, custeada pelos correligionários
do candidato ao governo do Estado da Bahia, Antonio Balbino de Carvalho Filho.
O fato estava sendo alardeado pelo locutor aos quatro cantos da cidade,
atraindo para o centro uma multidão de meninos; alguns das quais, nunca
dispunham de dinheiro para ir a uma matinê aos domingos. Diziam que o
acontecimento era em homenagem ao santo padroeiro de Jequié, do qual, o
distinto político era um grande devoto.
Havia uma gigantesca fila para entrar no cinema, sem a necessidade
de ingressos. O gerente e o porteiro, com alguns funcionários, tentavam
organizar o evento da melhor maneira possível. A balbúrdia era inevitável
devido às circunstâncias que a havia gerado. Instantes antes da chegada dos
garotos da Siqueira Campos, uma turma de meninos da Bela Vista, comandados por
um garoto magrinho de onze anos, chamado Raimundo Meira, acendeu e jogou uma
falsa bomba, dispersando a meninada do início da fila. A estratégia fez com
que, ele e seus amigos entrarem na sala de espetáculos, sem nenhum impedimento.
Contudo, o clima de revolta entre a meninada deu motivos a várias brigas e
muito trabalho à guarda municipal. Vendo aquele tumulto, algumas senhoras que
levaram os seus filhos para matinê, desistiram da ideia. Entre elas, estava
Dona Olga Figueiredo Vieira, amiga de Dona Amélia e Dona Nonnita, deixando
inconsoláveis seus dois filhos pequenos, Luís Aroldo e Paulo Roberto. Por volta
das três horas da tarde, o gerente Durval e o porteiro João resolveram abrir as
portas da lateral do cinema para facilitar a entrada da garotada, enchendo de
crianças os mil e duzentos e vinte e cinco lugares, daquele grande cinema.
Johnny e seus amigos se acomodaram bem longe da tela, num local
junto à cabine de projeção, denominado de galinheiro pela população. O garoto
achou estranho aquele lugar, pois ele estava acostumado a ver os filmes mais
próximos da tela, perto das duas entradas. Todavia estava contente, por ele e
seus amigos terem adquirido poltronas para se sentarem, quando havia um grande
número de crianças em pé ou sentados no chão.
O filme fez muito sucesso entre os espectadores. Numa época em que
predominavam as películas em preto e branco, um filme a cores com um roteiro
atraente deixou encantada aquela meninada feliz, a qual saiu do cinema
comentando as melhores cenas. Para Mamãe eu Quero, aquele foi o melhor filme
que ele tinha visto. Mipai, não querendo perder uma oportunidade para mangar
alguém, desdenhou:
- Qualquer filme de graça para um pobre é sempre o melhor!
- Pobre é o Cão e você, que é amigo dele! – protestou o negrinho
com irritação.
- Ora veja! O moleque está ficando abusado! – Comentou Mipai para
os garotos, que sorriam dos dois, e depois fingindo zangado disse a seguir:
- Está querendo tomar uns cascudos, para refrescar a cabeça seu
besta?
Johnny preocupado com possíveis desentendimentos entre os amigos
resolveu intervir, dizendo para Mamãe eu Quero:
- O filme é bom, ele sabe disso e você também! Além disso, em
matéria de riquezas, todos nós estamos no mesmo barco.
Eram mais de cinco horas da tarde quando terminou a projeção do filme. Na saída do cinema, Johnny notou que a procissão estava sendo formada e despediu-se dos amigos, os quais foram para o jardim. O garoto seguiu sozinho para a igreja na esperança de encontrar a sua bela Berenice.
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