domingo, 19 de janeiro de 2020

O mistério esclarecido.

J. B. Pessoa

Capítulo - 18 do livro " Guris e Gibis".

A sessão da matinê terminou às dezesseis horas e trinta minutos, sob a gritaria da meninada alegre com o programa assistido. Muitos dos meninos que saíram do cinema permaneceram em sua calçada, reiniciando o comércio de revistas. Mamãe Eu Quero era o mais animado. A turma ria bastante, quando ele relembrava as partes mais interessantes do filme, usando gesticulações e sonoridades esquisitas, pois o menino não sabia ler, o suficiente para acompanhar a rapidez das legendas e o seu entendimento do enredo baseava-se nas imagens e ação do filme. A sua deficiência na leitura dos quadrinhos o forçou a ter mais interesse pelos estudos. Géo e Pé de Pata ficaram caçoando dele por algum tempo, que zangado, reagiu com uma promessa, já feita a si mesmo.
- Podem rir a vontade, pois um dia eu vou ser doutor!
- Isso só depende de você! Deus ajuda a quem se ajuda! – Observou Tõe Porcino, que gostava muito do primo, acrescentando:
- Como diz o povo: “Querer é poder”!
A turma concordou com Porcino, reiterando o conselho. Nesse momento Johnny, que esperava algum tempo o garoto retomar o caso do relacionamento de Orlando com Berenice, disse com impaciência:
- E aí rapaz, termina o caso de Orlando com a menina!
- Ih turma, já tinha até esquecido!... Onde foi que parei?
- Você disse que a menina é irmã de leite dele e que a mãe de Orlando tem parentesco com a família! – Observou Luis com muita curiosidade.
- Ah sim, agora me lembro – Disse Porcino e retomou a história:
- Orlando toma conta de Berenice a pedido do pai da menina, pois ela levou uma carreira do “pegador de meninos”!
- Nossa Senhora! O que o “pegador de meninos” fez com ela? - Perguntou Mamãe Eu Quero com ansiedade, pois tinha muito medo do sombrio individuo.
- “Pegador de meninos” uma ova! Foi Guito Guigó que estava correndo atrás de uma molecada, a qual havia mexido com ele! Berenice e uma menina chamada Eva Marli vinham caminhando pela calçada da Rua Silva Jardim, quando deu de frente com uma porção de meninos correndo. Vendo o doido jogar pedras neles, ficaram com medo e correram também. Parece que um dos moleques disse pra elas, que Guito era o “pegador de meninos”.
- Puxa a vida, Guito Guigó?! – Exclamou Géo, que preferia enfrentar um batalhão a se meter com Guito. Ele carregava uma pequena cicatriz no coro cabeludo, produto de uma pedrada do doido, numa ocasião parecida com aquela.
- Pois é! Orlando, que no momento passava por perto, deu uma de herói. Foi ao encontro das meninas com os braços abertos, amparando as duas. Guito passou pertinho deles e não fez nada, continuando atrás dos moleques. Orlando levou as duas pra casa e, malandro como é, contou o caso a sua maneira. Resultado: o sacana, além de bancar o protetor da menina, ainda ganha uma boa gorjeta do pai dela.
- E por que ela confirma que é namorada dele? Isso eu mesmo presenciei! – Observou Johnny, que andava intrigado com aquilo.
Tõe Porcino parou um pouco para relembrar os acontecimentos e dar os detalhes corretos de toda a história, pois detestava os boatos inventados que distorciam a verdade.
- Aí o negócio é outro: tem um chato por que anda querendo namorar a menina. É um sardento tirado a bonito, que estuda no Ginásio do Padre. Ele é chamado de Marcelo Peru. Você conhece o cara?
- Sim! Ele anda sempre com Pedro Chulé! – Respondeu Johnny, que detestava os dois rapazes, pois era sempre hostilizado por eles.
- Pois é! O sacana tem dezoito anos e quer namorar Berenice, que só tem treze! Vê se pode?!... Então a menina pediu pra Orlando dizer pra todo mundo, que é namorado dela.
- Faz sentido! – Opinou Luís, satisfeito com a explicação.
- Como é que você ficou sabendo de tudo isso? – Perguntou Johnny, admirado com as informações do negrinho.
- Minha mãe é agregada da família e muito amiga da mãe de Orlando.
- É isso aí, amigo! A gente gostou da sua explicação. – Disse Johnny, apertando a mão do garoto, demonstrando amizade.
- É devera! Eu sabia que um cara feio como Orlando, não podia ter uma namorada bonita como aquela! – Disse Géo, que andava despeitado, com muita inveja de Orlando. Ele e Pé de Pata faziam parte dos admiradores da garota.
Tõe Porcino olhou bem sério para os amigos e disse:
- Berenice é uma menina linda e rica, mas pouca gente conhece o anjo que ela é! Eu e Orlando crescemos juntos e conhecemos a menina, desde que ela era pequena. Ela é muito inteligente, educada e sem preconceitos. Eu sei que tem muitos marmanjos por aí apaixonados pela garota. Acho bom todos tirar seus “cavalinhos da chuva”, pois a menina está pretendendo ser freira.
- Ser freira?!... Puxa a vida! Quer dizer que aquele cabaçozinho a terra há de comer? – Perguntou Mipai em tom de galhofa.
- Olha o respeito sujeito! Você não tem irmã seu porra? – Gritou Porcino, bastante zangado com a zombaria do garoto.
- Minha irmã eu prendo em casa. “Agora quem tem suas novilhas, segure nos currais, porque o garrote aqui ta pastando!”
- Deixa de ser besta e toma termos, seu ximbungo, que a menina é de família! Onde já se viu uma coisa dessas – Bradou Edgar, que detestava a falta de respeito por moças e senhoras de honra comprovada. Johnny, que também se sentiu incomodado de ver a menina ser objeto de escárnio, disse em tom de conselho:
- Rapaz! Você sabe que respeito é uma coisa muito boa e todo mundo gosta disso!
Mipai desdenhava a opinião do amigo, enquanto Luis lhe esclarecia da necessidade de respeitar e ser respeitado em todos os sentidos. O garoto falou de moral e civismo e bons costumes, alertando do dever que cada um ocupa em uma sociedade democrática. Mipai olhou para Luis com raiva e não gostando da compostura, disse zangado:
- Espera aí, sujeito! O que eu disse foi uma brincadeirinha entre amigos. Se eu estivesse me referindo a uma moça pobre, nenhum de vocês iria se incomodar! Portanto, não me venha com esse papo de “cu de ferro” pra cima de mim, não, porra!
- Aí é que você se engana! Pelo visto não me conhece! Para mim é a mesma coisa! Pode ser que eu esteja exagerando em minhas explanações, porém não lhe ofendi! Mas acontece que você aborreceu o seu amigo e deixaram os outros chateados!
Nesse momento, Pé de Pata Viageira, pressentido que a discussão poderia terminar em briga, pois Luis estava nervoso e Porcino, visivelmente irritado, entrou para apaziguar os ânimos. Sabia que Mipai não era um “galo de baixar as cristas”, por isso disse com seriedade:
- Se é verdade é ou não, que a menina vai ser freira, ninguém tem nada com isso. Mipai estava brincando e Porcino não entendeu. Eu estou conhecendo o Luis hoje e gostei do que ele disse. Só que eu acho uma bobagem a gente ficar discutindo por uma coisa à toa e todo mundo ficar nessa frescura. Nós somos todos camaradas! “Um por todos e todos por um”, certo?! Acabou a discussão e fim de papo!... Onde já se viu isso, Oxente?
Para encerrar o assunto, usou uma expressão sem sentido, usada pela molecada jequieense:
- “Fechou o paquete e amém”!
Os meninos ficaram calados por alguns segundos e, intimamente, cada um fez a sua reflexão. Eles tinham consciência que a grande potencialidade de sua turma, era a sua união e o respeito que um tinha pelo outro. Cada um tinha a sua singularidade e ao mesmo tempo eram muitos parecidos. Até Luis, que era de uma classe mais abastada, cuja mãe pertencia à aristocracia soteropolitana, se identificava com aqueles modestos meninos. Mipai, reconhecendo seu erro, pediu desculpa a todos, principalmente a Luis, que retribuiu num afetuoso abraço. Edgar e Porcino também abraçaram Mipai, se desculpando, arrancando lágrimas em Mamãe Eu Quero que, emocionado, repetiu:
- É isso aí, turma: “Um por todos e todos por um”!
Nesse momento o relógio da matriz anunciou às cinco horas da tarde. A turma, com os ânimos mais calmos, seguiu para a porta do Cine Bonfim, que naquele momento terminava a sua sessão de matinê, na intenção de flagrar Eduardo assistindo um “filme de amor”.

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