domingo, 10 de novembro de 2019

Manhã de carnaval


J. B. Pessoa
Capítulo - 08 do livro “Guris e Gibis”.

Johnny despertou naquela manhã de domingo, bastante assustado com os gritos de medo da sua irmãzinha e pulou rapidamente da cama para ver o que estava acontecendo. Maria de Fátima encontrava-se abraçada a sua mãe, choramingando e ao mesmo tempo curiosa com a gigantesca figura de um homem fantasiado de urso, sendo conduzido por um palhaço, que fazia peripécias, dizendo que o animal era mau e que ele estava levando aquela fera para a prisão. O palhaço, fingindo preocupação, pediu ao dono da casa que servisse ao urso uma talagada de cachaça para deixar aquela “coisa ruim” mais calma. O Seu Miguel abriu uma garrafa e serviu os dois, que tomaram os seus tragos de um gole só, estalando a língua de satisfação. Depois de algum tempo de brincadeiras foram-se embora, agradecendo ao dono da casa pela gentileza, sendo seguidos pela garotada, que animadamente vaiava os dois. O palhaço simulando indignação soltava o urso, que fingia estar enfurecido, dando uma carreira na meninada, que debandava para todos os lados numa algazarra contagiante. O palhaço laçava o urso e o prendia novamente, seguindo pela rua em direção ao centro da cidade; sempre parando nas residências e nos botecos, para beber de graça e encenando, novamente, todas as suas artimanhas.
Johnny estava bastante alegre com tudo aquilo, pois vivia o seu primeiro carnaval. Sentiu vontade de seguir aqueles meninos atrás do palhaço e urso, porém sua mãe o obrigou a fazer sua higiene matinal. Depois de um banho frio na grossa torneira do sanitário que ficava no quintal, o garoto se sentia como quem tivesse tomado uma poção mágica. Toda a sua vitalidade juvenil aflorava naquele momento, precisando dar vazão nessa energia imediatamente. Tomou seu café com leite, acompanhado de um pão-de-ló, com beijus de tapioca. Depois da primeira refeição, pediu a permissão dos seus pais e saiu para encontrar os seus amigos. A turma o esperava debaixo da grande mangueira na área do quintal de pé de Pata. Estavam todos reunidos em volta de Tõe Porcino, que com seu pandeiro na mão, dava mostra de seu talento para a percussão, cantando os sucessos do carnaval daquele ano. O garoto estava trajando uma calca branca de linho, com uma camisa de malha com as cores do flamengo, sapato e cintos pretos e um chapéu típico dos sambistas cariocas. Quando viu Johnny, abriu os braços e gritou com alegria:
-Johnny The Kid meu camarada, você está pronto pra entrar na folia?
- Acho que sim! Como vocês sabem, esse é o primeiro carnaval que eu participo, pois lá na roça não tem dessas coisas! – Respondeu o garoto. Depois, olhando bem para o amigo, falou:
- Puxa Tõe, você está bonito pra chuchu!... Está até parecendo um malandro carioca! Para onde você vai com toda essa elegância?
- Rapaz você não está sabendo? Conta pra ele, Pé de Pata!
O garoto exibiu, orgulhosamente, alguns ingressos na mão, dizendo:
- Gente fina é outra coisa! Não é pra me gabar, não! O papai aqui conseguiu oito convites para a batalha de confetes do novo clube, que foi inaugurado esse mês na Rua Santa Luzia.
- Que clube é esse? – Perguntou Johnny com curiosidade.
- O nome é Clube dos Cadetes, o pai de Pé de Pata, que faz parte da diretoria do clube, conseguiu os ingressos pra gente. – Respondeu Edgar.
- Rapaz, vai ter muita menina bonita nesse baile! – Disse Mipai, com animação, pois morava vizinho ao Clube.
- Quem vai tocar é a Orquestra Jacó e Seus Cadetes, que é a melhor da cidade – Disse Edgar muito animado, pois gostava mais do carnaval do que as outras festas populares.
A turma estava usando apetrechos carnavalescos, alguns dos quais, de carnavais passados, que foram doados aos meninos. Edgar e Tõe Porcino foram os únicos que compraram o que estavam usando, Edgar exibia uma camisa estampada, costurada por sua mãe e um quepe carnavalesco, que ele comprou na loja Três Irmãos. Tudo que o resto da turma usava era de segunda mão. Nêgo, Géo e Pé de Pata estavam usando uns chapéus de palhas com as abas desfiadas, pintados de amarelo, com vários colares multicores, que ganharam do bloco “As Havaianas”, do carnaval anterior. Mipai usava uma camisa e boné de marinheiro do bloco “A Turma do Barril”, doado pelo irmão e Mamãe Eu Quero usava uma mascara negra, demasiado grande para seu pequeno rosto, com um gorro em forma de cone, decorado com purpurina azul, que foi usado pela sua prima no terno de reis, “As Bailarinas”. Todos portavam uns recipientes de plástico, que esguichava água perfumada e usavam óculos, também de plásticos, que protegia o folião de terem os olhos esguichados com água apimentada pelos cafajestes de plantão. Johnny estava sem nenhuma fantasia, pois não tinha a menor idéia de como seria a festa. Edgar conseguiu para ele um bonito chapéu de palha fina, tipo cowboy, que o garoto adorou e Porcino arranjou um lenço estampado, que ele amarrou ao pescoço, à maneira dos mocinhos caubóis do cinema. Mipai, que não perdia uma oportunidade de caçoar alguém, disse:
- Meu camarada tu ta parecido com aquele artista!...Oxente! Como é mesmo o nome dele? Jaci... Jaci... Jaci, eu não sei lá o que!
Pensando que Mipai, realmente comparava o garoto com algum personagem ou astro dos filmes de faroeste, Géo disse efusivamente:
–Já sei quem é o artista! É Jesse James! Quem fez o papel dele foi Tyrone Power.
Mipai virou para Géo e disse com deboche:
- Nada disso seu otário! Ele está parecendo com o já si borrou!
Ouvindo aquilo, Nêgo entrou no clima de escarnecimento, exagerando uma sonora gargalhada, sendo acompanhada pelo resto da turma. Johnny aceitou aquela gozação com um leve sorriso no rosto, deixando a turma atônita sem compreender a sua falta de indignação. O garoto aproveitou o clima de deboche de seus amigos e disse sorrido para sua turma.
- Por falar em borrar, eu quase me borrei nas calças ontem à noite!
- O que foi que aconteceu? – Perguntou Nêgo curioso.
- Levei uma carreira danada do cachorro do Seu Manequito!
- Puxa a vida! Aquele cachorrão é brabo pra chuchu! – Exclamou Mamãe Eu Quero, apavorado. O garoto tinha um medo horrível desse famoso cão, conhecido como Sansão. Esse cachorro era o orgulho de um velho rabugento, que odiava os meninos por jogar bola perto do seu quintal.
Ao contrário do resto da turma, que detestava o cão, Tõe Porcino adorava aquele pastor alemão, mas odiava o velho, por atiçar o animal contra a garotada. Sabendo disso, procurou corrigir aquela injustiça, dizendo:
- O pobre animal não tem culpa! O Seu Manequito é que é um grande sacana, pois treinou Sansão para ser brabo e atacar a gente!
- Rapaz, eu tenho uma raiva danada daquele velho, que eu nem quero contar! – Disse Nêgo, que era vizinho do dono do cachorro.
- Mas ele pode ficar sentado esperando a dele, que eu já falei para o Pai João. O pai de santo do nosso terreiro vai dar uma lição nesse velho ximbungo! – Disse Porcino com rancor.
Edgar, que estava impaciente com a demora dos amigos, reclamou:
- Aviam turma! São quase nove horas! Oxente!... Hoje é carnaval! A gente tem uma batalha de confetes pela frente! Vocês esqueceram?!
- É devera! Vamos deixar o caso de Seu Manequito para depois do carnaval – concordou Porcino, que alardeou sorridente:
- Vamos embora turma, que as meninas do Clube dos Cadetes estão com saudades do crioulo mais bonito de Jequié!
A turma seguiu pela Rua Siqueira Campos com suas fantasias bizarras e quando entraram na Rua Santa Luzia encontraram com um bloco composto por adolescentes vestidos de mulher. Eles estavam em uma mercearia, onde também funcionava um bar, fazendo traquinagens e tomando cerveja. Esses jovens eram liderados por um famoso boêmio local, conhecido como Tony de Leda, que era pai e tio da maioria dos jovens foliões e, também, padrinho de Mipai. O folião estava excessivamente maquiado, usando uma peruca loura, confeccionada de sisal. Estava com os grossos lábios pintados com um batom rubro, que contrastava o seu vasto bigode. Era uma caricatura de mulher com os exageros cômicos característicos do carnaval. Quando viu o afilhado, foi ao seu encontro, rebolando com trejeitos femininos e deu-lhe um beijo, melando com o seu batom, o rosto do garoto. A turma riu bastante naquele momento e começaram a caçoar do enfezado Mipai, que detestou a brincadeira. Nesse momento aparece um bloco de caretas, que era composto por mulheres vestidas de homem, vindas de um cabaré, que existia numa colina acima do Barro Preto. Elas quando viram o bloco dos jovens, entraram na mercearia e começaram um flerte esquisito. As moças vestidas de homem, namorando os rapazes vestidos de mulher. Tony de Leda agarrou duas moças dizendo que ele era a “Maria Dengosa” e que queria dois “homens” só para “ela”. Porcino, com seu pandeiro na mão, entoou uma marchinha carnavalesca, que era o sucesso do ano, sendo acompanhado pelos demais componentes:
As águas vão rolar...
Garrafa cheia, eu não quero ver sobrar!
Eu passo a mão no saca, saca, saca-rolhas!
E bebo até me afogar! Deixe as águas rolar!...
Tony de Leda, a “Maria Dengosa”, dava gritinhos marotos, dizendo que ia concorrer à Miss Brasil, naquele ano de copa do mundo. Não ficava parado. Ia de um lado para outro, sentava nos colos das pessoas com pose de mulher fatal. Arrancava risos das pessoas, dizendo que era “fogosa” e estava “necessitada”. Em dado momento entra no recinto um velho mal encarado, com uma Bíblia debaixo do braço, no propósito de comprar alguma coisa. Era o velho Manequito que odiava
o carnaval, mais do qualquer coisa no mundo. Ao ver aqueles foliões irreverentes, resolveu dar o seu sermão costumeiro às pobres almas pecadoras. Sendo ele um calvinista convicto, preconizava que aquela festa, era coisa do diabo e tentou advertir àqueles decaídos do fogo eterno do inferno, que inexoravelmente os esperava. Enquanto bradava a ira dos céus, a “Maria Dengosa” veio de mansinho e estala um forte beijo em sua careca, deixando-a marcada com o seu precioso carmim. Surpreso com a ousadia, o velho explode em indignação, diante das gargalhadas das pessoas presentes no local e sai daquele “antro de perversão”, conforme as suas palavras, vociferando agruras sob as vaias dos alegres foliões. Mamãe Eu Quero ao ver os acontecimentos, chama seus amigos à parte e diz preocupado:
- Turma! O velho Manequito não é de engolir desaforos! É capaz de ele chamar a policia!
- Que nada! Hoje é carnaval e aquele merda não pode fazer nada! - Disse Edgar, que acrescentou:
-Além disso, dois componentes do bloco são guardas municipais!
Géo, que já estava impaciente com aquela demora, aconselhou:
- É melhor a gente ir embora que o velho vai aprontar e, além disso, o baile já começou:
- Certo! Mas antes vamos tomar um caldo de cana na venda de Dona Guilhermina! – Disse Mipai, que estava com sede, sendo seguido por toda a turma.
Os meninos se despediam dos blocos e seguiram adiante, entrando em um boteco a curta distância da mercearia. Acomodaram-se em uma mesa e ficaram tomando seus caldos de cana com gelo, enquanto Porcino com seu pandeiro entoava outra machinha:
Você pensa que cachaça é água!
Cachaça não é água não.
Cachaça vem do alambique
E a água vem do ribeirão...
Enquanto cantava, o garoto improvisava:
Cachaça é feito de cana,
Mas não é caldo de cana não!
Cachaça faz mal pra saúde
E caldo de cana dá tesão!
Enquanto a garotada participava dessa inocente fantasia, brindando com seus copos, ouviram lá fora um grande alarido. De repente, não se sabe como, o pastor alemão do velho Manequito apareceu, atacando todo mundo que estava farreando na mercearia. Foi um “deus nos acuda” botando todo mundo pra correr! Mesas caíram e garrafas espatifaram-se ao chão. As moças subiram em cima do balcão, assustadas e com medo, gritando por socorro o tempo inteiro, justamente no momento em que todos debandaram do recinto. Enquanto a balbúrdia acontecia, o pessoal ouviu o som agudo de um apito e o robusto cão desapareceu dali, rapidamente. Ficaram todos atônitos sem compreender nada. Nenhum dos componentes dos blocos conhecia o velho Manequito ou sabia da existência de Sansão, seu treinado cão de guarda. Apenas o dono da mercearia e alguns dos seus assíduos fregueses conhecia e temia aquela fera. O que deixou todo mundo admirado foi o fato de Tony de Leda a “Maria Dengosa” ser o único ferido naquela
confusão. Passado o tumulto, todos voltaram ao local e verificaram que o folião ostentava uma bela mordida na perna. Os dois guardas presentes procuraram averiguar de quem era aquele cachorro. Todos responderam que nunca o viram antes. Os farristas pagaram as suas contas e foram embora. A “Maria Dengosa” saiu do lugar mancando, esbravejando com raiva do danado cão. Mamãe Eu Quero, que presenciou toda aquela confusão, tomando seu o seu caldo de cana, alegou:
- Eu não disse?! Eu não disse?!... O velho tem parte com o diabo!
- Deixa de exageros! Afinal o homem é religioso! – Observou Johnny.
- Religioso uma ova! Ele anda com uma Bíblia na mão, mas é para se mostrar! Quer tirar onda de moralista, de homem honesto e temente a Deus, mas é um hipócrita. Fala contra bebidas, mas anda fabricando cachaça com álcool desdobrado e falsificando uísque em um depósito em seu quintal. – Disse Nêgo, berrando de raiva, que acrescentou:
- Vocês sabem por que o sacana proíbe a gente de jogar bola perto do seu quintal? É para impedir que a gente escute ou veja ele nas suas treitas!
Tõe Porcino, depois de ouvir a opinião de todos, falou:
-Como eu já disse a vocês! O Pai João vai dar jeito na situação!
- Ih, rimou! – Disse Géo sorrindo!
- Isso dá samba! – Acrescentou Mipai
- Depois que Pai João der uma lição no velho babão, à gente vê isso e...
- Êpa!... Rimou novamente!... O samba está que nem um pinto, querendo sair da casca do ovo! – Disse o entusiasmado Mipai, que chamando a dona do boteco, ordenou:
- Mais uma rodada de caldo de cana!
- Rapaz, é capaz de a gente ficar bêbado de tanto beber caldo de cana! – Disse Pocino, que batucando o seu pandeiro, improvisou os versos:
Vocês conhecem
Manequito e Sansão
São dois cachorros,
Que vivem na contra mão!
Mas todos sabem,
Que o velho babão
Vai engolir seus desaforos
E se fuder com Pai João!
Ora se vai!
A turma continuava improvisando versos travessos, numa musicalidade característica dos sambas enredos, quando Johnny perguntou:
- Quem é Pai João?
Porcino, que o conhecia bem, respondeu:
- É um pai de santo do nosso candomblé caboclo e um grande curandeiro. Já curou até doenças desenganadas pelos médicos. No final do ano passado, quando Pai João estava viajando, ele atiçou Sansão, que atacou o terreiro na noite de Natal, botando todo mundo pra correr. Naquela noite o cachorro dele mordeu muita gente!
Mamãe Eu Quero disse, animado:
- Um dia a gente leva você pra conhecer o terreiro!
- Se o pai dele deixar! – Disse Géo, que tinha pais evangélicos, que não deixava ele e seus irmãos se misturarem com “candomblezeiros”!
- Meus pais são católicos ecumênicos, ou seja: admite todas às religiões. Meu pai costuma dizer que “Deus é religião, mas nenhuma religião representa Deus”, nem mesmo a Católica com toda a sua pretensão.
- É devera! – Disse Porcino emocionado!
Depois de algum tempo de conversas, Mipai abre os abraços e exclama:
- Então meus camaradas! A gente vai ou não vai a essa bendita batalha de confetes?
- Isso mesmo. São mais de dez horas! – Concordou Edgar com o apelo do amigo.
- Nesse caso é só seguir o crioulo aqui! – Disse Porcino gingando e fazendo pose de malandro carioca.
A turma pagou suas contas e seguiu pela Santa Luzia, numa animação inerente a uma juventude que conhecia o sabor da alegria de viver. Porcino tocava o seu pandeiro, cantando sambas e marchas, enquanto seus amigos o acompanhavam nos refrãos. Chegando ao clube, verificaram que a porta estava abarrotada de adolescentes querendo entrar. Estava proibida a entrada de maiores de quinze amos. Edgar e Mipai foram barrados, sob suspeita de terem mais, sendo necessário à intervenção do Seu Francisco de Souza, pai de Pé de Pata, para liberarem os dois. Quando entraram no salão, os garotos sentiram o delicioso aroma das lanças perfumes, que pairavam no ar. Os confetes eram jogados pelas meninas, deixando todo mundo com os cabelos e corpos entupidos deles. As serpentinas voavam pelo ar, cruzando os quatro cantos do salão de ponta a ponta, enquanto a orquestra Jacó se seus Cadetes davam mostra de talento e arte, tocando os novos e velhos sucessos carnavalescos. Porcino abriu ou braços e acolheu duas meninas, que, animadas, saíram com ele pulando pelo salão. O resto da turma entrou na folia, brincando a valer, encontrando seus pares entre as meninas de uma escola particular das adjacências. Edgar não cabia em si de contentamento. Brincava com uma menina de sua idade, que ele gostava desde pequeno, a qual nunca havia demonstrado qualquer interesse por ele. Era uma bela garota, de tez morena, cabelos encaracolados e olhos verdes, que fazia bastante sucesso entre a rapaziada da cidade e, naquela hora, manifestava um verdadeiro interesse pelo garoto. Somente Johnny, rendido à sua timidez, ficou parado em um canto, olhando tudo aquilo, encantado com a festa. Tentou dar uma volta pelo salão, brincando sozinho, mas logo retornou ao seu lugar, se sentindo ridículo. Algumas meninas, que brincavam desacompanhadas, notaram a presença do garoto solitário, posicionaram à sua volta, flertando-o assiduamente. Uma delas dirigiu-se a ele e o cumprimentou gentilmente:
- Olá, como vai?... Tudo bem?
Era uma moreninha de doze anos, que o fitava encantada. Johnny, surpreso com aquela desenvoltura, ficou por alguns segundos sem dizer nada e, recompondo-se em seguida, respondeu:
- Tudo bem e você?
- Bem! Está gostando da festa?
- Sim, e você?
- Está ótima! Como é seu nome?
- João Evangelista, e o seu?
- Vera Olívia!... Você é daqui mesmo?
- Sim e você?
- Sou de Jaguaquara! Você gosta de pular carnaval?
- Acho que sim, nunca pulei antes!
- Você quer pular comigo e com minhas amigas?
- Sim!
A menina apresentou o garoto a suas amigas e em seguida saíram brincando pelo salão. Johnny abraçou Vera Olívia e sua amiga Neuza, sendo acompanhados por Lúcia, Eliana e Laura. Quando a orquestra Jacó e seus Cadetes tocaram uma marchinha lenta e muito sugestiva ao momento, as meninas segurando as mãos uma das outras, formaram uma roda, jogando Johnny e Vera Olívia dentro dela, cantando a marchinha, insinuando namoro entre eles.
A vitória há de ser tua, tua, tua, moreninha prosa!
Lá no céu a própria lua, lua, lua, não é mais formosa.
Rainha da cabeça aos pés,
Morena eu te dou grau dez!
Johnny estava se divertindo pra valer. Era a primeira vez na vida em que ele vivia uma situação daquelas, pois estava sendo flertado por uma menina muito bonita. No principio ficou um tanto intimidado, mas logo depois deixou as coisas seguirem o seu curso natural. Havia outras garotas no salão, que também estavam interessadas nele, principalmente as próprias amigas de Vera Olívia. Sentiu sua vaidade aflorar naquele momento, pois percebia que era o centro das atenções. Lembrou-se das palavras de sua mãe: “O espelho é o maior mentiroso que existe!” Ela lhe alertava de que nem sempre as coisas são como as enxergamos, e que não existe nada mais deplorável do que um homem convencido. Procurou não pensar no assunto e viver aquele momento. Depois da marchinha lenta a orquestra tocou o frevo “Vassourinhas”, levando a garotada ao delírio. Quando Johnny encontrou a turma com suas garotas, a animação tornou-se apoteótica, com os gritos de saudações daquela meninada feliz. Porcino resolveu fazer um bloco, ali mesmo, chamando seus amigos com suas garotas para ficarem todos juntos. Com as mãos dadas, fizeram uma grande roda que tomou conta do salão. Às vezes a roda se partia, transformando-se numa longa fila, com o negrinho á frente, comandando a folia. Eles ficavam em fila indiana, com as mãos nos ombros de quem estava á sua frente e assim, sucessivamente. Davam umas reviravoltas formando uma linha sinuosa e móvel. A turma ficou nessa folia por algum tempo, para logo depois seguirem sozinhos pelo salão. Outros grupos, que brincavam no momento, aderiram àquela animada brincadeira. Johnny ficou tão envolvido com tudo aquilo, que não sentiu o tempo passar, caindo na folia como um verdadeiro carnavalesco.
Era quase uma hora da tarde, quando a orquestra executou a música típica de abertura e finalização dos bailes carnavalescos. A garotada queria brincar um pouco mais, não aceitando o final daquela festança com resignação. A animação continuava ativa, com os gritos de bis ecoando por todo o salão, sendo necessário, o maestro anunciar, que logo mais, haveria o turno vespertino do baile. Aos poucos a meninada foi se conformando com a decisão, abandonando o salão com a felicidade estampada em seus rostos juvenis e já com saudades de uma manhã de carnaval, a qual seria relembrada pelos restos suas vidas.
Johnny saiu do clube, acompanhado pelas meninas que o convidaram para o corso, no centro da cidade, logo mais à tarde. Elas iriam sair em cima de um caminhão, que tinha sido decorado com motivos carnavalescos para o evento. O garoto aceitou o convite, marcando o encontro às quatro horas da tarde em uma confeitaria da Praça Ruy Barbosa. Johnny despediu-se das meninas com um aperto de mãos e elas partiram para as suas residências em um automóvel, que as esperava na porta do clube. Logo depois, o garoto vê seus amigos e vai ao encontro deles, que também estava se despedindo de suas companheiras de folia. Estavam todos contentes com a realização daquela batalha de confetes e durante algum tempo, ficaram pelas imediações do clube relembrando suas aventuras. Edgar, numa pueril presunção, estava todo prosa, relatando a façanha de ter conseguido conquistar a menina que ele gostava. Ela se chamava Neide e cursava o quinto ano primário nas Escolas Reunidas João Cordeiro, que funcionava no prédio do Sindicato dos Empregados do Comércio de Jequié. Edgar, que estudava numa escola particular, tinha sido transferido e já estava matriculado nessa mesma escola, onde ia cursar o quarto ano. Ele fez o pedido de namoro, o qual foi aceito com reservas. A garota condicionou que fosse um “namoro escondido”, pois seus pais só iriam permitir que ela namorasse depois de completar seus quinze anos.
Tõe Porcino, juntamente com Géo, Nêgo e Pé de Pata, também se vangloriavam de suas conquistas. Mipai querendo estragar a festa de seus camaradas e caçoar deles, disse em tom de escárnio!
- Vocês já ouviram falar que em carnaval tudo é permitido? Nessa época as meninas pintam e bordam! Vamos ver depois que passar a folia se elas vão continuar com todo esse assanhamento!
- E daí?! Você está pensando que eu vou querer namorar alguma menina? O crioulo aqui é livre que nem passarinho! – Disse Porcino com soberba. O resto da turma concordou com o garoto, apenas Edgar fez ressalvas.
- Estou gostando da menina, há muito tempo! Se ela não me quiser, irei ficar triste, mas não vou morrer por isso. O mundo está cheio de mulheres!
É isso mesmo Edgar! No Brasil existem três mulheres para cada homem! – Disse Géo, querendo o retorno daquela animação, que ficou corroída pelos descasos de Mipai.
- Eu acho que a gente é jovem demais, pra se preocupar com isso! – Disse Johnny muito sério, para depois acrescentar:
- Devemos deixar as coisas acontecerem e seguir o seu destino. Nós temos que nos preocupar é com nossos estudos, pois o futuro depende disso, principalmente a gente que é pobre!
- Pobre é o diabo que não tem as graças de Deus! Eu sou apenas um necessitado. – Disse Mamãe Eu Quero, batendo num poste de madeira para afastar a má sorte. Géo, Nêgo e Pé de Pata concordaram com o menino e Johnny acrescentou:
- “Deus dá o cobertor conforme o frio!”
Nesse momento Edgar levanta os braços se espreguiçando e diz
- Tudo está muito bom e muito direito, mas estou indo para casa que estou cansado e com fome!
A turma se despediu de Mipai e seguiram pela Rua Santa Luzia em direção a suas casas na Rua Siqueira Campos. Nesse momento encontraram o Bloco da
“Maria Dengosa” com “ela” completamente “bêbada”, sendo carregada pelas “filhas”, também embriagadas. Porcino, vendo aquilo, pegou o seu pandeiro e cantou a marchinha predileta da turma sendo acompanhado pelos garotos.
Você pensa que cachaça é água
Cachaça não é água não!...
A turma cantou a marcha na versão original, quando chegou ao final, Porcino improvisou:
Cachaça foi feita pra homem
Não é para as “marias” não!
Quem quiser beber cachaça
Tem que ter muito culhão!
Tony de Leda, a “Maria Dengosa” ouvindo o improviso, cantado por Porcino, colocou as mãos nas cadeiras e se dizendo “ofendida”, despejou nos garotos um repertório de palavrões, fazendo corar até as meninas do cabaré, que acompanhavam aqueles irreverentes foliões. Géo, ouvindo aquilo, gritou caçoando do bêbado:
- Êpa!... Quebraram o “putain” de mamãe!
A turma morria de rir, enquanto a “Maria Dengosa” era conduzida pelos “namorados” para o cabaré do alto de serra, com a perna enfaixada pela mordida sofrida anteriormente. Os foliões, mangando da “Maria”, cantavam a marchinha “As Águas vão Rolar”. A “Maria Dengosa”, analisando as moças fantasiadas de homens, disse para a turma fantasiada de mulher, gritando:
- Se não me sobrar, pelos menos, três “homens”, eu como o cu de um!
O bloco das dengosas e o bloco das caretas seguiram adiante, passando pelo Largo do Cururu, com a “Maria” rebolando, exageradamente, com as suas grandes nádegas postiças, sob a alegria e risos das pessoas do lugar, que conheciam e adoravam aqueles irreverentes foliões. Johnny despediu-se de seus amigos, ficando de se encontrarem ás quatro horas da tarde e foi para sua casa descansar, pensando nas belas meninas que conheceu naquela manhã.


Nenhum comentário:

Postar um comentário