J. B. Pessoa
Johnny
despertou naquela manhã de domingo, bastante assustado com os gritos de medo da
sua irmãzinha e pulou rapidamente da cama para ver o que estava acontecendo.
Maria de Fátima encontrava-se abraçada a sua mãe, choramingando e ao mesmo
tempo curiosa com a gigantesca figura de um homem fantasiado de urso, sendo
conduzido por um palhaço, que fazia peripécias, dizendo que o animal era mau e
que ele estava levando aquela fera para a prisão. O palhaço, fingindo
preocupação, pediu ao dono da casa que servisse ao urso uma talagada de cachaça
para deixar aquela “coisa ruim” mais calma. O Seu Miguel abriu uma garrafa e
serviu os dois, que tomaram os seus tragos de um gole só, estalando a língua de
satisfação. Depois de algum tempo de brincadeiras foram-se embora, agradecendo
ao dono da casa pela gentileza, sendo seguidos pela garotada, que animadamente
vaiava os dois. O palhaço simulando indignação soltava o urso, que fingia estar
enfurecido, dando uma carreira na meninada, que debandava para todos os lados
numa algazarra contagiante. O palhaço laçava o urso e o prendia novamente,
seguindo pela rua em direção ao centro da cidade; sempre parando nas
residências e nos botecos, para beber de graça e encenando, novamente, todas as
suas artimanhas.
Johnny
estava bastante alegre com tudo aquilo, pois vivia o seu primeiro carnaval.
Sentiu vontade de seguir aqueles meninos atrás do palhaço e urso, porém sua mãe
o obrigou a fazer sua higiene matinal. Depois de um banho frio na grossa
torneira do sanitário que ficava no quintal, o garoto se sentia como quem
tivesse tomado uma poção mágica. Toda a sua vitalidade juvenil aflorava naquele
momento, precisando dar vazão nessa energia imediatamente. Tomou seu café com
leite, acompanhado de um pão-de-ló, com beijus de tapioca. Depois da primeira
refeição, pediu a permissão dos seus pais e saiu para encontrar os seus amigos.
A turma o esperava debaixo da grande mangueira na área do quintal de pé de
Pata. Estavam todos reunidos em volta de Tõe Porcino, que com seu pandeiro na
mão, dava mostra de seu talento para a percussão, cantando os sucessos do
carnaval daquele ano. O garoto estava trajando uma calca branca de linho, com
uma camisa de malha com as cores do flamengo, sapato e cintos pretos e um
chapéu típico dos sambistas cariocas. Quando viu Johnny, abriu os braços e
gritou com alegria:
-Johnny
The Kid meu camarada, você está pronto pra entrar na folia?
- Acho
que sim! Como vocês sabem, esse é o primeiro carnaval que eu participo, pois lá
na roça não tem dessas coisas! – Respondeu o garoto. Depois, olhando bem para o
amigo, falou:
- Puxa
Tõe, você está bonito pra chuchu!... Está até parecendo um malandro carioca!
Para onde você vai com toda essa elegância?
-
Rapaz você não está sabendo? Conta pra ele, Pé de Pata!
O
garoto exibiu, orgulhosamente, alguns ingressos na mão, dizendo:
-
Gente fina é outra coisa! Não é pra me gabar, não! O papai aqui conseguiu oito
convites para a batalha de confetes do novo clube, que foi inaugurado esse mês
na Rua Santa Luzia.
- Que
clube é esse? – Perguntou Johnny com curiosidade.
- O
nome é Clube dos Cadetes, o pai de Pé de Pata, que faz parte da diretoria do
clube, conseguiu os ingressos pra gente. – Respondeu Edgar.
-
Rapaz, vai ter muita menina bonita nesse baile! – Disse Mipai, com animação,
pois morava vizinho ao Clube.
- Quem
vai tocar é a Orquestra Jacó e Seus Cadetes, que é a melhor da cidade – Disse
Edgar muito animado, pois gostava mais do carnaval do que as outras festas
populares.
A
turma estava usando apetrechos carnavalescos, alguns dos quais, de carnavais
passados, que foram doados aos meninos. Edgar e Tõe Porcino foram os únicos que
compraram o que estavam usando, Edgar exibia uma camisa estampada, costurada
por sua mãe e um quepe carnavalesco, que ele comprou na loja Três Irmãos. Tudo
que o resto da turma usava era de segunda mão. Nêgo, Géo e Pé de Pata estavam
usando uns chapéus de palhas com as abas desfiadas, pintados de amarelo, com
vários colares multicores, que ganharam do bloco “As Havaianas”, do carnaval
anterior. Mipai usava uma camisa e boné de marinheiro do bloco “A Turma do
Barril”, doado pelo irmão e Mamãe Eu Quero usava uma mascara negra, demasiado
grande para seu pequeno rosto, com um gorro em forma de cone, decorado com
purpurina azul, que foi usado pela sua prima no terno de reis, “As Bailarinas”.
Todos portavam uns recipientes de plástico, que esguichava água perfumada e
usavam óculos, também de plásticos, que protegia o folião de terem os olhos
esguichados com água apimentada pelos cafajestes de plantão. Johnny estava sem
nenhuma fantasia, pois não tinha a menor idéia de como seria a festa. Edgar
conseguiu para ele um bonito chapéu de palha fina, tipo cowboy, que o garoto
adorou e Porcino arranjou um lenço estampado, que ele amarrou ao pescoço, à
maneira dos mocinhos caubóis do cinema. Mipai, que não perdia uma oportunidade
de caçoar alguém, disse:
- Meu
camarada tu ta parecido com aquele artista!...Oxente! Como é mesmo o nome dele?
Jaci... Jaci... Jaci, eu não sei lá o que!
Pensando
que Mipai, realmente comparava o garoto com algum personagem ou astro dos
filmes de faroeste, Géo disse efusivamente:
–Já
sei quem é o artista! É Jesse James! Quem fez o papel dele foi Tyrone Power.
Mipai
virou para Géo e disse com deboche:
- Nada
disso seu otário! Ele está parecendo com o já si borrou!
Ouvindo
aquilo, Nêgo entrou no clima de escarnecimento, exagerando uma sonora
gargalhada, sendo acompanhada pelo resto da turma. Johnny aceitou aquela
gozação com um leve sorriso no rosto, deixando a turma atônita sem compreender
a sua falta de indignação. O garoto aproveitou o clima de deboche de seus
amigos e disse sorrido para sua turma.
- Por
falar em borrar, eu quase me borrei nas calças ontem à noite!
- O
que foi que aconteceu? – Perguntou Nêgo curioso.
-
Levei uma carreira danada do cachorro do Seu Manequito!
- Puxa
a vida! Aquele cachorrão é brabo pra chuchu! – Exclamou Mamãe Eu Quero,
apavorado. O garoto tinha um medo horrível desse famoso cão, conhecido como
Sansão. Esse cachorro era o orgulho de um velho rabugento, que odiava os
meninos por jogar bola perto do seu quintal.
Ao
contrário do resto da turma, que detestava o cão, Tõe Porcino adorava aquele
pastor alemão, mas odiava o velho, por atiçar o animal contra a garotada.
Sabendo disso, procurou corrigir aquela injustiça, dizendo:
- O
pobre animal não tem culpa! O Seu Manequito é que é um grande sacana, pois
treinou Sansão para ser brabo e atacar a gente!
-
Rapaz, eu tenho uma raiva danada daquele velho, que eu nem quero contar! –
Disse Nêgo, que era vizinho do dono do cachorro.
- Mas
ele pode ficar sentado esperando a dele, que eu já falei para o Pai João. O pai
de santo do nosso terreiro vai dar uma lição nesse velho ximbungo! – Disse
Porcino com rancor.
Edgar,
que estava impaciente com a demora dos amigos, reclamou:
-
Aviam turma! São quase nove horas! Oxente!... Hoje é carnaval! A gente tem uma
batalha de confetes pela frente! Vocês esqueceram?!
- É
devera! Vamos deixar o caso de Seu Manequito para depois do carnaval –
concordou Porcino, que alardeou sorridente:
-
Vamos embora turma, que as meninas do Clube dos Cadetes estão com saudades do
crioulo mais bonito de Jequié!
A
turma seguiu pela Rua Siqueira Campos com suas fantasias bizarras e quando
entraram na Rua Santa Luzia encontraram com um bloco composto por adolescentes
vestidos de mulher. Eles estavam em uma mercearia, onde também funcionava um
bar, fazendo traquinagens e tomando cerveja. Esses jovens eram liderados por um
famoso boêmio local, conhecido como Tony de Leda, que era pai e tio da maioria
dos jovens foliões e, também, padrinho de Mipai. O folião estava excessivamente
maquiado, usando uma peruca loura, confeccionada de sisal. Estava com os
grossos lábios pintados com um batom rubro, que contrastava o seu vasto bigode.
Era uma caricatura de mulher com os exageros cômicos característicos do
carnaval. Quando viu o afilhado, foi ao seu encontro, rebolando com trejeitos
femininos e deu-lhe um beijo, melando com o seu batom, o rosto do garoto. A
turma riu bastante naquele momento e começaram a caçoar do enfezado Mipai, que
detestou a brincadeira. Nesse momento aparece um bloco de caretas, que era
composto por mulheres vestidas de homem, vindas de um cabaré, que existia numa
colina acima do Barro Preto. Elas quando viram o bloco dos jovens, entraram na
mercearia e começaram um flerte esquisito. As moças vestidas de homem,
namorando os rapazes vestidos de mulher. Tony de Leda agarrou duas moças
dizendo que ele era a “Maria Dengosa” e que queria dois “homens” só para “ela”.
Porcino, com seu pandeiro na mão, entoou uma marchinha carnavalesca, que era o
sucesso do ano, sendo acompanhado pelos demais componentes:
As
águas vão rolar...
Garrafa
cheia, eu não quero ver sobrar!
Eu
passo a mão no saca, saca, saca-rolhas!
E bebo
até me afogar! Deixe as águas rolar!...
Tony
de Leda, a “Maria Dengosa”, dava gritinhos marotos, dizendo que ia concorrer à
Miss Brasil, naquele ano de copa do mundo. Não ficava parado. Ia de um lado
para outro, sentava nos colos das pessoas com pose de mulher fatal. Arrancava
risos das pessoas, dizendo que era “fogosa” e estava “necessitada”. Em dado
momento entra no recinto um velho mal encarado, com uma Bíblia debaixo do
braço, no propósito de comprar alguma coisa. Era o velho Manequito que odiava
o
carnaval, mais do qualquer coisa no mundo. Ao ver aqueles foliões irreverentes,
resolveu dar o seu sermão costumeiro às pobres almas pecadoras. Sendo ele um
calvinista convicto, preconizava que aquela festa, era coisa do diabo e tentou
advertir àqueles decaídos do fogo eterno do inferno, que inexoravelmente os
esperava. Enquanto bradava a ira dos céus, a “Maria Dengosa” veio de mansinho e
estala um forte beijo em sua careca, deixando-a marcada com o seu precioso
carmim. Surpreso com a ousadia, o velho explode em indignação, diante das
gargalhadas das pessoas presentes no local e sai daquele “antro de perversão”,
conforme as suas palavras, vociferando agruras sob as vaias dos alegres
foliões. Mamãe Eu Quero ao ver os acontecimentos, chama seus amigos à parte e
diz preocupado:
-
Turma! O velho Manequito não é de engolir desaforos! É capaz de ele chamar a
policia!
- Que
nada! Hoje é carnaval e aquele merda não pode fazer nada! - Disse Edgar, que
acrescentou:
-Além
disso, dois componentes do bloco são guardas municipais!
Géo,
que já estava impaciente com aquela demora, aconselhou:
- É
melhor a gente ir embora que o velho vai aprontar e, além disso, o baile já
começou:
-
Certo! Mas antes vamos tomar um caldo de cana na venda de Dona Guilhermina! –
Disse Mipai, que estava com sede, sendo seguido por toda a turma.
Os
meninos se despediam dos blocos e seguiram adiante, entrando em um boteco a
curta distância da mercearia. Acomodaram-se em uma mesa e ficaram tomando seus
caldos de cana com gelo, enquanto Porcino com seu pandeiro entoava outra
machinha:
Você
pensa que cachaça é água!
Cachaça
não é água não.
Cachaça
vem do alambique
E a
água vem do ribeirão...
Enquanto
cantava, o garoto improvisava:
Cachaça
é feito de cana,
Mas
não é caldo de cana não!
Cachaça
faz mal pra saúde
E
caldo de cana dá tesão!
Enquanto
a garotada participava dessa inocente fantasia, brindando com seus copos,
ouviram lá fora um grande alarido. De repente, não se sabe como, o pastor
alemão do velho Manequito apareceu, atacando todo mundo que estava farreando na
mercearia. Foi um “deus nos acuda” botando todo mundo pra correr! Mesas caíram
e garrafas espatifaram-se ao chão. As moças subiram em cima do balcão,
assustadas e com medo, gritando por socorro o tempo inteiro, justamente no
momento em que todos debandaram do recinto. Enquanto a balbúrdia acontecia, o
pessoal ouviu o som agudo de um apito e o robusto cão desapareceu dali,
rapidamente. Ficaram todos atônitos sem compreender nada. Nenhum dos
componentes dos blocos conhecia o velho Manequito ou sabia da existência de
Sansão, seu treinado cão de guarda. Apenas o dono da mercearia e alguns dos
seus assíduos fregueses conhecia e temia aquela fera. O que deixou todo mundo
admirado foi o fato de Tony de Leda a “Maria Dengosa” ser o único ferido
naquela
confusão.
Passado o tumulto, todos voltaram ao local e verificaram que o folião ostentava
uma bela mordida na perna. Os dois guardas presentes procuraram averiguar de
quem era aquele cachorro. Todos responderam que nunca o viram antes. Os
farristas pagaram as suas contas e foram embora. A “Maria Dengosa” saiu do
lugar mancando, esbravejando com raiva do danado cão. Mamãe Eu Quero, que
presenciou toda aquela confusão, tomando seu o seu caldo de cana, alegou:
- Eu
não disse?! Eu não disse?!... O velho tem parte com o diabo!
-
Deixa de exageros! Afinal o homem é religioso! – Observou Johnny.
-
Religioso uma ova! Ele anda com uma Bíblia na mão, mas é para se mostrar! Quer
tirar onda de moralista, de homem honesto e temente a Deus, mas é um hipócrita.
Fala contra bebidas, mas anda fabricando cachaça com álcool desdobrado e
falsificando uísque em um depósito em seu quintal. – Disse Nêgo, berrando de
raiva, que acrescentou:
-
Vocês sabem por que o sacana proíbe a gente de jogar bola perto do seu quintal?
É para impedir que a gente escute ou veja ele nas suas treitas!
Tõe
Porcino, depois de ouvir a opinião de todos, falou:
-Como
eu já disse a vocês! O Pai João vai dar jeito na situação!
- Ih,
rimou! – Disse Géo sorrindo!
- Isso
dá samba! – Acrescentou Mipai
-
Depois que Pai João der uma lição no velho babão, à gente vê isso e...
-
Êpa!... Rimou novamente!... O samba está que nem um pinto, querendo sair da
casca do ovo! – Disse o entusiasmado Mipai, que chamando a dona do boteco,
ordenou:
- Mais
uma rodada de caldo de cana!
-
Rapaz, é capaz de a gente ficar bêbado de tanto beber caldo de cana! – Disse
Pocino, que batucando o seu pandeiro, improvisou os versos:
Vocês
conhecem
Manequito
e Sansão
São
dois cachorros,
Que
vivem na contra mão!
Mas
todos sabem,
Que o
velho babão
Vai
engolir seus desaforos
E se
fuder com Pai João!
Ora se
vai!
A
turma continuava improvisando versos travessos, numa musicalidade
característica dos sambas enredos, quando Johnny perguntou:
- Quem
é Pai João?
Porcino,
que o conhecia bem, respondeu:
- É um
pai de santo do nosso candomblé caboclo e um grande curandeiro. Já curou até
doenças desenganadas pelos médicos. No final do ano passado, quando Pai João
estava viajando, ele atiçou Sansão, que atacou o terreiro na noite de Natal,
botando todo mundo pra correr. Naquela noite o cachorro dele mordeu muita
gente!
Mamãe
Eu Quero disse, animado:
- Um
dia a gente leva você pra conhecer o terreiro!
- Se o
pai dele deixar! – Disse Géo, que tinha pais evangélicos, que não deixava ele e
seus irmãos se misturarem com “candomblezeiros”!
- Meus
pais são católicos ecumênicos, ou seja: admite todas às religiões. Meu pai
costuma dizer que “Deus é religião, mas nenhuma religião representa Deus”, nem
mesmo a Católica com toda a sua pretensão.
- É
devera! – Disse Porcino emocionado!
Depois
de algum tempo de conversas, Mipai abre os abraços e exclama:
-
Então meus camaradas! A gente vai ou não vai a essa bendita batalha de
confetes?
- Isso
mesmo. São mais de dez horas! – Concordou Edgar com o apelo do amigo.
-
Nesse caso é só seguir o crioulo aqui! – Disse Porcino gingando e fazendo pose
de malandro carioca.
A
turma pagou suas contas e seguiu pela Santa Luzia, numa animação inerente a uma
juventude que conhecia o sabor da alegria de viver. Porcino tocava o seu
pandeiro, cantando sambas e marchas, enquanto seus amigos o acompanhavam nos
refrãos. Chegando ao clube, verificaram que a porta estava abarrotada de
adolescentes querendo entrar. Estava proibida a entrada de maiores de quinze
amos. Edgar e Mipai foram barrados, sob suspeita de terem mais, sendo
necessário à intervenção do Seu Francisco de Souza, pai de Pé de Pata, para
liberarem os dois. Quando entraram no salão, os garotos sentiram o delicioso
aroma das lanças perfumes, que pairavam no ar. Os confetes eram jogados pelas
meninas, deixando todo mundo com os cabelos e corpos entupidos deles. As
serpentinas voavam pelo ar, cruzando os quatro cantos do salão de ponta a
ponta, enquanto a orquestra Jacó se seus Cadetes davam mostra de talento e
arte, tocando os novos e velhos sucessos carnavalescos. Porcino abriu ou braços
e acolheu duas meninas, que, animadas, saíram com ele pulando pelo salão. O
resto da turma entrou na folia, brincando a valer, encontrando seus pares entre
as meninas de uma escola particular das adjacências. Edgar não cabia em si de
contentamento. Brincava com uma menina de sua idade, que ele gostava desde
pequeno, a qual nunca havia demonstrado qualquer interesse por ele. Era uma
bela garota, de tez morena, cabelos encaracolados e olhos verdes, que fazia
bastante sucesso entre a rapaziada da cidade e, naquela hora, manifestava um
verdadeiro interesse pelo garoto. Somente Johnny, rendido à sua timidez, ficou
parado em um canto, olhando tudo aquilo, encantado com a festa. Tentou dar uma
volta pelo salão, brincando sozinho, mas logo retornou ao seu lugar, se
sentindo ridículo. Algumas meninas, que brincavam desacompanhadas, notaram a
presença do garoto solitário, posicionaram à sua volta, flertando-o
assiduamente. Uma delas dirigiu-se a ele e o cumprimentou gentilmente:
- Olá,
como vai?... Tudo bem?
Era
uma moreninha de doze anos, que o fitava encantada. Johnny, surpreso com aquela
desenvoltura, ficou por alguns segundos sem dizer nada e, recompondo-se em
seguida, respondeu:
- Tudo
bem e você?
- Bem!
Está gostando da festa?
- Sim,
e você?
- Está
ótima! Como é seu nome?
- João
Evangelista, e o seu?
- Vera
Olívia!... Você é daqui mesmo?
- Sim
e você?
- Sou
de Jaguaquara! Você gosta de pular carnaval?
- Acho
que sim, nunca pulei antes!
- Você
quer pular comigo e com minhas amigas?
- Sim!
A
menina apresentou o garoto a suas amigas e em seguida saíram brincando pelo
salão. Johnny abraçou Vera Olívia e sua amiga Neuza, sendo acompanhados por
Lúcia, Eliana e Laura. Quando a orquestra Jacó e seus Cadetes tocaram uma
marchinha lenta e muito sugestiva ao momento, as meninas segurando as mãos uma
das outras, formaram uma roda, jogando Johnny e Vera Olívia dentro dela,
cantando a marchinha, insinuando namoro entre eles.
A
vitória há de ser tua, tua, tua, moreninha prosa!
Lá no
céu a própria lua, lua, lua, não é mais formosa.
Rainha
da cabeça aos pés,
Morena
eu te dou grau dez!
Johnny
estava se divertindo pra valer. Era a primeira vez na vida em que ele vivia uma
situação daquelas, pois estava sendo flertado por uma menina muito bonita. No
principio ficou um tanto intimidado, mas logo depois deixou as coisas seguirem
o seu curso natural. Havia outras garotas no salão, que também estavam
interessadas nele, principalmente as próprias amigas de Vera Olívia. Sentiu sua
vaidade aflorar naquele momento, pois percebia que era o centro das atenções.
Lembrou-se das palavras de sua mãe: “O espelho é o maior mentiroso que existe!”
Ela lhe alertava de que nem sempre as coisas são como as enxergamos, e que não
existe nada mais deplorável do que um homem convencido. Procurou não pensar no
assunto e viver aquele momento. Depois da marchinha lenta a orquestra tocou o
frevo “Vassourinhas”, levando a garotada ao delírio. Quando Johnny encontrou a
turma com suas garotas, a animação tornou-se apoteótica, com os gritos de
saudações daquela meninada feliz. Porcino resolveu fazer um bloco, ali mesmo,
chamando seus amigos com suas garotas para ficarem todos juntos. Com as mãos
dadas, fizeram uma grande roda que tomou conta do salão. Às vezes a roda se
partia, transformando-se numa longa fila, com o negrinho á frente, comandando a
folia. Eles ficavam em fila indiana, com as mãos nos ombros de quem estava á
sua frente e assim, sucessivamente. Davam umas reviravoltas formando uma linha
sinuosa e móvel. A turma ficou nessa folia por algum tempo, para logo depois
seguirem sozinhos pelo salão. Outros grupos, que brincavam no momento, aderiram
àquela animada brincadeira. Johnny ficou tão envolvido com tudo aquilo, que não
sentiu o tempo passar, caindo na folia como um verdadeiro carnavalesco.
Era
quase uma hora da tarde, quando a orquestra executou a música típica de
abertura e finalização dos bailes carnavalescos. A garotada queria brincar um
pouco mais, não aceitando o final daquela festança com resignação. A animação
continuava ativa, com os gritos de bis ecoando por todo o salão, sendo
necessário, o maestro anunciar, que logo mais, haveria o turno vespertino do
baile. Aos poucos a meninada foi se conformando com a decisão, abandonando o
salão com a felicidade estampada em seus rostos juvenis e já com saudades de
uma manhã de carnaval, a qual seria relembrada pelos restos suas vidas.
Johnny
saiu do clube, acompanhado pelas meninas que o convidaram para o corso, no
centro da cidade, logo mais à tarde. Elas iriam sair em cima de um caminhão,
que tinha sido decorado com motivos carnavalescos para o evento. O garoto
aceitou o convite, marcando o encontro às quatro horas da tarde em uma
confeitaria da Praça Ruy Barbosa. Johnny despediu-se das meninas com um aperto de
mãos e elas partiram para as suas residências em um automóvel, que as esperava
na porta do clube. Logo depois, o garoto vê seus amigos e vai ao encontro
deles, que também estava se despedindo de suas companheiras de folia. Estavam
todos contentes com a realização daquela batalha de confetes e durante algum
tempo, ficaram pelas imediações do clube relembrando suas aventuras. Edgar,
numa pueril presunção, estava todo prosa, relatando a façanha de ter conseguido
conquistar a menina que ele gostava. Ela se chamava Neide e cursava o quinto
ano primário nas Escolas Reunidas João Cordeiro, que funcionava no prédio do
Sindicato dos Empregados do Comércio de Jequié. Edgar, que estudava numa escola
particular, tinha sido transferido e já estava matriculado nessa mesma escola,
onde ia cursar o quarto ano. Ele fez o pedido de namoro, o qual foi aceito com
reservas. A garota condicionou que fosse um “namoro escondido”, pois seus pais
só iriam permitir que ela namorasse depois de completar seus quinze anos.
Tõe
Porcino, juntamente com Géo, Nêgo e Pé de Pata, também se vangloriavam de suas
conquistas. Mipai querendo estragar a festa de seus camaradas e caçoar deles,
disse em tom de escárnio!
-
Vocês já ouviram falar que em carnaval tudo é permitido? Nessa época as meninas
pintam e bordam! Vamos ver depois que passar a folia se elas vão continuar com
todo esse assanhamento!
- E
daí?! Você está pensando que eu vou querer namorar alguma menina? O crioulo
aqui é livre que nem passarinho! – Disse Porcino com soberba. O resto da turma
concordou com o garoto, apenas Edgar fez ressalvas.
-
Estou gostando da menina, há muito tempo! Se ela não me quiser, irei ficar
triste, mas não vou morrer por isso. O mundo está cheio de mulheres!
É isso
mesmo Edgar! No Brasil existem três mulheres para cada homem! – Disse Géo,
querendo o retorno daquela animação, que ficou corroída pelos descasos de
Mipai.
- Eu
acho que a gente é jovem demais, pra se preocupar com isso! – Disse Johnny
muito sério, para depois acrescentar:
-
Devemos deixar as coisas acontecerem e seguir o seu destino. Nós temos que nos
preocupar é com nossos estudos, pois o futuro depende disso, principalmente a
gente que é pobre!
-
Pobre é o diabo que não tem as graças de Deus! Eu sou apenas um necessitado. –
Disse Mamãe Eu Quero, batendo num poste de madeira para afastar a má sorte.
Géo, Nêgo e Pé de Pata concordaram com o menino e Johnny acrescentou:
-
“Deus dá o cobertor conforme o frio!”
Nesse
momento Edgar levanta os braços se espreguiçando e diz
- Tudo
está muito bom e muito direito, mas estou indo para casa que estou cansado e
com fome!
A
turma se despediu de Mipai e seguiram pela Rua Santa Luzia em direção a suas
casas na Rua Siqueira Campos. Nesse momento encontraram o Bloco da
“Maria
Dengosa” com “ela” completamente “bêbada”, sendo carregada pelas “filhas”,
também embriagadas. Porcino, vendo aquilo, pegou o seu pandeiro e cantou a
marchinha predileta da turma sendo acompanhado pelos garotos.
Você
pensa que cachaça é água
Cachaça
não é água não!...
A
turma cantou a marcha na versão original, quando chegou ao final, Porcino
improvisou:
Cachaça
foi feita pra homem
Não é
para as “marias” não!
Quem
quiser beber cachaça
Tem
que ter muito culhão!
Tony
de Leda, a “Maria Dengosa” ouvindo o improviso, cantado por Porcino, colocou as
mãos nas cadeiras e se dizendo “ofendida”, despejou nos garotos um repertório
de palavrões, fazendo corar até as meninas do cabaré, que acompanhavam aqueles
irreverentes foliões. Géo, ouvindo aquilo, gritou caçoando do bêbado:
-
Êpa!... Quebraram o “putain” de mamãe!
A
turma morria de rir, enquanto a “Maria Dengosa” era conduzida pelos “namorados”
para o cabaré do alto de serra, com a perna enfaixada pela mordida sofrida
anteriormente. Os foliões, mangando da “Maria”, cantavam a marchinha “As Águas
vão Rolar”. A “Maria Dengosa”, analisando as moças fantasiadas de homens, disse
para a turma fantasiada de mulher, gritando:
- Se
não me sobrar, pelos menos, três “homens”, eu como o cu de um!
O
bloco das dengosas e o bloco das caretas seguiram adiante, passando pelo Largo
do Cururu, com a “Maria” rebolando, exageradamente, com as suas grandes nádegas
postiças, sob a alegria e risos das pessoas do lugar, que conheciam e adoravam
aqueles irreverentes foliões. Johnny despediu-se de seus amigos, ficando de se
encontrarem ás quatro horas da tarde e foi para sua casa descansar, pensando
nas belas meninas que conheceu naquela manhã.
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