Capítulo - 01 do livro “Guris e Gibis”.
O
salão do Teatro da Casa Paroquial estava superlotado, naquela especial tarde de
domingo, com as pessoas que iriam assistir a graduação do curso primário, do
mais importante grupo escolar da cidade. Os formandos esperavam pacientemente
pela comemoração, enquanto a maioria dos convidados estava aborrecida, com a
demora do início da solenidade. O atraso deixava impacientes alguns pais, que
não conseguiam controlar suas crianças pequenas, que corriam pelo recinto,
fazendo suas travessuras, numa vozeria terrível, dando um trabalho desagradável
às senhoras que promoviam o evento. Dona Amália, uma auxiliar escolar,
permanecia bastante irritada, reclamando aos berros, das mães indolentes e da
falta de compostura de seus filhos. Era final de novembro, e os ventiladores
fixos nas paredes do salão não davam para amenizar, o terrível calor daquele
verão. Algumas senhoras elegantes exibiam seus ostensivos leques, numa postura
de irritação, que não escondia a empáfia, característica da pequena burguesia
provinciana. Como aquele ano tinha sido de eleições, alguns vereadores eleitos,
compareceram a festa, distribuindo sorrisos e apertos de mãos. O evento só teve
seu início, depois da chegada do prefeito eleito da cidade, o Doutor Ademar
Nunes Vieira e do então prefeito, recentemente eleito deputado estadual, Doutor
Antonio Lomanto Junior.
Luis
Augusto, Eduardo e Johnny estavam juntos, sentados numa área reservada aos
formandos. Tinham concluído o curso primário com distinção. Johnny, além de ter
sido o melhor aluno do quinto ano, tirou o primeiro lugar nas provas finais. A
professora Emilia conversava com as mães dos três meninos que estavam muito
orgulhosas de seus filhos. Johnny e Eduardo iriam fazer o exame de admissão no
Colégio Estadual de Jequié, enquanto Luis Augusto iria para outra cidade. Dona
Amélia lamentava o fato de sair de uma comunidade maravilhosa, na qual fizera
grandes amizades. O seu marido foi transferido novamente; desta vez com a
promoção que sempre esperou e, apesar de ter que se separar de suas novas amigas,
estava muito feliz com o rumo dos acontecimentos.
Eram
quase seis horas da tarde, quando a professora Alíria Argolo anunciou o início
da solenidade de formatura do Grupo Escolar Castro Alves. O padre Climério
Andrade, pároco da Paróquia de Santo Antonio da igreja matriz da cidade,
realizou o ato religioso, seguido dos discursos de professoras e alunos. Luis
Augusto, numa precoce demonstração de talento para oratória, deslumbrou a
platéia com um belo pronunciamento a respeito de honra e fidelidade. Depois da
entrega dos diplomas, recitais poéticos, concertos de pianos e discursos
rococós, a professora Alíria encerrou a festividade com o canto do Hino
Nacional por todos os presentes. Os formandos estavam felizes e todos tentariam
o exame de admissão, o qual era uma prova dura, e só os mais capazes teriam
sucesso em ser admitido no único colégio público da cidade, cujo número de
vagas era limitado. Havia o famoso Ginásio de Jequié, antigo colégio
particular, que era muito caro. Apesar de ter um programa de bolsas de estudo,
restringia o número de vagas, através de provas difíceis, para não perder a
fama de ser o melhor da região.
Após o
final da formatura, as pessoas retiram-se do recinto e algumas ficaram no
pátio, por bons minutos, numa animada conversação. Enquanto os homens discutiam
política, satisfeitos com a companhia dos principais líderes políticos da
cidade; algumas senhoras ficaram à parte, trocando idéias a respeito de
educação. As beatas da igreja matriz queixavam dos novos tempos, da falta de compostura
dos jovens e da péssima educação familiar que recebiam. As professoras
reclamavam da disciplina e falta de assiduidade dos alunos. Dona Amália
lamentava a proibição da palmatória, tecendo elogios a sua época; tempos em que
as crianças respeitavam os mais velhos. Responsabilizava o cinema e as
histórias em quadrinhos, cognominadas pelos adultos de Gibis, como o fator
primordial para desvirtuação da juventude. A maioria das mães concordava com
tudo aquilo; apenas Dona Amélia Viana, mãe de Luis Augusto, ponderava sobre
algumas opiniões retrógradas, alertando para os novos conceitos e a
conscientização dos direitos e deveres dos futuros cidadãos. Alguns dos pais
eram analfabetos e outros tinham uma escolaridade rudimentar. Dona Nonna e Seu
Miguel, pais de Johnny completaram o curso primário, e só um casal, ali
presente, tinha o diploma ginasial. Com exceção das professoras, somente os
pais de Luis Augusto tinham o colegial completo, ambos concluíram o clássico no
Colégio Central da Bahia.
Johnny
e Luis Augusto ficaram algum tempo conversando com Eduardo e os demais colegas
que terminaram o primário naquele ano. O assunto, como sempre, era a admissão
ao ginásio, uma preocupação que tirava o sono da garotada, a partir dos dez
anos. A maioria dos estudantes se preparava nos cursinhos particulares de
admissão, para prestarem exames nos colégios escolhidos. Os mais famosos eram
os da Professora Ferreirinha e do Professor Gildeliton Ferraz, os quais
detinham a fama de serem os mais enérgicos e os preferidos pelos pais
jequieenses.
No
momento em que eles deliberavam, quais seriam as vantagens de cursar um ou
outro colégio da cidade, um grupo de meninas, veio ao encontro da garotada.
Entre elas estavam Eva Marli, Norma e Luísa, namorada de Eduardo, que também
tinha terminado o curso primário, juntos com os meninos. Elas eram as melhores
amigas dos garotos e estavam sempre juntos deles, em diversas ocasiões. Johnny
ficou por pouco tempo conversando com as meninas, que animadas com as férias
escolares, relembraram as festas do final de ano e do carnaval, cujas músicas,
composições recentes, já começavam a ser tocadas nas emissoras de rádio.
Pedindo desculpas a todos, principalmente ao primo, alegando que tinha afazeres
naquele momento, o garoto se retirou do recinto, se despedindo de todos,
prometendo encontrar com a garotada, mais tarde, na porta do cinema.
Na
verdade Johnny foi-se embora dali, porque a presença de Eva Marli lhe trazia
dolorosas recordações de Berenice. As duas eram amigas inseparáveis e estavam
sempre juntas ao garoto a todo o momento. A saudade que ele sentia da menina,
doía-lhe a alma, e agora que a distância os separava, a vida lhe parecia
sombria. Desceu pela praça e foi sentar na escadaria do Prédio Castro Alves, no
local do primeiro encontro com sua saudosa namorada. Permaneceu solitário
naquele lugar, tentando eliminar uma infinita pena, que sentia de si mesmo.
Enquanto relembrava a menina, duas lágrimas rolavam pelo seu rosto, deixando-o
melancólico naquele momento. Ficou por algum tempo roendo a sua dor e
lamentando a sua sorte. Contudo, se lembrou da promessa que lhe fez a sua
adorada
Berenice e a esperança voltou a brilhar em seus olhos, umedecidos pela tristeza
que sentia.
Luis
Augusto ficou um longo tempo conversando com a garotada. Antes de se despedir
dos colegas, pediu permissão aos pais para dar um passeio pela cidade. Logo
depois, ficou algum tempo sentado nas escadarias da igreja, remoendo seus
pensamentos. Gostava de ficar sozinho, ponderando suas atitudes e analisando
seus erros e acertos. Aquele ano tinha sido fantástico. Não imaginava que ao
sair de Salvador, fosse se adaptar, tão bem, a uma cidade interiorana. Os
acontecimentos do seu último ano escolar seriam inesquecíveis. Agora que estava
próxima a sua partida para outra cidade, sentia uma comoção profunda. Estava
feliz pelo sucesso do pai e ao mesmo tempo doía-lhe afastar de uma turma, com a
qual participou de aventuras incríveis. Principalmente do seu primo João
Evangelista, o incrível Johnny The Kid, o melhor amigo que um garoto poderia
ter. Foi um ano maravilhoso, cheio de venturas, naquela cidade hospitaleira de
povo cordato. Sentia que, na sua mudança para Juiz de Fora, uma bela cidade
mineira, um novo capítulo iria recomeçar em sua vida. Foi até o jardim da Praça
Ruy Barbosa e sentou-se em um dos bancos, recordando a sua chegada à cidade de
Jequié. Lembrou-se da bela Berenice, da primeira vez que viu a encantadora
menina, que o deixou enamorado. “Será que algum dia eu irei reencontrá-la?”
Perguntou a si mesmo e seus pensamentos voaram para um vagão de trem, em uma
sonolenta tarde de apatia e dúvidas.
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