sábado, 12 de agosto de 2017

Homenagem ao "Dia dos Pais".

José Barros Meira, o homem que não conheceu o impossível.

José Barros Meira

                                                               Charles Meira

 
 No domingo 06/01/13, quando chegava na casa de tia Lulu, no bairro do Mandacaru, para visitá-la, fui abordado pelo amigo João Quintino, que revelou ter lido uma matéria publicada na Revista Cotoxó, falando sobre Cely Meira. Depois de um abraço, elogiou enfaticamente o texto, porém questionou ter falado pouco da Carpintaria Antônio do Carmo & Irmão e da Serraria Santo Antônio e dos seus baluartes. Entramos na casa de tio Hércules dialogando sobre o assunto, porém meus argumentos não mudaram a sua opinião. No domingo seguinte fui à residência de João acompanhado do meu amigo Zequinha, ex-colega da Coelba. Numa visita rápida, anotei o telefone dele e prometi ligar para marcar o dia e horário de entrevistá-lo sobre o assunto, que de acordo o seu entendimento estava incompleto. Liguei e marquei. No dia 16 de janeiro, às 8h30, como combinado, iniciamos um bate-papo descontraído e emocionante com João Quintino Neto, nascido em Jequié-BA em 03/09/1931, sentados a uma mesa no quintal da sua casa.
Em toda conversa, João falou principalmente da figura de José Barros Meira, que nasceu em 02/12/1921 na cidade de Livramento de Nossa Senhora – BA, um dos principais baluartes no ramo de carpintaria e serraria em Jequié-BA. José concluiu apenas o primário, pois começou a trabalhar muito jovem. Na adolescência foi aprendiz e ajudante do seu pai Cely Meira na marcenaria em Jitaúna-BA. Quando completou 20 anos de idade, adquiriu um caminhão de seis rodas da marca International e passou a exercer a profissão de Motorista. Na companhia do seu fiel ajudante Antônio de Jesus Santos (Ciara), que nasceu em 15/01/1926 na cidade de Rui Barbosa-BA, transportava cacau dos distritos de Rio Branco, hoje Itajurú, Barra Avenida e das cidades de Itaji-BA e Ipiaú-BA para Jequié-BA, onde vendia a mercadoria para a empresa Correia Ribeiro e outros armazéns do mesmo ramo existentes na cidade. Nesta época trabalhavam no mesmo ramo os motoristas João Buzina, Cristóvão, Oscar das Cobras, Diógenes e Antônio Baota. Em seguida, José vendeu o caminhão e foi trabalhar também como motorista, em uma empresa do mesmo ramo, dirigindo um caminhão Dodge, transportando cacau na região de Itabuna-BA e Ilhéus-BA.   


João Quintino e o caminhão Chevrolet

        A Carpintaria Antônio do Carmo & Irmão, localizada na Rua Santos Dumont, próxima da casa da família de Geraldo Teixeira, foi o desafio seguinte de José, seus irmãos e o comandante Cely Meira. As dificuldades eram muitas, a começar pela falta de energia elétrica em Jequié, motivo pelo qual o funcionamento da carpintaria era totalmente manual. Para suprir esta deficiência, as madeiras eram serradas por dois homens fortes em um serrotão, que ficava em cima de um estaleiro, e compraram também um motor industrial a óleo diesel, fizeram várias adaptações e colocaram para funcionar as outras máquinas da carpintaria. Na área financeira não foi diferente: Antônio do Carmo Meira (Cecé) tinha que ter jogo de cintura para controlar as contas da empresa.  Como parte deste controle, o primeiro caminhão da carpintaria foi montado e adaptado por José, seus irmãos e funcionários, com peças de outros veículos.  
João Quintino nesta parte da entrevista enfatizou a serralheria, um setor muito importante na carpintaria. Com muita alegria, falou dos profissionais que exerceram suas funções na empresa. O primeiro foi um senhor idoso e de larga experiência chamado Albertino e depois o seu irmão Gilberto Quintino dos Santos (Veinho), ferreiro tão bom que Cely Meira dizia: “Ele é capaz de fazer um homem de ferro”, e Veinho replicava dizendo: “Se tio Cely falou, eu faço”.
Nem o latido do cachorro, o canto dos pássaros, o entrar e sair de parentes e amigos conseguiam interromper a entrevista. Indiferente a tudo que acontecia, João continuava a conversa, agora falando da época em que ele começou a trabalhar com a família Meira depois que a empresa se mudou para a Avenida Otavio Mangabeira, no bairro do Mandacaru, no ano de 1946, e passou a chamar-se Serraria Santo Antônio. João Quintino dos Santos, que nasceu na cidade de Jequié-BA em 03/09/1931, no início era ajudante de tudo, posteriormente motorista e mecânico. Um automóvel da serraria, tipo fóbica, transformado pela família em um caminhão Chevrolet 1929, chamado de Brasileirinho e que teve como primeiro motorista o senhor Agenor, foi o carro que João Quintino dirigiu na empresa. Nesta época José Barros Meira tinha 25 anos de idade, um jovem cheio de ideias e com toda a energia do mundo, particularidades que contribuíram decisivamente para a concretização do projeto elétrico e a montagem das máquinas, que na sua maioria foram feitas ou adaptadas por José e o ferreiro Veinho, que tomava conta da serralheria da indústria e classificado por José de “brabo e pra tudo”. Depois de tudo pronto para funcionar, os dirigentes da indústria determinaram que os horários de trabalho fossem às 7h30, 11h30, 13h30 e 17h30 e o aviso aos funcionários do inicio e término do expediente seria  por meio do toque de uma sirene. Os horários eram sempre cumpridos, pois o patrão não atrasava e exigia também o cumprimento deste item pelos empregados. José iniciava a sua jornada de trabalho às 05h da manhã, usando a camisa do pijama, bem à vontade, como ele gostava. Quando eram 07h tomava o café, atendendo o chamado da esposa, e rápido voltava à labuta. Às 10h, tomava café no bule levado por Marli. No horário do almoço, comia em pé, sempre ouvindo o pedido de D. Maria sua esposa: “Senta José, você acaba se sentindo mal”. Ele não dava importância e continuava em pé junto da janela que dava para a serraria, pensando no que iria fazer após a refeição.  Às 15h, novamente tomava café no bule levado por Marli. Quando às 17h30 a sirene tocava e os empregados saíam, José fechava o portão e ficava até às 23h limpando, amolando, arrumando as ferramentas, fazendo manutenção das máquinas e tudo que fosse necessário para agilizar o trabalho do dia seguinte, prática seguida por José quando era solteiro.

José trabalhando na Serraria Santo Antônio
Antônio de Jesus Santos (Ciara)

        A dedicação, organização, excelente maquinário, mão de obra qualificada, garra, disposição para trabalhar e a vontade de vencer de José e seus familiares, foram alguns dos fatores que contribuíram para o sucesso da Serraria Santo Antônio. Na serraria faziam-se portas, cadeiras, carros-de-boi, galeotas, carroças e até  carrocerias, item confeccionado e montado por Osmar Galdino, Vitalino,  José,  Cely, Veinho e um pintor contratado apenas para este fim. A ótima qualidade deste produto foi testada na época por uma senhora chamada Lourdes, proprietária de um caminhão Bernie,  do Rio Grande do Sul, que adquiriu o produto e divulgou para colegas caminhoneiros, tornando o nome da indústria conhecido em todo Brasil. Devido ao reconhecimento do excelente trabalho realizado pela empresa, houve um aumento na demanda de solicitações de serviços em toda a região, motivo que levou a família a  adquirir outro caminhão em Salvador-BA, da marca MAM, fabricado na Alemanha. O caminhão que era dirigido por João Batista, irmão de José, transportava toros de madeira comprados na região de Porções-BA, Nova Canaã-BA, Iguaí-BA e Ibicuí-BA e vendidos para a empresa de Norberto Odebrecht na cidade de Ituberá-BA.
Neste momento da entrevista, João Quintino fez uma pequena pausa para limpar os olhos que estavam lacrimejando, tal era a emoção que estava sentindo em falar do seu patrão e amigo José Barros Meira. Deu um forte suspiro e respondeu o questionamento sobre o temperamento de José. “Uma onça acuada por cachorro”. Citando essa frase, Quintino começou a defini-lo. No seu simples modo de entender, José vivia a maioria do seu tempo entocado na empresa, feroz, valente, uma fera no  seu ambiente de trabalho. Mostrava-se muito sério com os familiares, amigos e funcionários, temperamento também confirmado por sua cunhada Lala, Maria Letícia sua esposa, Lourdes sua irmã e outros amigos e familiares.


Osmar Galdino da Silva
     No ambiente de trabalho, José gritava muito com os funcionários que não realizavam com perfeição as suas atividades. Quando gritava o nome do seu ajudante chamado Ciara. Ele rápido se apresentava a José em posição de continência e falava: “Oretiu”, traduzindo: “estou aqui, pode falar”, fato contado pelo meu colega de Coelba Rubem, que na época trazia comida para seu irmão Juca na serraria. Prosseguiu o bate-papo falando que nunca conheceu um homem do seu quilate, ser humano amoroso, organizado, inteligente, sabia fazer de tudo e no seu dicionário nunca existiu a palavra impossível. Para confirmar o que estava falando, João contou um fato que ocorreu na época em que a família adquiriu uma serra-fita (engenho) em Ponta Grossa-PR e queriam contratar um técnico para montar o equipamento. José não concordou com a ideia e perguntou: “a pessoa que vocês querem contratar é homem como eu?”. O silencio dos presentes respondeu a sua pergunta e ele disse que iria montar a máquina. E assim aconteceu.  Por esse e outros empreendimentos realizados na serraria, como a confecção e montagem da cobertura do antigo Mercado Municipal de Jequié, toda feita com madeira de lei, quando era prefeito o seu amigo Lomanto Júnior, pessoas influentes da sociedade de Jequié e região vinham conhecer pessoalmente o talento e a inteligência daquele homem.
Inesperadamente João deu uma boa gargalhada, que chamou a atenção de todos que estavam presentes no quintal e depois contou que num bate-papo dos empregados num local da serraria, um deles falou baixinho que não sabia quando, como, José namorava e tinha dois filhos, concordaram sorrindo. Depois deste momento de descontração, João prosseguiu dizendo que aquele fato era uma realidade na vida de José, pois o trabalho era tudo na vida dele, nunca viu uma coisa daquela, só do trabalho para sua casa, as compras da casa eram feitas pela esposa e funcionários da empresa, pouco viveu para a família, José nunca tirou férias e seu lazer era ir ao circo, dar banca e levar Marli, sua filha de criação, à matinée do Cine Bomfim e participar de algumas festas de aniversários na residência dos amigos mais chegados, como Padre Spínola, Antônio Coelho Lima, Zuzinha, Valdomiro da Coelba, Lomanto Júnior, Renato Sergipano e o professor Antonin Brioude, quando também visitavam o maior e mais bonito presépio de Jequié-BA e celebravam com os familiares a noite de Natal.
                     
Professor AntoninBrioude, grande amigo de José.
          Depois da entrevista com João Quintino, que terminou quase às 11h, fomos no carro dele visitar Osmar Galdino da Silva, que nasceu na cidade de Jequié-BA em 16/05/1930, filho de criação do “velho” Cely Meira, considerado por João um dos maiores baluartes da Carpintaria Antônio do Carmo & Irmão e da Serraria Santo Antônio. No percurso entre os bairros do Mandacaru e o Km-3, comprovamos a eficiência do motorista, apesar dos seus 81 anos de idade. Fomos recebidos cordialmente por Osmar na sua residência, que não me conheceu, mesmo tirando o chapéu e mostrando a minha careca, parecida com a de José Barros Meira. Após ficar sabendo de quem se tratava, fomos para a sala da casa e iniciamos um bate-papo bastante proveitoso. De maneira educada e pausada, Osmar inicialmente citou os nomes dos seguintes baluartes que trabalharam com a família Meira: ferreiros --           Albertino e Gilberto Quintino dos Santos (Veinho); serradores de madeira -- Arlindo, Jason Meira e Laurêncio; carpinteiros -- Sinhozinho, Félix, Vitalino, Gregório (zuca), Juca, João Pedro, Zé Antônio, Manoel Preto, Agenor e Tito; maquinista -- Domiciano;  escriturário – Toninho; ajudantes -- Natalício, Dinga, Ciara, Fausto, Zé Lima, Juju, Benedito e Miguel; e motoristas -- Agenor e João Quintino dos Santos. De acordo com citação anterior, João Quintino falou que José gritava muito com seus empregados. Perguntei a Osmar se com ele acontecia da mesma maneira. Com um olhar que transmitiu um profundo sentimento de carinho, quase chorando, balançou a cabeça e falou bem baixinho que não. Perguntei novamente: “então você fazia tudo correto?”, deu uma risada e disse: “Em vez de discutir nós dialogávamos”.  Em seguida, depois de mostrar algumas fotos, disse que ganhava por produção e, por ser o mais rápido e produtivo da serraria, era chamado por José de “o homem a jato”. Na sequência, contou que um dia faltou energia na serraria e uma das máquinas ficou ligada. Quando a energia retornou, o motor ficou roncando, João Buzina correu e pegou um machado e cortou o fio da máquina em vez de desligar a chave. José, que estava próximo do local, ficou muito chateado e do seu jeito costumeiro, esbravejou, reclamando da atitude incorreta do empregado.

Charles Meira, José Barros Meira, Maria Letícia Meira e Tomaz Edson Meira.

Após Osmar contar este fato, perguntei se ele sabia o verdadeiro motivo da morte de José Barros Meira. Afirmando que estava na serraria neste dia, Osmar contou que por motivo de limpeza e arrumação, dois funcionários pegaram uma peça de madeira em um determinado local da serraria e estavam levando para o outro lado. José, que estava acompanhando o serviço, aproximou-se dos homens e colocando-se no meio deles levantou e baixou sozinho a madeira, dizendo que um empregado era suficiente para realizar aquela tarefa. Como era final de expediente, foi para sua casa. Passados alguns minutos, alguém da família de José veio correndo avisar que ele estava vomitando sangue. José foi levado de avião para Salvador-BA, ficou internado no Hospital Português, onde faleceu no dia 27/12/1957 e foi enterrado em Jequié-BA no cemitério São João Batista.  

* Texto publicado na revista Cotoxó de abril/2013.

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