domingo, 14 de fevereiro de 2021

A Semana das Crianças.

                                              J. B. Pessoa

Capítulo - 62 do livro " Guris e Gibis".

O mês de outubro desse ano foi cheio de festividades. Começou com a vinda do grande circo, o qual atraiu multidões para seus espetáculos. Outro fator que movimentou a cidade, desde os meses anteriores, foi o grande número de comícios, atraindo milhares de pessoas da sede e dos distritos para as praças jequiéense, culminando com as eleições, naquele domingo de três de outubro de 1954. Houve, também, a grande parada de 25 de outubro, aniversário de emancipação politica do município, a qual superou a de sete de setembro, no número de cavaleiros que desfilaram pela cidade. Porém, o acontecimento que mais deslumbrou a meninada, sendo festejada com grandes atrações, foi a semana das crianças.

Todos os anos as escolas jequiéense comemoram a semana das crianças com muitas festas e divertimentos, atraindo a meninada em busca de uma recreação mais elaborada por suas professoras. Oficialmente, o dia da criança acontece em 12 de outubro. Porém, da segunda feira até o domingo, diversas atividades aconteceram, as quais foram referenciadas pelas crianças com muita alegria. Nesse ano, a programação foi especial, devido ao fato de ser um ano eleitoral e a maioria dos candidatos deu sua colaboração às festividades, alardeando as crianças como cidadãos do futuro.

Naquela segunda feira, Johnny chegou à escola bem cedo. Estava usando o seu uniforme escolar e encontrou todos os seus colegas em trajes domingueiros. Achou estanho aquela situação, mas não perguntou o motivo a ninguém. Naquele momento, Eduardo e Luís estavam conversando com Luísa e outras meninas sobre a festa. Quando notaram o garoto todo engomando, com um olhar inquiridor, começaram a rir. Eduardo não se conteve e, sorrindo com deboche, abraçou Johnny de lado, dizendo para as meninas:

- Vocês devem perdoar o garoto. Afinal ele é tabaréu de Itiruçu!

- Você está falando do que rapaz? – Perguntou Johnny, intrigado com aquela zombaria.

- Da farda!... Estamos na semana da criança e não precisamos usar o uniforme escolar, pois não haverá aula durante esses dias.

Luísa interveio, em favor do garoto, perguntando:

- Alguém avisou para ele?!... Eu mesma vinha fardada para a escola, mas quando estava saindo de casa, minha prima me disse que não era necessário usar o uniforme. Voltei e me troquei, e aqui estou!

- Maravilhosa com sempre! – Disse Johnny num galanteio, agradecido pela defesa da garota à sua pessoa.

Eduardo abraçou a namorada dizendo:

- Eu estava brincando. Afinal usar o uniforme ou roupas comuns, não é uma exigência da escola.

Johnny explicou a todos a sua situação:

- Como vocês devem saber, este é o primeiro ano que eu frequento uma escola. Portanto não estou familiarizado com alguns dos costumes escolares. Eu morava na roça e fui alfabetizado por minha mãe, a qual me passou toda a programação do curso primário e alguma coisa do ginasial. Fiz um teste aqui no prédio escolar e fui designado para o quinto ano. Na verdade eu estou atrasado e já deveria estar cursando o Ginásio.

- Eu também! – Disse Luís, que acrescentou:

- Eu perdi um ano, pois fiquei enfermo durante alguns meses!

- O que você teve? – Perguntou Luísa curiosa.

- Fiz um exame de raios-X, o qual foi detectado uma pequena mancha no meu pulmão, então os médicos aconselharam, além da medicação, muito repouso. Sarei logo e aqui estou novinho em folha.

Eduardo alisou o seu queixo e ficou pensativo por uns instantes, para depois declarar:

- Eu também estou atrasado, mas no meu caso foi desleixo mesmo! Eu perdi um ano, do segundo para o terceiro. Então meu pai me fez a seguinte pergunta: “O que você quer ser? Um brilhante advogado vestindo ternos elegantes, ou um carroceiro cheirando bunda de burro todos os dias?” – Então escolhi a primeira opção!

Todos riram da história do garoto. Curioso com aquela novidade, Johnny perguntou aos colegas:

- O que vai acontecer hoje, em relação a essa comemoração?

Eduardo respondeu com prontidão:

- Daqui a pouco haverá uma reunião na casa paroquial entre as professoras das escolas públicas da cidade, felicitando as crianças e anunciando o roteiro das festividades durante toda a semana.

- Então vamos esperar para ver! – Disse Luís, sorrindo.

A garotada ficou conversando por algum tempo, sentadas nas escadarias do prédio, até dona Amália comunicar a todos os alunos, que a reunião foi transferida para o auditório do Cine Teatro Jequié. Os garotos ficaram sabendo que as professoras das escolas públicas e particulares se uniram nas festividades, porque foram patrocinadas pelo governo do estado. Os alunos do Castro Alves foram os primeiros a entrar na grande sala, devido à sua proximidade com aquele cinema. Aos poucos foram chegando os alunos de outras escolas, enchendo suas dependências com crianças de todas as idades. Para evitar tumultos foram abertas as portas laterais, as quais eram de saídas, sendo guardadas por professoras, que distribuíam saquinhos de bombons e caramelos, para a garotada que entrava no cinema.

O auditório ficou lotado, com poucas poltronas vazias no fundo, perto da sala onde ficavam os projetores. A maioria das crianças ficou próxima do palco, onde aconteceria a abertura oficial da comemoração. Johnny, Luís, Eduardo e as meninas que os acompanhavam preferiram aquela parte, longe das balbúrdias da meninada. Às oito horas em ponto foi aberta a cortina e a inspetora de educação do município abriu a sessão com um belo e racional

discurso, sobre as crianças como cidadãos do futuro e da necessidade de uma política educacional mais moderna, onde deveria extinguir conceitos anacrônicos, tão decantados por alguns educadores. Eduardo atento ao discurso comentou para os colegas:

- A palmatória é um desses conceitos anacrônicos!

- E a proibição da leitura dos quadrinhos, também! – Concluiu Johnny.

A seguir, a professora Mary Rabello leu o roteiro das festividades e anunciou para a garotada, uma peça teatral, logo mais à tarde na casa paroquial. A grande surpresa da manhã foi anunciada naquele momento. O Cine Teatro Jequié iria projetar para a criançada, após o encerramento daquela atividade, o filme “Alice no País das Maravilhas”, desenho animado de Walt Disney, inédito nos cinemas da cidade. Luís, ao ouvir o anuncio, disse para a sua turma de colegas:

- Eu assisti a esse filme em Salvador. É um bom filme, porém é o mais fraco dos filmes de Walt Disney.

- Qual é o melhor filme de longa metragem de Walt Disney para você? – Perguntou Ana Maria, uma das colegas de sala, dos garotos.

- É difícil de dizer, pois foram todos bons! – Respondeu o garoto.

Johnny só tinha assistido um de longa metragem, que foi o famoso “Você já Foi à Bahia?”. Gostava muito dos filmes de curta metragem do Pato Donald e do Camundongo Mickey. Luísa, depois de pensar um pouco, declarou:

- Para mim, o melhor desenho animado de todos os tempos foi o filme de Disney, “Fantasia”!

- Ah é verdade!... Esse filme é uma verdadeira obra de arte! – Disse Luís, concordando com a menina.

Nesse momento as luzes se apagam e começa a projeção do filme, sob a gritaria da alegre meninada.

O filme terminou ao meio dia. As crianças saíram do cinema contente com a programação da semana. Pela tarde houve a encenação teatral, da peça infantil “A Caixa da Felicidade” do professor Jason Wilson. Johnny compareceu àquela reprise, para ver Berenice atuar de forma brilhante e belíssima. O garoto se acomodou em uma das poltronas da última fileira, evitando a companhia de uma turma muito querida por ele, com receio de desagradar à menina. Mesmo assim, percebeu que a garota tinha notado o seu comparecimento no teatro. No final da encenação foi o primeiro a sair para não incomodar Berenice com a sua presença. Sabia por Luís, que ela evitava qualquer assunto referente à sua pessoa. No outro dia pela manhã, foi celebrada uma missa na igreja matriz, pois era o dia oficial das crianças. Logo após o ato religioso, a garotada foi agraciada com um magnífico piquenique, em um local que ficava situado em uma colina do Bairro Jequiézinho, denominado de Alto da Balança. Esse evento foi muito divertido, havendo várias brincadeiras, as quais foram finalizadas às cinco horas da tarde. Na quarta-feira, à tarde, foi à vez de o Cine Bomfim apresentar para os garotos uma comédia mexicana, “O Circo” com Cantiflas, assim como era conhecido o comediante mexicano Mario Moreno. Na quinta-feira, o mesmo cinema apresentou para a criançada a comédia nacional, “Os Três Vagabundos” com Oscarito e Grande Otelo e na sexta-feira, o Cine Jequié apresentou pela tarde, o magnifico filme a cores, “As Aventuras de Robin Hood” com Errol Flynn e Olívia de Havilland.

A grande surpresa para a garotada ficou reservada para o sábado. O Circo Teatro Nerino apresentou para as crianças, além, do seu grande espetáculo, a divertida comédia teatral, encenada no picadeiro, chamada de “Picolino e os Cangaceiros”. A festividade foi encerrada no domingo, com um grande churrasco na Fazenda Provisão, em homenagem aos pais e filhos, patrocinados pelo seu proprietário, Vicente Grillo.

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