domingo, 7 de fevereiro de 2021

A “rebelião”

                        Por Carlos Eden Meira

Valdemir acordou naquele dia, terrivelmente deprimido. Sua impressão era de quem não tinha dormido um minuto sequer durante a noite, porém, sabia que tinha dormido. Quis abrir os olhos, mas, o que fez mesmo foi abrir a boca num bocejo, e quando tentou levantar-se, percebeu que não era exatamente isto que estava fazendo e sim, abrindo os olhos. Sentiu vontade de bocejar e quando tentou, levantou-se.

De pé, sem querer, pensou em abrir o ferrolho da janela, mas, percebeu que o que fazia era desabotoar as calças do pijama e ficar parcialmente nu no meio do quarto, tentando entender o que estava acontecendo com seus reflexos. Começou a entrar em pânico e quis gritar por socorro, mas, em vez disso, batia no peito com os punhos cerrados e soltava aquele pavoroso grito de Tarzan. Apavorado pensou em sair do quarto, procurar alguém, no entanto, cada ordem emitida por seu cérebro era totalmente invertida por seus nervos e músculos. Sendo assim, em vez de vestir-se, arrancou o casaco do pijama e subiu no guarda-roupa, completamente nu agora. Desesperadamente procurava gritar por ajuda, enquanto de sua boca saíam aos berros, versos de Os Lusíadas de Camões.

Angustiado sentiu vontade de chorar, o que saiu em forma de música. Tico-Tico no Fubá de Zequinha de Abreu, para ser mais exato. Alertada pelo barulho, a vizinhança invadiu a casa, arrombou a porta do quarto, deparando com a cena insólita: um homem nu, em cima do guarda-roupa, recitando poemas clássicos e cantando chorinhos. Encaminhado pelos amigos a uma clínica especializada, Valdemir, na presença dos médicos, ao tentar explicar o que estava acontecendo (nem ele sabia), recitava os sonetos de Shakespeare em Inglês clássico, de cabo a rabo.

Em pouco tempo a coisa evoluiu bastante, e, já agora, Valdemir ao tentar esboçar qualquer movimento, dançava em balé moderníssimo, de meter inveja a qualquer Michael Jackson (na época), ou coisa semelhante. Cada movimento, sempre acompanhado de versos dos mais famosos poetas, antigos ou contemporâneos. Transformado em poucas semanas no maior ídolo do momento, ninguém parecia perceber que Valdemir definhava, estava pálido e magro, pois, há muito não comia, não bebia nem fazia nenhuma de suas necessidades fisiológicas. Vontade ele sentia, mas, o organismo não mais obedecia às ordens do cérebro.

Valdemir morreu em pleno palco, executando a Dança de Zorba, enquanto declamava a llíada e a Odisséia de Homero, após enriquecer diversos empresários. Quando acordou, estava morto.

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