J. B. Pessoa
Capítulo - 58 do livro " Guris e Gibis".
Naquela
quinta-feira, os alunos do Grupo Escolar Castro Alves estavam em festa. Era a
chegada oficial da primavera, que era comemorada em todos em os anos com louvor
nas escolas jequieenses. Logo pela manhã, as meninas ornamentaram as árvores em
volta do prédio, com muitas flores multicores, enquanto as professoras
preparavam uma plataforma, adaptada em um jipe, que conduziria a rainha da
primavera, com as suas princesas, em desfile pela avenida e ruas, que
circundavam a escola. A escolha da rainha nesse ano foi muito disputada. Desde
o início do mês, os meninos batalharam para conseguir a maioria dos votos para
dar a vitória a cinco candidatas, suas preferidas, as quais foram escolhidas
por aclamação. A mais votada seria a rainha, enquanto duas, que ganhavam o
segundo e terceiro lugar, ficariam na qualidade de princesas.
Eduardo
estava muito contente naquela manhã. Sua bela Luísa seria a rainha daquele ano,
pois venceu, com poucos votos de diferença, a segunda colocada. Ele não mediu
esforços e, juntamente com Johnny e Luís, percorreu toda a cidade, vendendo
votos para conseguir o sucesso de sua namorada. A empreitada não era fácil.
Para se votar numa garota, era preciso desembolsar alguns cruzeiros; fato que
se tornava difícil, para uma meninada que vivia de mesada. Cada voto valia
cinqüenta centavos, quantia que dava para se comprar um picolé ou uma cocada,
nas confeitarias da cidade.
Nem
sempre a mais bonita conseguia a vitória. Como o eleitor podia dar tantos votos
conforme a sua vontade, geralmente as garotas de famílias ricas venciam as
eleições. Houve casos, em que alguns pais dispuseram de uma boa soma, para
satisfazerem os caprichos de suas filhas. Certa vez, um apaixonado rapaz deu
dois mil votos a uma garota, levando a vitoria sua namorada, que era menos
formosa do que suas princesas.
Luísa
era realmente muito bonita. Para conseguir seus votos, Johnny sugeriu que ela
trouxesse alguns retratos, para os garotos fazerem propaganda de sua beleza. A
estratégia deu certo. A menina trouxe umas fotografias, tiradas no estúdio do
retratista Teotônio Rocha, nas quais ela aparecia de corpo inteiro, com seu
uniforme de bandeirante, o correspondente feminino dos escoteiros. A garota era
muito conhecida na cidade e, aos doze anos, já despertava paixões em muitos rapazes,
maiores de dezoito anos.
Os
três garotos usaram a mesma tática, que empregaram com os bolões na copa do
mundo. Percorreram lojas e farmácias na cidade e contaram com a ajuda de Edgar,
Neide e Norma. Os resultados de seus esforços foram a vitória de Luísa como
rainha da primavera e a angariação de bons fundos para a festa da semana das
crianças, que aconteceria em outubro.
O dia
estava esplendoroso, com um sol brilhante, que dava um colorido especial àquela
manhã. Eduardo se sentia jubiloso na condição de namorado da rainha, a qual era
considerada por todos, como a menina mais bonita da escola. Ele era invejado
pela meninada, que o tinha como um grande galã. Apesar de ser extrovertido e
muito seguro de si, ele nunca havia tido uma namorada. Sua fascinação por
Berenice havia lhe impedido de ver outras garotas com mais atenção. Ali estava
ele, agora, naquele contentamento, irradiando uma felicidade, que estava
estampada em seu rosto. Luís, vendo a alegria do garoto, comentou com Johnny:
- Quem
me dera ter uma ventura dessas!
Johnny,
notando a melancolia do primo, deduziu com isso, que ele ainda não havia
conquistado a sua Berenice. O garoto nunca tocava no assunto e evitava aparecer
nos lugares, onde a garota freqüentava. Acompanhava tudo ao longe, sem deixar
ninguém perceber a sua presença e ansiedade. Ficou satisfeito com aquilo;
embora, um pouco triste em entender, que a rivalidade deles, perante a menina,
continuava, mesmo que fosse de forma não declarada. Como ele e Luís gostavam
muito dos provérbios populares, disse confortando o garoto:
-
Fique tranqüilo primo. “Quem espera, sempre alcança!”
Luís
Augusto suspirou resignado e desabafou:
-
Berenice está diferente! Ela continua atenciosa comigo, mas sinto certa frieza,
que antes ela não tinha.
- Como
assim? – Perguntou Johnny, curioso com a informação do garoto.
-
Antes ela era mais alegre e participava de todos os programas, que a turma
inventava. Agora sai pouco e, quando sai, não conversa mais, com a mesma
alegria de antes!
- O
que as meninas acham disso?
-
Norma acha que ela ainda gosta de você!
- Será
que isso é verdade? – Perguntou o garoto, esperançoso com aquela notícia.
Não
sei!... Eva Marli disse para Neide, que Berenice não quer lhe ver, nem pintado
de ouro!
Johnny
olhou tristemente para o vazio, e relembrou a noite de São João.
- Eu
sei! Ela mesma me disse isso.
Os
dois garotos continuaram conversando, com Johnny tentando dar mais animação ao
primo. Na verdade, ele mesmo se sentia totalmente desiludido, sofrendo, ainda,
com o fato de ambos estarem apaixonados pela mesma menina.
Eram
nove horas da manhã, quando a professora Alíria Argolo deu início as
festividades. Após os costumeiros cantos cívicos e as orações ministradas pela
professora Beth Azevedo, as professoras Mary Rabello e Raimunda Gouveia
acompanharam as crianças do primeiro ano, para plantar uma árvore na parte
lateral do prédio, simbolizando a chegada da primavera. A seguir deu-se o
início do desfile com as bandeirantes na frente, abrindo caminho para a rainha
e suas princesas, em cima de uma plataforma, ricamente decorada com diversas
flores,
sendo
acompanhadas pela meninada da cruzada, com seus trajes brancos e pelos alunos
da escola, com seus uniformes escolares.
O
cortejo saiu pela avenida, entrando na Rua da Itália, despontando na Praça Luís
Viana, para depois entrar na Rua João Mangabeira, atingindo a Praça Ruy
Barbosa, principal centro comercial da cidade. Era um dia normal da semana, com
todos os estabelecimentos abertos, em plena atividade. Por onde passava, aquela
comitiva de crianças e adolescentes arrancava aplausos das pessoas na rua e
muitos funcionários das lojas saiam até a porta, para ver o desfile e ouvirem
as crianças cantando hinos, saudando a chegada da estação das flores. Naquele
momento, a maioria das pessoas que estavam na Confeitaria Cristal era composta
de jovens rapazes, que aplaudiram a rainha e suas princesas com gracejos e
assovios, as quais distribuíam beijos simbólicos, agradecendo os elogios. A
seguir, o cortejo entrou na Rua Silva Jardim para finalizar o evento em frente
ao prédio Castro Alves.
Após o
término da parada, a professora Alíria Argolo fez um pequeno discurso,
agradecendo a atuação dos alunos e das professoras que promoveram e
participaram daquela maravilhosa festa, a qual encantou os transeuntes do
centro da cidade. A população viu com alegria e satisfação aquele desfile, pois
a chegada da primavera naquele ano coincidiu com o a finalização de um inverno
prolongado, que castigou a população com um rigoroso frio.
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