J. B. Pessoa
Capítulo - 49 do livro " Guris e Gibis"
O dia
não havia amanhecido, quando Johnny acordou, ouvindo os gritos de uma senhora,
alertando a vizinhança, pedindo ajuda para apagar um incêndio, que se formava
em uma cabana nas imediações. O garoto abriu uma janela que dava para os fundos
de sua casa e verificou que o fogo era no clubinho de sua turma, o qual ardia
em chamas naquele momento. A maioria das pessoas dormia profundamente, após uma
noite de bebedeiras e não ouviram os apelos por socorro. O Senhor Miguel
Pereira levantou-se rapidamente da cama e, com o filho, foram ajudar as pessoas
que tentavam apagar o fogo com a água dos tanques, levadas nas latas e baldes,
que dispunham naquele momento de alarme. Miguel Pereira fez de tudo para salvar
aquela construção, que foi edificada com madeira seca. Entretanto, o seu
esforço junto com os vizinhos não logrou êxito, pois o fogaréu consumiu em
poucos minutos toda a cabana, restando apenas cinzas e o entulho de telhas
quebradas no meio à lama formada.
Johnny
ficou sentado embaixo da mangueira, procurando entender aquele inesperado
acontecimento. O seu pai tendo consciência de quanto aquele clubinho
significava para ele, procurou consolar o filho, que no momento lastimava a sua
perda. Logo depois, apareceu o Senhor Francisco de Souza, lamentando o ocorrido
na certeza de que, o seu filho também ficaria inconsolável com aquele acidente.
Miguel
Pereira achou muito estranho uma cabana pegar fogo, numa noite de inverno e
sereno forte, quando toda a vegetação em redor, estava cheia dos orvalhos
noturnos. Os dois compadres procuraram de imediato, averiguar a situação e
ficaram sabendo por Dona Amália, uma quitandeira que morava por perto, que
antes do fogo aparecer, ela tinha sentido um forte cheiro de gasolina. O guarda
Francisco ficou, por algum tempo, vasculhando a área e descobriu algumas
pegadas na terra molhada de idas e vinda do local do incêndio até o portão do
quintal do velho Manequito. Ficou desconfiado e comentou o fato com o seu
compadre. Eles sabiam que Manequito implicava com as peladas da garotada, e
tentava convencer os pais dos meninos, que jogar bola era uma coisa perniciosa,
a qual afastava a juventude dos estudos. Tanto o guarda Francisco, como Miguel
Pereira, na qualidade de comissário de menores não concordavam com aqueles
argumentos esquisitos. Dona Nonnita achava absurdo, um sujeito tão
insignificante, ditar regras a uma comunidade. Porém, a maioria dos vizinhos
respeitava o velho, como um bom cristão e temente a Deus. O Senhor Miguel
percebeu, que algumas pegadas eram formadas por uma sola de borracha, feita de
pneus. Não teve dúvidas. Aquela era uma marca característica de uma das
alpargatas usadas pelo velho. Ele já tinha observado isso, pois achava estranho
alguém vestir um terno e ao mesmo tempo usar aqueles rústicos calçados. Os
compadres chegaram à conclusão, de que aquele incêndio foi um ato criminoso e
que eles já tinham um suspeito. Miguel Pereira ficou de
conversar
com o colega José Vaz Sampaio a respeito do assunto, enquanto o Senhor
Francisco foi ao encontro dos colegas Martins e Belmiro para relatar os fatos e
investigar melhor aquela excepcional ocorrência. Os dois compadres pediram a
Johnny para manter a investigação em segredo dos garotos, pois não queriam
acusar ninguém sem provas convincentes.
O Sol
já estava alto quando Pé de Pata acordou, encontrando Johnny desolado, sentado
no mesmo local embaixo da mangueira. O garoto olhava tristemente, as cinzas
molhadas do que tinha sido o orgulho dos meninos. Pé de Pata vendo todo aquele
estrago pôs às mãos na cabeça e perguntou atônito:
-
Virgem Maria!... O que foi que aconteceu?!
- Não
sei ao certo! Parece que um balão caiu em cima do clube e a bucha incendiou
tudo. A gente tentou apagar, mais o fogo estava muito forte. – Respondeu
Johnny, criando uma versão para o ocorrido, até a conclusão da investigação. Pé
de Pata sentou-se em uma das pedras e olhando para os escombros, lamentou:
- Puxa
a vida!...Que falta de sorte!
- Pois
é! ... A turma se esforçou tanto para construir o nosso clubinho!
Pé de
Pata levantou-se da pedra e ficou andando de um lado para outro, balançando a
cabeça negativamente, não querendo acreditar no que via. Olhou desolado para
Johnny e perguntou:
- Você
viu os meninos?
Não!
Acredito que no momento estejam dormindo, pois beberam muito na noite passada.
– Respondeu Johnny, que estava sentindo o efeito das doses de licor, que tomou
naquela noite, numa pequena dor de cabeça que começava a lhe incomodar. Nesse
momento chegam Nêgo e Géo, que foram acordados pelos pais com a triste notícia.
Os garotos vinham com uma garrafa de licor a tiracolo e continuavam embriagados
como na noite anterior. Géo tomou um gole e oferecendo a garrafa a Johnny,
perguntou:
-
Vamos tomar um trago para afogar as tristezas?
- Eu
estou com dor de cabeça. - Respondeu Johnny, vivendo a sua primeira ressaca.
Géo
tomou outro gole e passou a garrafa para Nêgo e Pé de Pata, dizendo:
- É
por isso que estamos bebendo, ora!... para rebater a carraspana!
Nêgo
tomou um gole e olhando para os entulhos, gaguejou:
- Logo
um balão?!...
Johnny
resolveu tomar um trago para sentir aquela sensação de bem estar, que teve ao
beber um cálice de licor na casa de Eva, quando estava na companhia de
Berenice. Depois de saborear a bebida, comentou:
- Pois
é!... É por isso que querem proibir os balões em todo território nacional.
- Eu
era contra a proibição e você? – Perguntou Pé de Pata ao garoto.
- Eu
também era contra, pois adoro balões!
- E
agora?!
Sentindo
o efeito da bebida, Johnny tomou outro trago, dizendo:
-
Agora?!... Diante do acontecido?!... Agora sou a favor!
Nêgo
olhou para os amigos e disse debochando:
-
Claro!... “Brasileiro só fecha a porta depois de roubado!”
Os
garotos permaneceram um bom tempo debaixo da mangueira, saboreando o licor de
jenipapo, tentando esquecer o clubinho perdido. De repente Nêgo começa a
chorar. Era um choro silencioso, em que as lágrimas brotavam independentes da
sua vontade. Tentou esconder isso dos amigos, pois os garotos viviam sob o lema
de: “Quem é homem não chora!”. Géo, notando a consternação do garoto, fica
comovido e, abraçando o amigo, diz, soluçando:
- Ô
irmãozinho!... Não fica assim, que depois a gente dá um jeito!
Johnny
fica sensibilizado com aquela cena. Afinal, aquele campinho de futebol e a sua
sede foram construídos com muito esforço por uma garotada, a qual sempre teve
poucas opções de lazer. Olha para Pé de Pata e vê duas lágrimas correrem na sua
face. Movido pela amargura dos companheiros e pela lembrança de Berenice, o
garoto não resiste a sua dor e chora copiosamente.
Logo
depois chega Edgar, acompanhado por Mipai e Tõe Porcino, os quais já tinham
conhecimento do ocorrido. Solidário com os companheiros, Porcino tenta reanimar
os ânimos, dizendo:
- A
vida é assim mesmo. Um dia a gente ganha e outro a gente perde!
Mipai
não disse nada. Limitou-se a olhar o estrago feito pelo fogo, enquanto um
chuvisco fino caía no momento, trazendo de volta a friagem, que incomodou os festeiros,
logo após a meia noite. O garoto coçou o queixo, intrigado com aquele incêndio,
pois desde a madrugada, aquela chuva ia e vinha a todo o momento. Uma suspeita
lhe vem à cabeça e ele indaga aos meninos:
- Em
que hora o fogo começou?
- Umas
cinco horas da manhã, mais ou menos. - Respondeu Johnny, intrigado com aquela
pergunta.
O
garoto sai debaixo da frondosa árvore, que abrigava os meninos da fria neblina
e olha para todos os lados. Coça a cabeça e, encafifado com as circunstâncias
em que ocorreu o acidente, pergunta aos amigos:
-
Vocês não acham estranho, madeira molhada pegar fogo numa noite chuvosa?
- Você
está desconfiado de alguma coisa? – Inquiriu Edgar, simultaneamente à pergunta.
- Não
sei, não!... Se o clubinho pegasse fogo no verão, na época da seca, eu ficaria
calado. Mas eu amanheci o dia no forró do meu padrinho e só não fui para casa
dormir, porque choveu até a madrugada. Uma bucha de balão é ensopada com
querosene; e querosene, ao contrário de gasolina, sempre apaga em contacto com
a água.
- É
devera turma! – Disse Géo alardeando a descoberta.
Mipai
fez pose de detetive e pronunciou a famosa frase:
- “É
elementar meu caro Watson!”
Mipai
tomou um trago de licor e fez outra pergunta:
- Quem
teria interesse em destruir o nosso clubinho?
- Puta
que pariu! O Seu Manequito, com certeza! – Disse Géo, estalando os dedos.
-
Claro que sim, pois ele nos jurou vingança! – Afirmou Tõe Porcino.
Johnny
advertiu os garotos, dizendo:
- Para
fazer uma acusação dessas é preciso ter provas.
Nêgo
olha para o garoto e diz com raiva:
-
Provas uma porra!... Eu dou o meu cu ao jegue, se não foi o velho sacana!
- Se
isso for verdade, eu mato esse bandido! – Disse Edgar, indignado com aquela
possibilidade.
Johnny
tranquilizou os garotos, dizendo:
-
Vamos com calma pessoal! As providências já foram tomadas.
- Como
assim? – Indagou Mipai, admirado com a informação.
- O
meu pai e o pai de Pé de Pata descobriram que o incêndio foi um ato criminoso.
Foram buscar ajuda para provar o fato. Daqui a pouco eles chegam com as novidades.
Pé de
Pata perguntou com apreensão:
- Foi
realmente o Seu Manequito?
- Tudo
indica que sim! – Respondeu o garoto, acreditando na possibilidade. Não
querendo encrencas com o seu pai e demais adultos. Johnny alertou, preocupado:
-
Daqui a pouco eles chegam e eu gostaria que vocês escondessem essa garrafa,
pois eles não gostarão de ver a gente bebendo.
Todos
concordaram com a advertência de Johnny; principalmente Géo e Nêgo, que levaram
um bom sermão dos pais, logo ao acordar. Os garotos ficaram esperando as
notícias, com uma tranqüilidade proporcionada pelas doses de licor, que eles
haviam tomando. Johnny percebeu isso, pelo modo de agir e comportamento de
todos. Estavam morrendo de ódio do velho, mas, ao mesmo tempo, satisfeitos em
saber que o hipócrita havia sido desmascarado. Tomaram todo o licor e
esconderam a garrafa no meio das cinzas do clube queimado.
Os
garotos começaram a traçar seus planos de reconstrução. Sabiam que seria
difícil, mas eles começariam tudo de novo. Afinal, havia a verba proporcionada
pelo bolão do jogo Brasil e Iugoslávia. Enquanto todos conversavam debaixo da
mangueira, Edgar chamou Johnny à parte e perguntou sobre os acontecimentos da
noite anterior. O garoto explicou tudo nos mínimos detalhes. Depois de ouvir o
amigo, Edgar lamentou o ocorrido, dizendo:
-
Rapaz, isso foi uma falta de sorte!
As
lagrimas começaram a rolar nas faces do menino e ele perguntou ansioso:
- O
que é que o pessoal está sabendo?
- A
gente, que já sabia do namoro de vocês, ficou sabendo que Berenice terminou
tudo com você, por imposição da mãe dela. Inclusive, a turma acha que tem um
dedo de Orlando nessa história.
-
Não!... Nada disso. Orlando não tem nada com isso.
De
repente o garoto se lembrou do primo e perguntou:
- E
Luis Augusto?!... O que ele está sabendo da história?
-
Nada!... Nadica de nada! Apenas que Berenice se sentiu mal e Eva, na companhia
de Bill, levaram a menina para casa. Hoje, mais cedo, encontrei com Neide e
fiquei sabendo, que Berenice foi com a tia para Ipiaú, para passar o resto da
festa com os parentes de sua mãe. Hoje, à tarde, vou com Neide para casa de Eva
Marli e averiguo melhor os acontecimentos.
-
Certo. Faça isso por mim que ficarei grato.
Era
quase meio dia, quando o senhor Miguel apareceu com José Sampaio, na companhia
do seu compadre Francisco e dos guardas Martins e Belmiro. Chamaram os meninos
e explicaram que o incêndio foi obra de Manequito, mas eles não poderiam provar
legalmente, porque a única testemunha que presenciou o fato, não tinha
credibilidade, por ser demente. Os guardas pediram aos meninos para não entrar
em atrito com o velho, pois eles iriam punir o meliante no momento e hora
certa. Além disso, todos os vizinhos ficariam sabendo do fato e, com certeza,
iriam desprezar aquele patife. Os garotos acataram as decisões dos adultos e
vibraram com a boa nova. Outro clube ia ser erguido no local, construído de
alvenaria, o qual seria financiado pelo candidato a vereador do bairro.
Satisfeitos com as noticias, os garotos foram para suas casas, pois a hora do almoço
estava chegando. Johnny seguiu com seu pai e depois das refeições foi dormir um
pouco, para esquecer a dor que sentia pela falta de Berenice.
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