quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A Noite de São João.

J. B. Pessoa

Capítulo - 48 do livro " Guris e Gibis"

O céu se encontrava esplendorosamente estrelado, naquela memorável noite de São João. O clarão das fogueiras supria a ausência do prateado luar, pois a lua se encontrava na sua fase minguante. O inverno tinha começado, oficialmente, na última segunda feira; contudo, nessa noite de quarta feira, a temperatura estava amena sem o rigor do frio, que caracterizou os primeiros dias do mês. No entanto, a maioria das pessoas portava trajes pesados, com receio das constipações, que a população sofreu nos últimos dias. A alegria era geral. As crianças brincavam em volta da fogueira, soltando seus traques, chuvas de pratas e buscapés numa animação contagiante, sob a vigilância dos pais, temerosos com os possíveis acidentes. Por toda a parte ouvia-se o pipocar dos foguetes e pistolões, soltados pelas pessoas que festejavam o mais popular santo da crença sertaneja. Os balões voavam pela abóboda celeste se misturando as estrela, que pareciam brilhar com mais intensidade naquela magnífica noite. O cheiro da lenha queimada penetrava nas narinas dos festeiros, deixando-os numa espécie de êxtase natural, enquanto a fumaça arrancava lágrimas nos olhos de quem se aproximasse do fogo e ficasse contra o vento.

Após o anoitecer, o senhor Miguel Pereira acendeu a sua fogueira e ficou com a família sentada nas cadeiras, que colocou na calçada, admirando o fogaréu que se formava em torno dela. Johnny ficou conversando com seu pai, o qual relembrava o São João da roça e da última festa que fizeram em sua fazenda. Recordava o seu cavalo alazão e as vaquejadas que participava, como também do seu perdigueiro Peti e das caçadas de tatu em noites enluaradas. Dona Nonnita se lembrava da sua criação de galinhas e dos nomes que sua filhinha punha nelas. O garoto ficou triste ao perceber a melancolia de sua mãe, com saudades do lar perdido. Alheia a tudo aquilo, Maria de Fátima soltava, alegremente, suas cobrinhas e chuvinhas, na companhia da criançada da vizinhança. Pouco tempo depois, apareceu Pé de Pata, que veio pedir as bênçãos ao seu padrinho. O senhor Miguel aproveitou a ocasião e soltou alguns foguetes, cujas flechas foram cair a pouca distância do cemitério em um lugar desabitado. Johnny e Pé de Pata soltaram alguns pistolões de artifícios, os quais lançaram ao ar fogos colorido, deixando a criançada maravilhada. A seguir o casal recebeu um grupo de moças e rapazes comandados pela jovem Judite Marques e seu namorado Josué, que foram tomar o famoso licor de jenipapo, preparado por Dona Nonnita. Logo depois, apareceram Nêgo e Géo e todos foram dançar no baile da casa de José Vaz Sampaio, o qual contratou um bom sanfoneiro para animar o seu forró. Johnny encontrou com as irmãs Dinalva e Marinalva, duas meninas bonitas, mais jovens do que ele, filhas de Dona Joaninha, amiga de sua mãe. Géo e Pé de Pata se encantaram com as garotas e as convidaram para dançar, enquanto Nêgo namorava a leitoa assada que Dona Senhora, esposa do dono da casa, destrinchava no momento, para servir aos festeiros. Johnny permaneceu no animado baile por pouco tempo, pois tinha um compromisso

com seus colegas de escola. Depois de se despedir dos amigos, foi até a sua casa e, após a permissão dos seus pais, partiu para o outro lado da cidade, no anseio de encontrar a sua querida Berenice, que o esperava na Rua das Pedrinhas.

Excluindo a rodovia, as ruas Siqueira Campos e Santa Luzia eram as mais longas e largas da zona oeste, como também, as principais vias de acesso daquela parte e, portanto, as mais animadas em tempo de festas populares. Naquela noite estavam entupidas de fogueiras e a quantidade de fogos soltados superou os anos anteriores. Por toda a parte ouvia-se o barulho peculiar dos fogos em explosão; do pipocar dos pistolões e foguetes, dos chiados dos buscapés e fogos de artifícios e dos alarmantes estrondos das grandes bombas de cordão, que assustavam os desavisados, principalmente velhos e crianças. Johnny seguia pela Siqueira Campos preocupado com essas grandes bombas, as quais eram soltas por jovens irresponsáveis, completamente embriagados, que se divertiam com os sustos que pregavam nos transeuntes. O garoto, se sentindo são e salvo, chegou até a casa de Bill Elliott que o esperava na companhia de Luís Augusto. Assim como Johnny, os garotos estavam vestidos com calças rancheiras e camisas quadriculadas, portando chapéus de palha à maneira dos mocinhos caubóis, pois iam dançar na quadrilha organizada por Eva Marli, na festa de sua casa. Luís saudou alegremente o primo, enquanto Bill caçoava do amigo, perguntando:

- Você tomou licor?

- Não! Por que você pergunta isso?

- Você está com os olhos vermelhos e parecendo um pouco tonto!

Luís entrou no clima de gozação, dizendo:

- O licor da Tia Nonnita é famoso!

Johnny olhou para os meninos e sorriu com desdém, balançando a cabeça negativamente:

- Não é nada disso! Eu estou assim por causa da fumaça das fogueiras!

A casa de Bill Elliott estava em festas. Uma bela fogueira ardia naquele momento e ao redor das chamas, as crianças fizeram uma grande roda cantando as tradicionais modinhas juninas:

Capelinha de melão

É de São João!

É de cravo é de rosa,

É de manjericão!...

Os garotos sentaram na calçada e ficaram observando a criançada cantando as cantigas de roda. Dentro de casa o forró seguia animado, com um sanfoneiro imitando o grande Luís Gonzaga. Os festeiros acompanhavam o cantador em seus refrões, cantando o grande sucesso do cantor nordestino:

A fogueira está queimando.

Em homenagem a São João!

O forró já começou,

Vamos gente, arrasta pé nesse salão!...

De repente aparece entre os garotos Pedro Chulé, acompanhado de Marcelo Peru, cujos pais eram conterrâneos dos pais de Bill Elliott. Os dois saudaram Bill e Luís com alegria e ignoraram a presença de Johnny. Pedro Chulé estava com um pacote de bombas bem fortes, que soltava a todo o momento, chamando a atenção da vizinhança pelo estrondo delas. Bill quis soltar uma; então o rapaz lhe ofereceu uma especial bomba de cordão, a maior que ele já tinha visto na vida. O jovem olhou para aquele artefato e exclamou admirado:

- Que porra é essa?... Uma dinamite?!

Pedro Chulé respondeu com uma gargalhada:

- É quase uma dinamite! Nem eu e nem Marcelo teve coragem para soltar essa. Vai encarar o desafio?

- Neca de tibiribas! O papai aqui tem amor a sua mãozinha! – Respondeu Bill Elliott em tom brincalhão.

Pedro Chulé virou-se para Johnny e perguntou com arrogância:

- E você sujeito. Tem coragem para soltar essa bomba?

O garoto olhou para o rapaz com indiferença e disse fingindo desinteresse:

- Claro que solto!... Por que não?... Não é preciso coragem para isso!

Marcelo Peru olhou para Johnny e disse com bazófia:

- Ah é?... Solte uma, já que não é preciso coragem!

O garoto foi até a fogueira e, calmamente, escolheu uma lenha bem comprida. Logo após, colocou a bomba no chão, em um lugar onde não haveria danos e acendeu o seu caniço com o comprido tição. Segundos depois ouviu o maior estrondo que tinha ouvido na vida. Toda a área parou atônita diante daquela explosão. Um bêbado que ia passando aos tropeços, perguntou assustado:

- Que ignorância e essa?!

- Essa aí é para curar os bêbados e acordar os defuntos, meu camarada! – Disse um rapaz do outro lado da rua, vizinho de Bill Elliott.

O bêbado se recompôs e saiu dali apressado, diante das vaias da molecada, que soltavam fogos perto de suas fogueiras. Bill e Luís ficaram sorrindo com o susto do borracho e admirado com a estratégia do amigo. Pedro Chulé olhou enfezado para Johnny e disse com raiva:

- Dessa maneira todo mundo pode soltar!

- Foi o que eu disse. Não é preciso de coragem e sim de inteligência! – Afirmou o garoto com um sorriso maroto no rosto.

Marcelo Peru, querendo desmerecer a proeza de Johnny, proferiu com presunção;

- Homem que é homem solta na mão grande mesmo!

O garoto sorriu com desdém e disse para o rapaz:

- Se você quiser fazer bonito para o diabo ver, o problema é seu. Pode soltar uma, que iremos lhe aplaudir!

Marcelo olhou para Johnny com ódio e disse ameaçando:

- Deixa de ser besta seu sacana, senão eu lhe dou muitas porradas!

Bill Elliott interveio, dizendo para Marcelo Peru:

- Acho melhor você desistir da Ideia, pois Mipai e Edgar Pezão não vão gostar nada disso.

O rapaz engoliu seco e ponderou a sua intenção. Marcelo Gullo Antonioni era um rapaz pernóstico, de dezoito anos, o qual, por puro despeito, nutria uma antipatia especial por Johnny. Ele e Pedro Chulé detestavam a turma da periferia e morria de raiva com a amizade do garoto por Berenice. Os dois também desprezaram Johnny, pelo fato do garoto ser um suburbano e ter amigos importantes na cidade. Marcelo ganhou o seu apelido quando, aos quinze anos, raspou o seu cabelo para participar de um bloco de carnaval, revelando as sardas do seu couro cabeludo. Os seus amigos acharam a sua cabeça parecida com um ovo de peru e, daí em diante, ficou sendo conhecido como Marcelo Peru. Apesar de ser baixo e magro, era metido à valente. Certo domingo, na pista de patins, desafiou Mipai para uma briga e levou a maior sova. Daí em diante passou a temer as turmas do Joaquim Romão e morria de medo de Mipai e Edgar. Porém, o seu ódio ficou mais acentuado, menosprezando todos e quaisquer garotos das periferias jequieenses, considerando a maioria, como moleques de rua.

Bill Elliott chamou os amigos Luís e Johnny e se dirigiu para Pedro Chulé e Marcelo Peru, dizendo:

- Pessoal vou ter que sair com meus amigos, pois temos um compromisso inadiável. A casa é de vocês. – Virando-se para Marcelo, acrescentou:

- Meus pais vão ficar felizes com a sua visita!

O relógio da matriz anunciava às vinte horas quando os garotos desceram a Rua Maracás e entraram na Avenida Rio Branco. Johnny notou que o centro da cidade estava completamente deserto, com os cinemas e todos os bares fechados, principalmente os da Praça Ruy Barbosa, reduto dos boêmios e notívagos da cidade. Comentando isso com os amigos, ficou sabendo que a prefeitura proibia fogueiras em áreas pavimentadas. Bill Elliott acrescentou em tom brincalhão:

- Ninguém é tão besta para gastar dinheiro em bar, quando podem comer e beber de graça a noite inteira!

Os garotos passaram pela Avenida Alves Pereira, seguindo pela Praça da Bandeira, e entraram na Rua das Pedrinhas, que naquele momento estava abarrotada de fogueiras queimando, ao estrondo das bombas e pistolões.

A casa de Eva Marli ficava no começo da rua, a qual terminava no Campo do America, onde estava situado o Colégio Estadual de Jequié. Era uma casa moderna com um jardim na frente e uma garagem ao lado, onde seu pai guardava o jipe, veículo predileto dos fazendeiros da região. Logo ao chegar, os garotos encontraram Eduardo e Luísa em volta da fogueira, na companhia de uma alegre meninada, que tentavam pegar uma lenha acesa, diante do ardente fogaréu, a pedido das crianças. Eduardo pegou um longo tição, entregando a

uma delas, recomendando muito cuidado. Quando viu os amigos, o garoto foi ao encontro deles e, saudando a todos, disse efusivamente:

- A fogueira já está queimando há muito tempo, em homenagem a São João e o forró só não começou, porque a gente estava esperando por vocês!

- Antes tarde do que nunca! – Disse Luís com um largo sorriso de contentamento e, cumprimentando Luísa, perguntou:

- Quando vamos dançar a quadrilha?

- Daqui a pouco, depois da gente arranjar uma garota para Johnny!

- Ué, o que aconteceu com Norma?

- Ela está acamada, pois pegou uma forte gripe!

Edgar e Neide apareceram no momento e a garota explicou aos amigos:

- Norma amanheceu indisposta pela manhã, com muita tosse e espirrando bastante. Sua mãe lhe deu um chá caseiro na esperança de melhoras. Porém, pela tarde veio à febre, obrigando seus pais a consultar um médico. Ela está bem, pois foi atendida em casa pelo Dr. Nilton Pinto de Araújo, que lhe medicou e lhe aconselhou repouso absoluto.

Johnny lamentou o infortúnio da amiga, dizendo:

- É uma pena Norma não poder comparecer. Logo ela que gosta tanto de festas! Além disso, eu me dou tão bem dançando com ela.

Bill Elliott Completou:

- E justamente numa noite de São João!

Toda a rua estava em festas. Era grande o número de moças e rapazes que nela transitava, indo de casa em casa para tomar licor e de deliciar com os quitutes oferecidos pelos seus residentes. Em um casarão do outro lado da rua, próximo a casa de Eva, acontecia uma grande festa, com muita gente ao redor da fogueira, soltando belos fogos de artifícios. Johnny ficou algum tempo observando os clarões daqueles fogos, os quais eram de vista com ausência de estampido. Nesse momento aparece Orlando e, erguendo seu cálice de licor, saúda os garotos com entusiasmo. Logo depois chegam Eva e Berenice saudando os meninos com muita exultação. Todos que se encontravam dentro da casa de Eva vieram até o jardim, para assistir o belo espetáculo pirotécnico. Curioso com aquela expansiva queima de fogos, Johnny perguntou a Eva Marli:

- Quem é o festeiro daquela casa?

- É o doutor Xavier, candidato a vereador nessas eleições.

- Então há motivos de sobra para a queima de dinheiro! – Observou Eduardo com certa ironia.

Aborrecido com a censura do garoto, Orlando ressaltou com sua frase predileta:

Pois é isso meu compadre! “Quem pode, pode!... Quem não pode se sacode!”

Eduardo deu de ombros e foi com Luísa soltar traques com as crianças em volta da fogueira. Eva Marli convidou os meninos para dento de casa e seguiu para a sala de jantar, oferecendo a eles uma farta mesa de quitutes sertanejos. Edgar, Bill e Luís tomaram um cálice de licor, enquanto Johnny

saboreava uma pamonha quentinha, oferecida pela menina. Orlando alertou os garotos, pilheriando deles:

- Cuidado com esse licor de jenipapo, que não foi feito para crianças!

- Ué, você não está tomando?! – Perguntou Berenice, fingindo surpresa. Bill Elliott virou-se para a garota e disse em tom de mofa:

- Orlando pensa que menino grande é homem!

O rapaz se sentindo depreciado, disse com petulância:

- O que é isso meu irmão?!... O papai aqui toma licor como se fosse refresco. Quem pode, pode! Quem não pode...

-... Fica bêbado e fala demais, chamando Jesus de Genésio e urubu de meu louro, como certo sujeito no ano passado! – Completou Edgar, o qual detestava aquele ditado popular, sempre dita pelas pessoas de forma arrogante.

A garotada caiu na gargalhada, mangando de Orlando. Eva ofereceu um cálice para Johnny, que recusou, dizendo:

- Eu não estou acostumado com bebidas alcoólicas!

Orlando não perdeu a oportunidade de ridicularizar o garoto, dizendo:

- A mãe bate nele, quando ele chegar em casa!

Desta vez todos riram do garoto, que era o mais jovem da turma. Johnny, indiferente com aquela gozação, disse assumindo a sua dependência materna:

- Bater ela não bate, porém o seu sermão dói mais do que uma dúzia de bolos de palmatórias!

Eva Marli proferiu, avaliando o comportamento materno:

- Ah, isso são coisas das mães. Quando elas cismam, sai de baixo!

- A minha também é um osso duro de roer! – Disse Luís, querendo ser solidário com o primo. Berenice alisou os cabelos de Johnny, dizendo:

- Se eu tivesse um filho fofinho como você, eu seria pior do que Dona Nonnita!

O garoto sorriu timidamente, dizendo:

-É por isso que eu não me incomodo com ela!

Luís ficou observando o comportamento de Berenice em relação a Johnny e chegou à conclusão, que a afeição da menina pelo garoto era puro instinto maternal. Sendo assim, era natural a sua estima e, consigo, a coisa poderia ser diferente. Pensando assim, Luís ficou aliviado, dissipando a cisma que sentia. Subitamente, os garotos ouviram o som de um acordeom, vindo da ampla sala de visitas da casa e se dirigiram para o baile que se formava naquele momento, na intenção de cair na folia. O sanfoneiro e seus percussionistas tinham recomeçado a tocar e cantar as cantigas da tradição junina. Enquanto a turma seguia animada para dançar, passou pelo corredor que separava as duas salas. Johnny e Berenice seguiram juntos, atrás dos garotos, que conversavam alegremente. De repente, a garota, num ato de ousadia, puxou Johnny pelas mãos e, inesperadamente, entrou no gabinete do pai de Eva Marli, levando o garoto consigo. Berenice fechou a porta e abraçou Johnny amorosamente, permanecendo naquele encanto por inesquecíveis segundos. Em um gesto audacioso, o garoto beijou ardorosamente os lábios da menina e acariciou os

seus seios com a mão trêmula de emoção, sentindo o sabor do pecado, naquele ato prazeroso. Percebendo o doce delírio, em que estava acometida, Berenice deixou a prudência superar a insensatez e, subitamente, saiu do cômodo, carregando Johnny consigo e, de mãos dadas, refugiaram-se no quintal da casa. Os dois jovens se acomodaram em um banco, debaixo de uma goiabeira, próximo a um grupo de senhoras, que conversavam alegremente, ao sabor dos licores proporcionados pelos anfitriões. Johnny e Berenice ficaram calados por algum tempo, entorpecidos pelos acontecimentos. A empregada da casa apareceu naquele momento, oferecendo aos jovens uma bandeja com licor. O garoto pegou um cálice e tomou a bebida num só trago. Sentindo o efeito inebriante do álcool, aquecer o seu corpo, Johnny começou a relaxar e dissipar a ansiedade que sentia. A menina encostou a cabeça no seu ombro, enquanto ele afagava as suas mãos. Na casa vizinha, uma vitrola tocava uma canção de amor, ressaltando a noite de São João:

Olha pro céu, meu amor,

Vê como ele está lindo!

Olha praquele balão multicor

Que no céu vai sumindo!

Johnny e Berenice permaneceram silenciosos por algum tempo, ouvindo a bela música, admirando um céu estrelado, que estava cheio de balões. Sentiam que aquela canção, parecia ter sido feita para eles, numa noite como aquela.

Foi numa noite, igual a essa,

Que tu me deste teu coração!

O céu estava assim em festa,

Pois era noite de São João...

Johnny acariciou os cabelos da garota, que levantando a sua cabeça, olhou para o namorado com ternura, dizendo:

- Eu te amo vida minha! Eu te amo!

- Eu também te amo muito, minha querida! – murmurou o garoto com carinho.

- Você jura me amar para sempre?

- Sim Baby, eu juro!

- Eu também juro lhe ser fiel e lhe amar eternamente!

Na casa vizinha, a música continuava:

Havia balões no ar,

Xote, Baião no salão

E no terreiro, o teu olhar

Que incendiou meu coração!

Um fino sereno começou a cair, enquanto as notas musicais embalavam os jovens pubescentes, naquele mágico momento de amor. Berenice se aconchegou mais perto de Johnny, se confortando do frio no corpo quente do seu querido garoto. Johnny abraçou a namorada delicadamente e osculou o seu rosto com ternura, se sentindo o mais venturoso dos homens.

A neblina ficou mais forte e a temperatura baixou consideravelmente, obrigando os enamorados a adentrarem em casa a procura de abrigo. Nesse momento aparece Orlando na procura de Berenice. Vendo os dois encharcados pelo sereno, perguntou desconfiado:

- Onde vocês estavam?! ... A turma está procurando por vocês!

Johnny respondeu com a desculpa de sempre:

- A gente estava conversando com algumas senhoras, amigas da minha mãe!

- A dança da quadrilha vai começar agorinha mesmo. Alertou o rapaz.

- Então vamos indo! – Disse Berenice, puxando Johnny pelas mãos.

Orlando notou que o garoto estava contente demais para uma simples amizade, e a menina irradiava felicidades em todo o seu ser. Sabendo haver algo mais entre os dois, indagou:

- Vocês vão dançar juntos na quadrilha?

- Não, o meu par é Luís. – Respondeu Berenice, demonstrando pouco entusiasmo. Fingindo estar aborrecido, Johnny enunciou:

- E eu estou sem par, pois Norma adoeceu!

Orlando coçou a cabeça e disse chateado:

- Eu também estou sem par!

Os garotos foram para fora da casa, encontrado todos os amigos reunidos na calçada, à espera do bailado. Havia casais de namorados vizinhos de Eva Marli que, a convite dela, iriam participar do evento. A maioria era de adolescentes e eram colegas de Berenice, Eva e Bill Elliott no Ginásio de Jequié. Johnny conhecia alguns deles das portas dos cinemas e das partidas de futebol no Tênis Clube. Ele ficou conversando animadamente com os garotos, quando sentiu as delicadas mãos de alguém, tapar os seus olhos e uma meiga voz dizendo:

- Adivinha quem é?

Sentindo o perfume que emanava de suas mãos, o garoto não teve dúvidas. Era o mesmo daquele domingo de carnaval.

- Vera Olívia!

- Puxa!... Como você adivinhou?

- Pela sua voz e o perfume que está usando.

- Nossa!... Fui tão marcante assim?

- Sim, foi uma tarde maravilhosa! – Respondeu o garoto se recompondo da surpresa. Vera Olivia estava acompanhada das amigas, Neuza, Lúcia, Laura e Eliana, as quais conheciam Eva Marli e Berenice. Neuza apresentou Vera Olívia às meninas e para o resto da garotada. Neide também conhecia as meninas e era amiga de Vera Olívia. Berenice saudou delicadamente a famosa garota de Jaguaquara e ficou séria em um canto, observando a bela moreninha, que não saía de perto do seu namorado. Eva Marli lembrou-se que, em certa ocasião, Neide havia dito que a menina era apaixonada por Johnny. Percebendo a amiga um pouco aborrecida com a influência da menina, disse ao seu ouvido:

- Não se preocupe querida, que você é muito mais bonita!

Berenice estava realmente chateada, remoendo um pequeno ciúme, principalmente depois que Orlando sugeriu Vera Olívia como par de Johnny na dança da quadrilha. Eva Marli descartou imediatamente a sugestão, alegando que a menina não fazia parte da turma. Observando a insistência de Orlando naquela ideia, a garota percebeu o oportunismo do rapaz em descobrir se Berenice nutria uma afeição especial por Johnny. Ouvindo a recusa de Eva, o rapaz protestou:

- Ele está sem par! Porque não pode dançar com a menina?

- Porque mão houve um ensaio por parte dela.

- Quer dizer que eu também não posso dançar com as meninas?

- As meninas podem dançar você não!

- Ué, por que isso agora?

- Porque você não ensaiou.

- E as meninas amigas de Vera Olívia?

Eva Marli pronunciou irritada:

- Vamos fazer uma exceção, pois sabemos que as meninas não precisam de ensaios.

Berenice ponderou sobre a questão, dizendo:

- Com certeza as meninas já ensaiaram uma quadrilha. Johnny dança com Vera Olívia e Orlando entra no embalo delas, pois agora estão faltando cavalheiros.

- Sendo assim, não está mais aqui quem falou. - Disse Eva Marli controlando a sua amolação.

A turma estava pronta quando o sanfoneiro conduziu a marcação, tocando música de abertura do bailado, sendo cantada pelos dançarinos em geral:

Quadrilha é bom, quadrilha é bom,

Quadrilha é dança que existe no arraiá!

Se no sertão tocar a quadrilha.

Todo mundo quer dançar!

O sanfoneiro e seus percussionistas capricharam em suas atuações, atraindo os festeiros das casas vizinhas, que com suas namoradas entraram na quadrilha, aumentando consideravelmente o número de participantes. Alguns estavam bêbados, atrapalhando o andamento da dança. Logo depois, a brincadeira que era só dos garotos, contou com a participação de diversos adultos e o bailado resultou numa bagunça total. Orlando estava adorando tudo aquilo. Dançando com Neuza, ele ia em frente, conduzindo a marcação de maneira hilariante, apoiado por vários bêbados que riam a valer, se divertindo com a desordem promovida por eles. Eva Marli e Berenice se retiraram da dança e foram sentar na varanda com Bill e Luís. Johnny continuou dançando com Vera Olivia na companhia de Edgar e Neide. Eduardo e Luísa foram até a varanda e aproveitaram o ensejo para tomar mais um cálice de licor. Comentando a inesperada ocorrência, que chamou a atenção daquela parte da rua, o garoto protestou:

- Puxa a vida! A nossa brincadeira estava boa, até a coroada estragar tudo!

- As pessoas sempre exageram em suas extravagâncias! Afinal tudo isso faz parte do contexto. - Explicou Eva, que estava se divertindo com a excentricidade de alguns adultos, amigos da sua família.

Berenice, ao lado de Luís, tomava um licor de cravo sem dizer nada. Limitava-se a olhar Johnny na companhia de Vera Olívia. Nesse momento chega Orlando e senta-se junto da meninada, que demonstrava certo cansaço pelo avanço das horas. Toma mais um cálice de licor, saudando os amigos com alacridade. Notando os olhares de Berenice sobre Johnny e a garota comentou, escondendo o seu cinismo:

- Bonita morena, essa garota de Jaguaquara!

- É realmente muito bonita! - Disse Berenice, fingindo indiferença.

Querendo atiçar o despeito da menina, Orlando perguntou de supetão:

- Será que Johnny está namorando ela?

Berenice nada respondeu. Com exceção de Luís, todos sabiam do envolvimento de Berenice com Johnny. Naquela noite Neuza informou a Orlando o segredo dos dois, pois torcia pela amiga e queria ajuda dele. O rapaz se prontificou em ajudar por puro ciúme. Luísa ouvindo a pergunta de Orlando, respondeu com apatia:

- Não acredito nisso! Ela é sonsa demais para o jeito tímido dele.

Eva Marli estava chateada com o comportamento da menina, a qual já tinha sido alertada por Neide, do namoro entre Johnny e Berenice. Vendo a garota assediar Johnny propositalmente, disse com raiva:

- Ela é bonita, mas é assanhada. Aposto que tem um namorado em cada cidade!

No casarão alguém advertiu Neuza e as meninas, que estava na hora delas irem embora. Nesse momento elas entram no pátio da casa de Eva Marli na intenção de se despedirem de todos os amigos. Enquanto isso acontecia, Vera Olivia puxa Johnny pelo braço e anda com ele até determinado ponto, parando perto do portão do beco esquerdo da casa de Eva Marli. Desconfiada de tudo aquilo, Berenice foi até a cozinha no propósito de tomar um copo d’água, alegando estar um pouco enjoada pelo licor que havia tomado. Eva Marli acompanhou a menina e as duas seguiram pelo beco lateral saindo no dito portão da sua casa e, de lá, puderam observar os dois conversando. De repente, o inesperado aconteceu: Ciente de que estava sendo observada, Vera Olívia aplicou um inesperado beijo nos lábios de Johnny, deixando o garoto perplexo com aquele acontecimento. Berenice, num impulso repentino, saiu pelo portão, pegando os dois no enlaço amoroso. Não contendo as lágrimas, a menina balbuciou:

- O perjúrio é a constância dos falsos namorados! - E virando-se para Vera Olívia, disse com desprezo:

- Pode ficar com ele, que eu não quero mais esse traidor, nem pintado de ouro!

tada:

- Seu santinho de pau oco!... Vá se embora e se esqueça da gente!

As duas garotas entraram pelo portão, fechando-o em seguida, deixando Johnny atônito com aquela situação. Vera Olívia, fingindo inocência, perguntou:

- Ela é sua namorada?!... Por que você não me avisou?

Johnny não respondeu nada. Parecia estar em estado catatônico, pois não conseguia raciocinar direito diante de tudo aquilo. Nesse momento Chega Neuza e as meninas aconselhando Vera Olívia a uma retirada estratégica, para não piorar a situação. Nesse instante, a menina percebe que fora enganada pelas amigas. Ela olhou para Johnny e, sentindo que a coisa era séria, disse ternamente:

- Não se preocupe que tudo se esclarecerá. Vou dizer para sua namorada que tudo isso foi um engano. Espero que você me perdoe por esse contratempo.

- Bastante decepcionada consigo mesma, Vera Olivia apertou a mão do garoto e se retirou com suas amigas. Logo depois chega Bill Elliott com um recado de Eva Marli, a qual pediu para Johnny não relatar a ninguém o acontecido, pois era humilhante demais para Berenice.

Johnny perguntou a Bill Elliott com ansiedade:

- O que aconteceu com Berenice?

- Ela foi embora para sua casa, alegando enjôo e dor de cabeça. Foi acompanhada por Orlando e Luís. Eva disse pra todo o mundo, que você acompanhou a morena até a casa dela! – Virando-se para Johnny, Bill perguntou com preocupação:

- O que aconteceu com vocês?

- Berenice e Eva me flagraram, quando Vera Olívia me deu um beijo na boca! Eu não fiz nada e não esperava que isso pudesse acontecer!

Bill virou para Johnny e disse confortando o garoto:

- Não se preocupe com isso, que eu vou ajudar a você. Eva já tinha me alertado do jeito dissimulado da bela moreninha, dando em cima de você.

Johnny começou a chorar temendo perder a sua namorada. Bill, num gesto brincalhão, disse para consolar o amigo:

- Puxa rapaz, que água milagrosa você anda bebendo? Não completou ainda treze anos e já está envolvido em um triangulo amoroso! E tem mais: uma loira e uma morena!

O garoto soluçou, emocionado:

- Não me importo com uma ou mil morenas! Só quero minha menininha de volta. Eu não fiz nada. Só dancei com a garota porque Berenice pediu!

- Eu sei disso e vou ajudar a você ter de volta a sua garota. Agora você volta para casa que já está tarde e amanhã será outro dia.

Johnny se despediu do seu amigo e foi embora para sua casa com o coração amargurado. Não entendia o porquê do acontecido. Tudo encaminhava para ser uma noite maravilhosa. Estava tudo bem entre ele e sua pequena, e agora aquilo. Pensou em Vera Olívia e não sentiu nenhum rancor pela menina, acreditando que ela não sabia de nada. “Ela é uma ótima garota. Amanhã tudo

será esclarecido e as coisas voltarão ao normal” Pensando assim, suspirou forte e uma doce esperança reconfortou-lhe a alma.

O relógio da matriz badalou a meia noite em ponto, quando Johnny entrou na Siqueira Campos. A maioria das fogueiras já tinha sido consumida pelo fogo e era menor o número de pessoas pela rua. Passando pela sua casa, encontrou seu pai proseando com alguns senhores, que moravam nas redondezas. Pediu permissão a ele e foi encontrar sua turma no forró de Zé Sampaio, que naquele momento seguia animado. Com exceção de Edgar que estava com Neide, e de Mipai que se encontrava no forró do seu padrinho Tony de Leda, todos os seus amigos estavam se divertindo naquela festa, dançando com as meninas. Tõe Porcino era o mais animado e o único da turma que tinha coragem de soltar os foguetões, na companhia dos adultos. Johnny sentou-se na calçada e ficou tomando licor na companhia de Géo, que já se encontrava um tanto embriagado. Em volta do fogo, moças e rapazes executavam a tradição de pular a fogueira e tornarem-se compadres e comadres em louvou a São João. Dentro de casa, o sanfoneiro toca a canção que começava a ser considerada como a mais poética do cancioneiro junino:

Olha pro céu meu amor!

Vê como ele está lindo...

Uma onda de melancolia invade a alma do garoto, fazendo as lágrimas brotarem de seus olhos e escorrer em sua face tristonha. Porcino indaga a razão do seu choro e ele responde que a fumaça da fogueira deixava seus olhos irritados. Johnny toma mais um cálice de licor, sentindo certo alívio da dor, que lhe corroia naquele momento. Logo depois se despede dos amigos e vai procurar consolo em seu travesseiro, enquanto uma chuva fina e fria começa a cair naquele momento.

 

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