sexta-feira, 17 de julho de 2020

A noite dos namorados.

J. B. Pessoa

Capítulo - 40 do livro " Guris e Gibis".


A última noite das trezenas de Santo Antonio foi beneficiada com uma temperatura mais amena, do que os outros dias. A neblina, que caía na parte da manhã, dissipou-se pela tarde e o tempo ficou estável por toda a noite. A lua, na sua fase crescente, brilhava timidamente em um céu de poucas estrelas, devido às escuras nuvens, que permaneciam inalteradas. Não obstante àquela aragem, o frio permanecia, embora mais agradável do que nas noites anteriores, obrigando, ainda, a população a trajes mais pesados.
A igreja estava superlotada com a amável comunidade jequieense. Como era o costume, os mais velhos recolhiam-se no âmago do templo e, rodeados de suas proles, rezavam ladainhas e cantavam benditos, contritos em fé, enquanto a rapaziada permanecia nos pátios em alegres palestras. O assunto não era outro senão o futebol. A Copa do Mundo estava perto do seu começo, cuja abertura seria dentro de quatro dias. Os rapazes, que tinham o consentimento dos pais de uma moça para namorá-la, faziam-lhes companhia no culto religioso e aproveitavam a ocasião para fazer uma boa figura de si mesmos. Outros, que procuravam o seu par, trocavam olhares de flertes com as jovens, que freqüentavam a igreja, rigorosamente acompanhadas das avós ou de alguma tia solteirona que, muitas vezes, facilitavam algum namoro proibido. Os garotos ainda na puberdade flertavam ingenuamente com as meninas, as quais, burlando a vigilância da família, iam passear pelo pátio ou sentar com suas colegas nas escadarias da igreja, para se deleitarem em animadas conversas.
Naquela noite Johnny chegou à igreja, acompanhado dos seus amigos da Siqueira Campos. Eles estavam bastante animados e alimentavam esperanças de conseguir uma namorada na quermesse do santo casamenteiro. Tinham feito uma simpatia com a ajuda de Dona Cecília, uma famosa rezadeira do Barro Preto, que garantiu o sucesso dos garotos. Johnny não acreditava nessas coisas e considerou uma contradição por parte deles, principalmente por serem evangélicos. Pé de Pata exibia orgulhosamente um belo casaco, presente recente de sua rica e famosa madrinha. Géo e Nêgo não sentiam inveja, pois tinham economizado bastante durante todo o semestre, para ostentar uma bela indumentária nos festejos de Santo Antonio. Nessa época, a população jequieense tinha o costume de estrear trajes novos nas festas populares; alguns dos quais, adquiridos nas mais famosas lojas de Salvador ou do Rio de Janeiro.
Os garotos não entraram na igreja. Alegando serem de outra religião, optaram por passear em volta dela. Mais uma vez, Johnny fica intrigado com aquela postura, pois era católica a festa em que eles estavam se divertindo. Mais tarde, encontraram com Tõe Porcino e Mipai conversando animadamente com Bill Elliott, que preferiu ficar sentado nas escadarias da igreja, onde tinha uma visão panorâmica de toda a praça. A turma cumprimentou os amigos e ficaram na companhia deles por breves momentos. Os garotos estavam fascinados com
o número de meninas bonitas, que se encontravam por perto. Pé de Pata, verificando que em um grupo se encontrava uma colega de escola, acenou para ela, que o convidou para a sua companhia. O garoto aproveitou a ocasião e ficou conversando com a menina em alegres flertes. Géo e Nêgo permaneceram com a turma, esperando uma oportunidade de se incluírem naquele grupo de meninas bonitas. Johnny continuou conversando com Bill, Mipai e Tõe Porcino. Depois de alguns minutos de prosa, estranhando a ausência de Orlando, O garoto perguntou subitamente:
- Então turma!... O que é de Orlando?
Mipai balançou a cabeça e disse com um sorriso de deboche:
- Enchendo o saco de Luis Augusto, que se encontra na companhia de Berenice!
Nêgo, que não esquecia os desmandos do rapaz, bradou com indignação:
- Puxa a vida! O sujeito não fode e nem sai de cima!
Bill Elliott, preocupado com o uso de palavras inadequadas na conversa, advertiu:
- Ei rapaz! Cuidado com os termos que usa, pois temos garotas de família por perto!
Tõe Porcino concordou com o lembrete do amigo e finalizou em defesa de Orlando:
- Isso é problema deles! O que posso assegurar é que a menina gosta do rapaz, como se ele fosse seu irmão e então ele se sente assim, ora!
Johnny perguntou novamente:
- Vocês viram Eduardo, hoje à noite?
Mipai respondeu com o mesmo deboche:
O que eu queria dizer, é que Orlando está na companhia de Edgar, Neide, Eduardo, Luísa, Luís e Berenice, dentro da igreja!
- Ah, sim! Agora entendi a colocação de Nêgo! – Disse Johnny, sorrindo.
Nesse momento os sinos da igreja dobram, anunciando o final do ato religioso. A sonoridade emanada deles é de uma musicalidade gratificante aos ouvidos de Johnny que, durante alguns segundos, sente o seu coração bater naquele compasso. A lembrança daquela mágica manhã vem à sua mente e a imagem de uma menina moça de cabelos doirados parecia bailar sob as notas musicais, nascidas do alto daquele campanário. Em seu devaneio, o garoto sentia as evoluções melodiosas envolverem a sua alma, que era precocemente fascinada por um amor imponente. Simultaneamente ao som dos sinos, uma saraivada de foguetes ganha o ar, fazendo todos procurarem abrigo com medo das flechas. Durante alguns minutos, a garotada fica em silêncio, fascinada com os rasgões desses fogos na noite e do pipocar de suas bombas. Em seguida, a Banda Os Amantes da Lira começa a tocar seus famosos dobrados, arrastando a multidão de pessoas que deixa a igreja e segue para a Praça Ruy Barbosa, onde está localizada a quermesse.
Após o final do foguetório, Johnny resolveu se afastar dos amigos, para observar melhor os acontecimentos naquela noite especial. Pé de Pata chamou
Nêgo e Géo para conhecerem as meninas, que eram amigas de sua colega. Edgar e Eduardo estavam com suas namoradas, enquanto os outros meninos cortejavam as suas escolhidas. Eles se encontraram nas escadarias da igreja e seguiram juntos para a praça. Luis Augusto ia à frente com Berenice, ladeados por Eva Marli e Norma, que estavam sendo assessoradas por Bill Elliott e Mipai. Eduardo tinha esquecido completamente de sua fixação por Berenice e naquele momento deleitava-se com o amor de Luisa, sua bela namorada. Orlando seguia toda a turma em silêncio, com um sorriso de desdém nos lábios. Ele tinha um trunfo nas mãos, que desejava jogar na mesa, dali a poucos minutos. Iria, novamente, cantar no baile do parque e pretendia sensibilizar Luísa, com suas belas canções de amor.
Apesar da felicidade sentida pelos acontecimentos daquela singular manhã, Johnny experimentava um sentimento que não havia conhecido antes. Seguia o grupo ao longe, esforçando-se para não ser visto, pois não queria que ninguém percebesse o seu amor por Berenice, nem o ciúme que ele começava a sentir. Embora não querendo admitir para si mesmo, o fato de Luis Augusto não sair de perto da sua namorada, começava a lhe incomodar. Afinal, aquela era a noite do dia dos namorados e todos os garotos estavam festejando essa data com suas namoradas. Queria poder dizer para todos, que aquela bela menina era sua, e que ele era o menino dela. Uma súbita amargura começou a tomar conta do seu coração, porque ele sentia que estava sendo injusto com seu primo e sabia que aquela situação poderia perdurar por mais tempo.
Chegando à praça, Orlando despediu- se da garotada e foi encontrar com os músicos da banda. Os jovens foram se acomodar em um dos bancos do jardim, que ficava defronte da pista de patins. A garotada teve sorte de encontrar aquele banco vazio, o qual proporcionava uma excelente visão para as barracas do parque, como também para o baile que iria acontecer dentro de poucos minutos. Apesar do frio que fazia, o tempo ficou aberto naquele momento, dando para ver um céu coberto de estrelas. Berenice observava os casais de namorados, que passeavam de mãos dadas pelo jardim e sentia falta de Johnny ao seu lado. Procurava o garoto por toda a parte, com um olhar ansioso e ficou preocupada com a sua ausência. Não estava entendendo o seu desaparecimento, pois ele sempre esteve presente com a turma, em todas as ocasiões. Ficou meditando por algum tempo, tentando averiguar o que teria lhe acontecido. Por sua vez, não resistindo à solidão voluntária em que se acometeu, Johnny resolveu aparecer uma hora mais tarde. Chegou sorrateiro e cumprimentou a garotada, disfarçando o desgosto que sentia. A presença do garoto naquele momento finaliza a ansiedade de Berenice e o seu belo rosto resplandece de felicidade. Os jovens saudaram o amigo com alegria e em seguida, Norma proclama com satisfação:
- Quem é vivo sempre aparece!
Eva Marli, curiosa com a ausência do garoto, pergunta em tom de recriminação:
- Onde você se meteu garoto? Nós já estávamos sentindo a sua falta! Não é verdade Berenice?
- Sim! Mas eu sabia que ele não iria demorar! - Disse a menina, sentindo-se aliviada com o aparecimento do namorado.
Luis Augusto notou uma leve tristeza no semblante do primo. Intrigado com aquilo, perguntou:
- Que aconteceu consigo rapaz? Por que você demorou tanto?!
- Eu não entrei na igreja, porque estava muito cheia e fiquei batendo papo com a turma nas escadarias. Logo após a foguetada, minha mãe me chamou para me apresentar as suas amigas da Congregação Mariana e eu fiquei na companhia delas por algum tempo! – Disse Johnny, se desculpando e feliz com a preocupação dos amigos.
Eva Marli pôs as mãos na cintura e colocou o pé direito a sua frente, batendo em certo compasso, como fazem as mães, recriminando as travessuras de seus guris e, fingindo austeridade disse, balançando a cabeça negativamente:
- Porque será que eu não estou acreditando em uma palavra sua, Senhor João Evangelista Bruni Pereira?!
- Vá ver que ele se engraçou com algum rabo de saia por aí! – Disse Norma, caçoando do garoto.
A turma começou a rir, mangando de Johnny, que ficou embaraçado com aquelas zombarias.
- Eu juro que não! – Disse o garoto, preocupado com Berenice, que no instante lhe emitia um olhar terno e um sorriso nos lábios.
- Aposto que ele se encontrou com Vera Olívia! – Disse Neide entrando na brincadeira.
Berenice ficou calada ao ouvir o nome da garota e emitiu a Johnny um olhar inquisitivo. Enquanto isso, surpresa com a revelação, Eva pergunta, curiosa:
-Ué, quem é essa pequena?!
- É uma menina de Jaguaquara, que é apaixonada por ele! – Respondeu Neide, que acrescentou:
- Eles se conheceram no domingo de carnaval, na batalha de confetes do Clube dos Cadetes. Brincou com ela pela manhã e à tarde ele participou do corso com a família da moça. Na segunda feira, ela foi com seus pais para Ilhéus e passou resto do carnaval na praia. Ela sempre me escreve, perguntando por ele!
Eva Marli vira-se para Johnny e continua a fingida recriminação:
- Muito bonito, seu João Evangelista!... Por que o senhor omitiu esse fato da gente?
-Porque não achei nenhuma importância nisso! Ela é uma ótima garota, mas não estou interessado nela. - Respondeu Johnny, tentando persuadir Eva Marli da sua falta de apreço pela menina.
Surpreso com tudo aquilo, Bill Elliott pergunta a Eva Marli:
- Ué, você está namorando o Johnny?!
- Por quê?... Está com ciúmes?! – Perguntou a garota, maliciosamente.
- Pode ser que sim! – Respondeu o garoto com ousadia e, olhando seriamente para a menina, disse-lhe, com discernimento:
- Não vou mentir que há muito tempo me simpatizo por você. Mas como nunca visualizei um olhar seu, as esperanças de um dia lhe namorar, foram morrendo aos poucos!
- Nossa!... Por essa eu não esperava! – Disse a menina surpresa, diante da desenvoltura do jovem rapaz.
De repente, a turma esqueceu as gozações que fazia a Johnny e se concentrou nas revelações de Bill Elliott. Ele tinha aparecido naquela noite bastante animado e foi logo se entrosando com toda a turma. Falava com desembaraço e, a todo o momento, se insinuava para a bela morena, com palavras doces e gestos galantes. Percebendo que estava sendo o alvo de atenção da turma, não ligou e resolveu abrir o jogo naquele instante. Sabendo que Eva Marli tinha vários pretendentes e nenhum namorado, resolveu sair na frente. Segurando a mão da garota disse muito sério:
- Você quer namorar comigo?
Eva Marli olhou com mais atenção para Bill Elliott e notou que ele era mais atraente do que ela tinha percebido. Ficou bastante lisonjeada com aquela declaração e, admirada com o desembaraço do rapaz, disse no momento, o que toda garota diz em semelhante situação:
- Eu não sei!... Vou pensar um pouco e depois lhe darei uma resposta!
O garoto trouxe a mão da menina aos seus lábios e, beijando-a, apaixonadamente, disse num sussurro:
- Eu não tenho pressa! Pense com carinho e lembre-se que lhe devoto uma sincera afeição!
A garotada ficou boquiaberta com aquela cena, pois nunca tinha presenciado um ato tão audacioso por parte de um garoto. Depois de alguns segundos sem dizerem nada, todos os jovens bateram palmas, saudando o novo casal de namorados da turma. Eva Marli ergueu as mãos e disse sorrindo para os amigos:
- Vamos com calma, que eu não decidi nada ainda!
A meninada continuou na puerilidade costumeira e se concentrou em torno de Eva e Bill, que pareciam emocionados com aquela alacridade juvenil. Berenice aproveitou a ocasião e notando que Johnny estava sozinho, aproximou-se dele, dizendo com carinho:
- Eu estava morrendo de saudades querido! Por que você demorou tanto de chegar?
Johnny olhou ternamente para menina e não conseguiu sustentar a mentira:
- A verdade é que fiquei com ciúmes, vendo você e Luis juntos. Resolvi dar um tempo para dissolver esse sentimento negativo. – Disse o garoto, sendo sincero com sua namorada, para depois acrescentar:
- Afinal, ninguém tem culpa de nada!
- É verdade! - Concordou a garota, admirada com a maturidade daquele menino, que não tinha, ainda, completado os seus treze anos de idade. Johnny e Berenice ficaram silenciosos por alguns segundos, sem dizerem nada um ao outro. Os dois jovens tinham sido acometidos pelo doce encanto do primeiro amor e, trocando olhares de ternura nesses breves instantes, esqueceram-se do mundo a sua volta. Enquanto isso, o resto da garotada concentrava sua atenção em Eva Marli e Bill Elliott, que eram as novas vítimas dos jocosos amigos.
Johnny e Berenice permaneciam afastados de tudo aquilo, mergulhados num dilema, que parecia sem solução. Depois de um forte suspiro, a menina começou a considerar sua situação naquele triângulo amoroso e, após um curto momento de reflexão, uma idéia lhe veio à cabeça:
- O que você acha da gente pedir, para Eva dizer a Luis que estou apaixonada por você, e que sofro com a sua indiferença? Assim ele fica sabendo que não tem chance comigo!
Johnny sorriu para Berenice e respondeu contente:
- Ótimo! Eu acho que seria a solução ideal! Como Luis é um cara legal, na certa irá me informar dessa ocorrência! Então direi a ele, que também gosto de você, mas que me afastei por respeitar os sentimentos dele!
-Isso mesmo! Com certeza ele irá compreender o nosso dilema! – Completou a menina com alegria.
Depois de avaliar aquela determinação, o garoto perguntou:
- Estamos decididos?... Vamos por o plano em ação?!
- Claro que sim! Amanhã irei conversar com Eva!
- Apesar de contente com a súbita disposição da garota, Johnny ficou um tanto apreensivo com aquela solução. Sabia que Luis estava totalmente apaixonado por ela e jamais escondeu isso dele. Havia confessado seu fascínio pela menina, no primeiro dia em que eles se reencontraram. Depois de meditar sobre a situação, o garoto perguntou com ansiedade:
- Quando você acha que Luis deva ser informado por Eva?
- Após o São João, irei viajar com meus pais, para visitar minha avó em Belo Horizonte. Ficarei uma semana fora e, nesse tempo, Eva deixará Luis ciente de tudo. Quando eu voltar, saberemos o que fazer.
Johnny ficou aliviado com a decisão de Berenice. Parecia que, finalmente, aquele problema tinha terminado. Agora era só relaxar e esperar. Lembrou-se do que dizia o seu pai, a respeito das dificuldades da vida: “Todo problema tem solução! Problemas existem para serem resolvidos! Uma vida sem problemas é um tédio total”. Lembrou-se também do ditado popular: “O que não tem remédio, remediado está!” Nesse momento começou a sentir uma onda de carinho a envolver a sua alma e sentiu uma súbita vontade de cobrir de beijos, aquela delicada menina. Afagou as mãos da garota e, discretamente, beijou o seu rosto. Os dois enamorados perderam-se num doce encantamento e, por alguns instantes, esqueceram-se do resto da turma. De repente uma nova algazarra recomeçou, com a decisão de Eva Marli em namorar Bill Elliott, despertando Johnny e Berenice do entorpecimento em que estavam acometidos.
Nesse momento Mipai, que permanecia calado durante as felicitações do novo casal de namorados, levantou-se abruptamente do banco onde estava sentado e, despedindo-se de todos, saiu apressado, alegando um compromisso, que havia se esquecido.
Edgar ficou surpreso com a brusca decisão de Mipai. Lembrou-se que, desde o momento em que ele encontrou as meninas, tinha ficado cuidadoso e permaneceu comportado durante toda a noite. Achou aquela conduta muito estranha, pois o garoto se manteve num procedimento irrepreensível o tempo todo. Falava com delicadeza, se abstendo de duas terríveis gozações; compondo com isso, uma situação diferente que não era peculiar à sua pessoa. Nesse mesmo instante, Edgar percebeu que o indiferente Mipai tinha, finalmente, se interessado por uma garota. Ele e Bill Elliott cortejavam Eva Marli desde o início da noite e, quando entendeu que tinha perdido a disputa, desapareceu dali imediatamente, para ninguém notar o seu fracasso.
Johnny e Berenice aplaudiram a decisão de Eva Marli e entraram no clima de brincadeiras daquela meninada feliz. Nesse momento, o alto falante do parque anunciou mais uma dedicatória da noite:
- Essas belíssimas notas musicais vão para Berenice Muniz Spencer! Quem lhe dedica é um rapaz, que a ama apaixonadamente!
Novas algazarras e pilhérias. Desta vez a turma concentrou sua atenção em torno de Berenice, que surpresa com o fato, logo percebeu que a dedicatória vinha de Johnny, pois a música tocada era Ruby, uma bela composição executada por Les Baxter e sua Orquestra, a qual eles ouviram pela Voz da Cidade, naquela sublime manhã, quando os dois trocaram o primeiro beijo de amor. A turma queria saber quem era o misterioso pretendente e fixou sua atenção em torno de Luis Augusto, que balançou a cabeça dizendo:
- Não fui eu quem dedicou a música e lamento não ter tido essa idéia!
- Procurar descobrir, vai ser difícil, pois Berenice tem muitos admiradores! – Disse Eva Marli abraçando carinhosamente a amiga. Nesse momento Norma avistou um colega do Colégio Estadual e acenou para ele, convidando-o para sua companhia. Era um belo garoto de quinze anos, bastante simpático e de apurado senso de humor, chamado Anatólio Meira Magalhães. Estava acompanhando seu irmão pelo parque, um menino de seis anos, de jeito arredio e olhar enfezado. Norma alisou os cabelos da criança, perguntando com carinho:
- Então Éden, está gostando da quermesse?
- Estou! – Respondeu o garoto, timidamente.
- Claro que está! Fui obrigado a trazer o pirralho, senão meu pai me corta a mesada! – Disse Anatólio, fingindo estar aborrecido. Depois virou para a turma e disse sorrindo:
- Não levo jeito para ama seca!
Norma balançou a cabeça, protestando:
- Deixa de bobagens, Anatólio! Um menino tão bonzinho...
- Quer ele para você?!... Toma, leva!
- Só se você vier junto! - Respondeu a garota, maliciosamente.
Berenice se aproximou do garoto e lhe deu um bombom de chocolate, dizendo:
- Eu gostaria de ter um irmãozinho assim. Levaria ele para passear todos os dias!
Anatólio deixou o menino com as garotas e ficou conversando com Bill Elliott, interessado na sua coleção de histórias em quadrinhos, denominada “O Guri”, cujos primeiros números começaram a ser publicados, após o final da Segunda Guerra. Os dois amigos tinham bastantes afinidades entre si e ambos estudavam Inglês, sem ajuda de nenhum professor. Para fazer uma boa figura de si mesmo perante as garotas, Bill Elliott começou a falar em Inglês com o companheiro, deixando a meninada pasmada com a novidade. Norma observando a pretensão dos garotos alertou:
- Acho melhor os dois não cantarem de galos, pois alguém aqui, presente, fala fluentemente a língua inglesa!
- Quem é essa pessoa? – Perguntou Anatólio curioso.
- Quem?!...Ora essa: minha amiga Berenice! – Adiantou Eva Marli, abraçando a garota.
- Parabéns moça! – Cumprimentou Anatólio, elogiando a menina.
- Hoje em dia a língua inglesa é mais importante do que a francesa! – Disse Bill Elliott, que indagou em seguida:
- Onde você estudou Berenice?
- Em casa com meu pai, que é inglês de nascimento. Aliás, aprendi a falar Inglês e Português ao mesmo tempo e fui alfabetizada nas duas línguas, na mesma proporção!
- Você já viajou para fora do Brasil?
- Sim! Duas vezes para a Europa e uma vez para a Argentina e outra para os Estados Unidos!
- Puxa a vida! Fiquei com inveja de você, garota! – Disse Anatólio em tom brincalhão!
Nesse momento, o baile da pista de patins teve o seu começo, despertando a atenção da meninada para a banda, que começava a tocar, tendo Orlando como cantor, o qual exagerava seus trejeitos de artista.
A turma ficou escutando a imponente voz daquele garoto de quinze anos que, apesar de seu desempenho um tanto afetado, agradava a todos; principalmente por causa do repertório escolhido pelo professor Antonin. Depois de algum tempo naquela festividade, Luis Augusto convidou a garotada para tomar um chocolate quente na Confeitaria Cristal, pois a temperatura começava a cair naquele momento. Nesse mesmo instante, o relógio da Igreja Matriz anunciou as horas, com suas dez badaladas. Neide levantou-se subitamente do banco onde estava sentada e bradou, alarmada:
- Virgem Maria!... Eu me esqueci das horas! Prometi a minha mãe estar em casa, antes das dez!
Eu também! – Disse Luísa, um pouco preocupada.
Eduardo abraçou a namorada e aproveitou a ocasião, para largar mais uma de suas frases, extraidas de filmes melodramáticos:
- Quando estamos felizes, as horas passam depressa!
Luis Augusto tentou ponderar a preocupação de Neide e disse para a garota:
- Ainda é cedo! Tenho certeza que sua mãe não irá lhe ralhar por uns minutos a mais!
Neide apertou a mão de Edgar, se despedindo e, virando para Luis, disse em seguida:
- Ela nem tanto, mas meu pai é brabo prá chuchu! Minha sorte é que ele está no cinema e a sessão ainda não acabou! – Depois apelando para a amiga, disse aflita:
Você vem comigo, não é Norminha?
- Claro que sim! Daqui a pouco começa a festa do Tênis e a quermesse fica vazia, só restando o baile na pista de patins! – Respondeu a menina, esmorecida com a decisão da amiga.
Anatólio aproveitou a ocasião para levar o irmão para dormir, alegando que já estava tarde para o menino. Despediu-se da garotada e seguiu para casa com o irmãozinho, que estava encantado com os beijos que recebeu das meninas. Neide despediu-se de Edgar com um abraço e, juntamente com Norma, acompanharam Anatólio, que era visinho delas. Luísa resolveu ir embora também. Deu adeus à meninada e seguiu na companhia de Eduardo para sua casa.
Johnny acompanhou o restante da turma para a Confeitaria Cristal, que estava repleta de jovens da elite jequieense. Como sempre acontece nas festas populares, a juventude espera o começo do baile do Jequié Tênis Clube, naquele estabelecimento. Luis Eduardo e Berenice conduziram a turma para a única mesa vazia, que ficava nos fundos da sala, sem nenhuma visão para a praça. Johnny se sentia aliviado, pensando na solução apresentada pela namorada e ficou tranqüilo na companhia dos amigos, que aos goles de chocolate quente, mantiveram uma animada conversa. Meia hora depois Berenice alertou a Eva Marli, que estava chegando à hora delas se retirarem. Os garotos acompanharam as meninas até a casa de Berenice, na Rua da Itália. Na hora da despedida, a garota perguntou preocupada:
- Johnny vai sozinho para casa?
- Não, ele vai comigo, pois somos vizinhos! – Respondeu Edgar
Bill Elliott tranquilizou a menina:
- Eu e Luis acompanharemos os dois, até o largo do Maringá, depois eles seguem sozinhos.
Tudo bem! – Respondeu a menina, acrescentando:
- Que os anjos os acompanhem!
- Fiquem com vocês também! – Bradaram os meninos numa só voz.
Um sereno gelado começou a cair subitamente, e os garotos partiram para suas casas, a passos rápidos, no momento em que, o relógio da matriz anunciava as horas com suas onze badaladas.

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