J. B. Pessoa
Capítulo - 35 do livro "Guris e Gibi"
O mês
de maio é o mês de Maria.
Esta
frase, que tem sabor de poesia, era ouvida constantemente durante as novenas
dedicadas a Nossa Senhora, pelas vozes juvenis do coral da Paróquia de Santo
Antonio. As noites são belas, cheias de luzes, parecendo estar sendo
prestigiadas com a doce presença da Mãe de Jesus. Era o que dizia o padre
Climério, tendo a sua fé confirmada pelas demais senhoras, que compareciam
todas as noites na igreja matriz, para o ato religioso.
Durante
todo o mês, logo após o jantar, muitos jovens apareciam na igreja, formando um
verdadeiro encontro social. Enquanto alguns, contritos na sua devoção, rezavam
em companhia das suas famílias, outros surgiam apenas para rever amigos ou
simplesmente ouvir as novas intrigas politiqueiras, daquele ano de eleições.
Trajando seus melhores ternos, os jovens ficavam sempre passeando pelo pátio ou
estacionados nas laterais da igreja, observando as moças casadoiras, sob a
eterna vigilância das mães e avós. A garotada também comparecia à igreja nas
noites de novenas. Não com a intenção de rezar, pois os objetivos eram
semelhantes aos dos rapazes; mas para ver as meninas e reencontrar os amigos de
outras escolas, marcando suas peladas no areão do rio ou ficar sabendo dos
acontecimentos diários do seu mundo juvenil.
Usando
o pretexto de acompanhar a sua mãe, Orlando comparecia todas as noites à igreja
matriz, onde se encontrava com Eduardo, Edgar, Luis e Johnny, na companhia de
grande parte da costumeira garotada jequieense; alguns dos quais, faziam parte
da cruzada paroquial. Edgar deixou claro que, a suas repentinas idas à igreja
era devido o seu namoro com Neide. Para a garotada em geral, o motivo dessa
constante devoção era o coro juvenil da igreja, onde a bela pianista Celina
Lopes acompanhava ao órgão a fascinante Berenice Spencer e as demais
maravilhosas meninas daquele coral.
Em uma
bela noite de domingo, quando se comemorava o Dia das Mães, os garotos se
encontraram em um dos pátios laterais da igreja, próximos à porta que dava
visão para o coral das meninas. Orlando era o mais animado. Apesar da rígida
descompostura sofrida de Berenice, ele continuava petulante em relação a
Eduardo. Agora na certeza de que a sua irmã de leite, jamais daria confiança
àquele metido a conquistador, ele poderia tratá-lo com menosprezo. Pensando
assim, passou a limitar, não só a Eduardo, mas toda a turma com certo
esnobismo, bajulando apenas a Luis Augusto, a quem respeitava, por acreditar
que teria algumas vantagens nisso. A turma estava estacionada naquele local,
por um bom tempo, proseando sobre diversos assuntos, quando apareceu Bill
Elliott com alguns garotos do centro e a conversa descambou para o futebol,
devido ao fato da copa do mundo estar prestes a ser realizada.
Os
garotos estavam entusiasmados. O otimismo dos comentaristas das principais
emissoras de rádio primava pelo ufanismo, contagiando com seus prenúncios a
eufórica torcida brasileira, convencendo a todos, de que o Brasil seria campeão
do mundo naquele ano. Johnny ouvia a opinião de todos sem emitir a sua, pois
entendia
pouco
de futebol. Enquanto os meninos aderiam ao contentamento reinante entre a
maioria dos torcedores, Eduardo parecia acabrunhado, não vendo com bons olhos,
aquela prematura comemoração. Bill Elliott notando o amigo taciturno, quieto em
seu canto, perguntou:
- O
que está acontecendo com você, meu camarada? Até agora não ouvimos nenhum
comentário seu a respeito da copa do mundo!
O
garoto olhou para todos e disse com certa preocupação:
- É
que todo mundo está comemorando antecipadamente uma vitória que, com toda
certeza, vai ser difícil de ser ganha pelo Brasil!
- Por
que você diz isso? – Perguntou Edgar, que sempre acatava a opinião do amigo,
quando o assunto era futebol.
-
Ora!... Ele quer agourar a nossa sorte esse ano! – Afirmou Orlando com desdém.
- Não
se trata disso! – Protestou o garoto com convicção, que discerniu no momento, o
seu ponto de vista:
-
Vocês se lembram da última copa?! Que decepção não foi? E olha que ela foi
realizada aqui mesmo no Brasil, com todas as chances de ser ganha pela Seleção
Brasileira, deixando a taça com a gente por quatro anos!
É
verdade! Segundo meu pai os jogadores pecaram pelo excesso de otimismo! – Disse
Luis Augusto corroborando com a opinião do amigo.
Aquela
afirmação caiu como um balde de água fria na conversa da garotada, que estava
quente pelo exagero dos prognósticos. Os garotos ficaram pensativos, temendo a
possibilidade de repetir a derrota anterior. Na verdade, a preocupação de
Eduardo estava baseada no fraco desempenho da Seleção Brasileira no Campeonato
Sul-Americano, realizado um ano atrás em Lima, capital do Peru, no qual o
Paraguai foi campeão, ficando o Brasil em segundo lugar; e também pelo fato de,
apesar de ter saído invicto das eliminatórias, as vitórias vieram com algumas
dificuldades, deixando apreensiva a torcida mais realista do país. Nesse
momento o coral começa a cantar uma bela cantiga, homenageado as mães e
exaltando a Mãe de Jesus. Imediatamente, a atenção dos garotos volta-se para as
meninas, esquecendo momentaneamente do assunto que era freqüente em todos os
cantos do território nacional. A garotada e todas as pessoas presentes no
recinto ficaram fascinadas com a suavidade daquela majestosa polifonia,
executada com brilho pelas meninas do coral. Logo após o ato musical, um
seminarista dissertou sobre a sublimidade feminina, no papel de ser mãe e da
sua árdua missão no desenvolvimento de uma sociedade moralmente conscienciosa.
A
novena daquele domingo demorou mais do que nos dias comuns. Os fieis estavam
saindo da igreja, quando a sirene do Cine Bonfim apitava o seu último chamado,
deixando apressado o pessoal que queria assistir às sessões dos dois cinemas.
Edgar avistou Neide na companhia de sua mãe, que acenou para ele, convidando-o
para estar consigo. O garoto despediu-se dos amigos e foi ao encontro da
namorada. Johnny foi se despedir de sua mãe e irmã, que foram para casa e,
acompanhado de Luis, Eduardo e Orlando ficaram na escadaria da Igreja esperando
pelas meninas, que logo depois aparecem, despejando alegrias naquela noite
enluarada.
Berenice
e Eva Marli resolveram passar pela porta do Cine Bonfim para ver os cartazes de
um filme romântico, que estava sendo muito comentado na cidade. Orlando torceu
o nariz e fez careta, com a simples menção do título do filme. Tratava-se do
melodrama mexicano “A Mulher sem Lágrimas” com a atriz Libertad Lamarque, que
também fazia muito sucesso como cantora. Berenice, que gostava muito daquela
artista argentina e possuía alguns discos seus, lamentou:
- Que
pena a gente não ter idade para as sessões da noite!
Eduardo
aproveitou o momento para entrar nas graças da menina, dizendo:
-
Estou muito chateado com isso, pois eu também pretendia ver essa fita!
- Ué,
você gosta de filmes de amor? – Pergunta Eva Marli, surpresa com a afirmação do
garoto naquele momento.
Eduardo
sorriu satisfeito, dizendo sem o menor pejo:
- Não
perco um! Principalmente os de Libertad Lamarque! Vocês não se lembram de que
as conhecemos após o final da matinê, onde assistimos ao filme “O Direito de
Nascer”?
- Ah
sim, é verdade! – Disse a garota, recordando-se da tarde em que fez amizade com
os meninos.
Indignado
com a mentira de Eduardo, Orlando vira-se para Johnny e lhe diz ao pé do
ouvido:
- Olha
aí, o otário se entregando, dando uma de maricão!
Luis
Augusto, percebendo a esperteza do amigo, contra-ataca:
- É
uma excelente película! Se você quiser, a gente pode assistir na matinê de
terça-feira!
- Você
tem certeza que o filme será exibido nessa tarde? – Perguntou a menina,
contente com aquela possibilidade.
- Com
toda a certeza! Nas terças-feiras, os dois cinemas exibem em suas matinês, os
filmes que passam no domingo em soirée. – Afirmou Luis, sentindo que aquela era
a sua chance de ficar a sós com a garota.
Notando
a estratégia do garoto para ficar com Berenice, Eva Marli diz para a amiga:
- Nós
temos banca de estudos marcados na terça-feira à tarde!
- Puxa
a vida! Eu tinha me esquecido disso! – Disse a garota percebendo a ardileza da
amiga. Ela queria realmente assistir o filme, porém na companhia do seu
namorado.
Luis
Augusto sorriu com discernimento e disse com gentileza:
- É
uma pena! Fica para outra ocasião. Afinal, “primeiro a obrigação e depois a
devoção”!
A
turma ficou por um momento em silêncio, olhando a programação da semana. De
repente Johnny se lembrou de um pequeno detalhe. Chamando as meninas em
particular, afirmou que um menor de quinze anos e maior de dez, podia entrar no
cinema à noite, se estiver acompanhado por um adulto responsável. A seguir
assegurou para as garotas:
- Se
vocês quiserem assistir o filme agora à noite, eu mando chamar meu pai, que é
comissário de menores e ele põe vocês duas para dentro do cinema, sem pagar
nada!
- Você
faria isso para gente? - Perguntou a garota, alegre com a novidade.
-
Claro que sim! Você entra com Eva Marli e eu vou com Orlando avisar seus pais,
para que eles não fiquem preocupados com a demora de vocês.
A
garota adorou a idéia e sua amiga também. Naquele momento as luzes da sala de
projeção estavam sendo apagadas e se ouvia a música de abertura, que era o tema
daquele cinema. Johnny conversou com seu pai e o Senhor Miguel fez entrar no
cinema, não só as meninas, mas toda a turma; só ficando de fora Orlando, que
foi incumbido por Berenice de avisar a sua família e a da amiga, que elas
chegariam mais tarde em casa e providenciar o transporte para elas.
Orlando
se despediu das meninas e saiu do cinema bufando de raiva. A simples idéia de
deixar as garotas na companhia daqueles metidos a bacanas doía-lhe os nervos. -
“Bando de mariquinhas! Onde já se viu um homem de verdade, gostar de uma
porcaria daquelas?” - Pensava e perguntava a si mesmo a todo o momento. Sentiu
vontade de ir para casa, não dando recado algum. Porém, se tratava de Berenice
e ele não queria perder as boas graças da menina. Restava-lhe agora tirar
partido da situação e se apresentar como um bom rapaz, amigo daquelas distintas
famílias.
Quando
o pessoal saiu do cinema, logo após o final do filme, encontrou o velho Xavier
e o cadilac de prontidão. Berenice fez questão de conduzir todo mundo até as
suas residências. Levou em primeiro lugar a sua amiga; a seguir despachou
Eduardo e Luis em suas casas, deixando por último Johnny e seu pai. A garota
aproveitou a oportunidade para agradecer ao comissário de menores pela
gentileza e tecer elogios ao seu filho. O Senhor Miguel ficou adorando a
menina, congratulando a mesma pela sua esmerada educação. Depois das
despedidas, Berenice entrou no carro e seguiu pela rua, em direção ao centro da
cidade.
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