J. B. Pessoa
Capítulo - 25 do livro "Guris e Gibis"
O
velho Manequito acordou bem cedo naquela manhã. Estava ruminando um ódio mortal
pelos seus inimigos; principalmente por um negrinho atrevido, sem eira e nem
beira, que teve a audácia de desafiá-lo. Quanto ao pai de santo, ele planejava
denunciar as autoridades competentes, como um ladrão de animais domésticos.
Afinal o seu pastor alemão, cão de pura raça, de alto valor aquisitivo, vivia
em liberdade pelo terreiro do Pai João, no meio daqueles candomblézeiros. Estava
determinado em por um fim na palhaçada, que aqueles moleques impertinentes
denominavam torneio juvenil de futebol. “Com cachorro ou sem cachorro, eles
veriam o que é bom para tosse”. Pensando assim, o encrenqueiro foi procurar
ajuda de dois afilhados, que moravam próximo ao Posto de Manoel Antonio e de
três arruaceiros, que o ajudava na falsificação e distribuição de bebidas. Ele
pretendia acabar com a recreação da meninada pela violência.
Aquele
domingo amanheceu esplendoroso com um sol radiante. Pela madrugada caiu uma
fria neblina a qual suavizou o calor, que retornava à cidade, após a chuvarada
acontecida dias atrás. A meninada cuidava dos últimos detalhes do torneio de
futebol promovido por eles, naquele campinho da área dos seus quintais. Estavam
animados, pois era a primeira vez que os garotos conseguiam promover um evento
daquele porte. Livres da ameaça que os perseguiam, puderam realizar o velho
sonho de ter um campo próprio, onde pudesse convidar outras turmas para uma
recreação, que era a predileta de todos. Só faltava a sede. Entre várias
opiniões, Mamãe Eu Quero propôs que fosse construída de madeira, no estilo do
clube do Bolinha, personagem dos quadrinhos, criado, juntamente com a
Luluzinha, pela cartunista americana Marjorie Henderson Buell, cujas
historietas a meninada lia na revista “O Guri”, publicada pela editora “O
Cruzeiro”. Johnny achou a idéia formidável, pois adorava as aventuras dos dois
pirralhos. Os dois garotos começaram a analisar a empreitada, trocando
apreciações a respeito do assunto, quando notaram os olhares do resto da turma,
numa atitude de zombaria. Mipai, fingindo seriedade, disse caçoando dos dois:
- Vai
ser lindo! Imagino que na porta da sede do nosso campinho, os dizeres em letras
graúdas: “Menina não entra!”
- É devera!
Ao invés de um clube de futebol, teremos um antro de bestalhões! - Acrescentou
Nêgo e virando para Johnny disse mangando:
- Até
você meu camarada!... Vá lá que você acredite em cegonhas! Mas assim já é
demais! Clube do Bolinha!... Onde já se viu?!
Géo,
entrando no clima de gozação, disse em tom de mofa:
-
Daqui a pouco as turmas dos quatros cantos da cidade vão dizer que a gente é
veado!
Mamãe
Eu Quero, irritado pelo descaso da sua idéia, tentou argumentar a seu favor
avaliando as críticas de maneira positiva. Enquanto isso, Johnny
permanecia
calado, se esforçando para não perder a calma, pois o caso da cegonha ainda
estava muito latente. Ele só não se tornou vítima das chacotas de sua turma,
pela interferência de Edgar, alegando que a inocência do menino era fruto de
uma boa educação familiar. Que essas coisas só se aprendem com o tempo e que
todo mundo ali já passou por situações semelhantes. O garoto, depois de
respirar fundo, disse calmamente:
-
Estou apoiando Mamãe Eu Quero no que se refere ao senso prático, e tenho
certeza que foi isso o que ele pensou também, pois na serraria da Rua Curral
dos Bois jogam muitas tábuas fora, que não sevem para eles. Essas tábuas dão
pra a gente usar e fazer uma boa cabana, gastando pouco dinheiro, o resto...
- Macacos
me mordam! – Disse Mipai, interrompendo Johnny e parando com a gozação,
acrescentou:
- É
uma boa idéia! Eu tenho um primo que trabalha nessa serraria! Ele pode arranjar
pra gente a madeira que a serraria jogar fora!
Edgar
e Pocino gostaram da idéia e Pé de Pata ficou de arranjar umas telhas na olaria
do tio, que ficava nas proximidades da Rua Curral dos Bois, perto da Rua
Cansanção, o subúrbio mais afastado da cidade na zona oeste, perto do povoado
denominado de Curral Novo.
Os
garotos esqueceram as gozações naquele momento e começaram a articular os
planos para uma futura sede, na certeza de que tudo daria certo, no tempo
certo.
- Nós
podemos fazer uma rifa e ganhar bastante dinheiro, para essa obra! – Completou
Mamãe Eu Quero, ainda um pouco aborrecido com as gozações, mas se animando com
o rumo da conversa.
- Puxa
a vida!... Será que esse biribano não diz alguma coisa que presta! – Disse
Nêgo, querendo retornar mais uma sessão de pilhérias. Depois perguntou ao
menino com descaso:
-
Rifar o que otário, se nós não temos nada de valor?
-
Rifar o teu cu, seu gázeo sacana e não vai faltar quem queira comprar um
bilhete, pensando em te enrabar, seu veado!
-
Rifar o teu, pois conheço muito pederasta que gosta de cu de menino!
- Olha
o respeito, cambada! Vamos parar com essa conversa de xingamentos e de palavras
de baixo calão, que não fica bem para a diretoria de um clube que está sendo
fundando! – Gritou Edgar, que detestava os termos chulos, muito comuns entre a
meninada.
- É
devera e a gente tem que dar o exemplo se quiser o respeito de outras turmas –
Concluiu Porcino.
Os
garotos pararam com as gozações, tão peculiares àquela turma de pândegos e
trataram de por as mãos em obras, para deixar o campo pronto, antes das nove
horas, na qual estava definido o início do primeiro jogo.
A área
do campinho era um pouco maior do que a metade de um campo oficial. Nele foram
colocadas duas traves sem rede, cuja dimensão correspondia à estatura de uma
meninada entrando na adolescência. Não tinha grama e
quando
chovia ficava empoçada de lamas. O pai de Pé de Pata conseguiu trazer na
caçamba da prefeitura, uns carretos de areia do rio, que foi esparramado na
área, para deixar o terreno mais fofo e amenizar as possíveis quedas dos
jogadores. Todos os moradores das adjacências estavam cientes do grande
acontecimento e estavam colaborando com a meninada. Os guardas municipais
Martins e Belmiro encarregaram-se do policiamento e o Sr. José Vaz Sampaio fez
questão de apitar as partidas.
Os
expectadores foram chegando aos poucos e, no início da primeira partida eram
tantos que surpreendeu a própria turma que promoveu o torneio. Até Seu
Valdomiro Roleteiro estava presente no local, com seu carro de mão, vendendo
roletes e Seu Hildebrando pipoqueiro fazendo um bom negócio com suas deliciosas
pipocas, despertando inveja em Orlando, que lamentou não ter trazido o seu
mingau baiano.
Oito
times se inscreveram no torneio e todos estavam encamisados. Foi fácil para a
garotada conseguirem suas camisas naquele ano de eleições, com tantos candidatos
a vereadores e deputados. Além disso, havia os candidatos a prefeito e
governador. O Sr. José Sampaio, com sua novíssima câmara Kodak, tirou várias
fotografias de todos os times, com seus jogadores fazendo pose de craques. Eram
eles: O Lagoa Dourada de Tõe Pocino, vestindo a camisa do Ipiranga de Salvador;
O Cururu Esporte Clube, com a camisa do Flamengo, O Siqueira Campos da turma de
Johnny, comandado por Edgar, com a camisa do Vasco da Gama, O Bariri Futebol
Clube, com A Camisa do Estudante de Jequié; O Barro Preto Futebol Clube, com a
camisa do Coríntias; O Cruzeiro Futebol Clube de Eduardo Ratinho, o único time
que tinha um campo próprio e uma sede construída, com a camisa do Cruzeiro de
Minas; O Gameleira com a camisa do Botafogo e um famoso time do centro da
cidade denominado de Areia Futebol Clube, da Rua da Areia, com a camisa do São
Paulo.
A
partida durava uma hora com dois tempos de meia hora. Naquele dia haveria
quatro partidas e os perdedores seriam eliminados. Se desse empate iria aos pênaltis.
A decisão do torneio seria no próximo domingo, com as duas semifinais e a
final, quando todos ficariam sabendo quem seria o campeão.
Às
nove horas em ponto, o juiz apita dando início a primeira partida, entre os
times de Edgar e o Barro Preto Futebol Clube, em meios de vivas e hurras das
suas torcidas. Johnny recusou a convocação de Edgar, alegando que seu
desempenho, semanas atrás, no areão do rio contra a Caixa D’Água, foi pura
sorte e que ele não tinha a competência para um jogo importante como aquele.
Edgar compôs o seu time com alguns garotos moradores da rua, que não fazia
parte da sua turma, os quais ficaram muito honrados com convocação. Uns minutos
antes do começo do jogo chega Manequito com sua corja de desordeiros, e fica
boquiaberto com tanta gente prestigiando o evento, daquela odiada meninada.
Achava que seria um simples baba e que ele botaria para correr todos os
moleques do lugar. Ele ficou pasmo ao ver tanta gente, além de distintos
cidadãos, como o Sr. Gustavo Pereira Viana, gerente do Banco da Lavoura e sua
família que, de visita ao primo irmão Miguel Viana Pereira, se
encantou
com o torneio da meninada. Além disso, havia seus visinhos e vários guardas
municipais, amigos Francisco Dias de Souza, pai de Pé de Pata, como Martins,
Benigno, Belmiro e Zé Freire. Não se atreveu a cometer nenhuma imprudência,
principalmente ao constatar que o famoso Zé Sampaio, homem de valentia
comprovada, participava do evento. Recolheu-se na sua insignificância e entrou
em sua casa, esperando uma próxima oportunidade para concluir sua vingança. Os
dois afilhados e os três sujeitos que trabalhava com Manequito ficaram pelas
imediações, observando o torneio da garotada.
Johnny
e Luis Augusto estavam se divertindo a valer. Eles também ficaram admirados com
o sucesso do evento. Sentados nos tamboretes da casa de Johnny, na companhia de
seus pais, no fundo do quintal, puderam apreciar aquele acontecimento, que
estava sendo prestigiado pelos moradores do lugar.
Os
subúrbios jequieenses eram totalmente desprovidos de áreas de lazer, ficando os
mesmos na dependência da imaginação de seus residentes. A aquiescência total do
povo brasileiro pelo futebol é tida pelo fato da pobreza não precisar ter
recursos extraordinários, para praticar, o que já era o esporte mais popular do
planeta. A improvisação marcou a evolução daquele entretenimento entre os
desprovidos de recursos financeiros, que não rivalizava com nenhum outro. Os
demais esportes importados como o futebol, só eram praticados nos clubes
burgueses das cidades. Bastava qualquer objeto semelhante a uma bola pelo chão,
para a criançada começar a disputar a brincadeira na hora. Os garotos pobres,
que não dispunha de dinheiro para comprar uma simples bola de borracha, acabou
inventando a bola de meia, uma confecção grosseira feita de panos velhos,
embutidos em velhas meias, costurados a mão pelos mais lépidos artesãos
juvenis. A adaptação natural daquele arquiteto acabou gerando mais invenções da
meninada, que foi o campeonato de bola de meia e mais dois jogos resultantes do
invento: As duplas e as baladas, praticadas com dinamismo pelos meninos, as
quais Johnny acabou tornando-se um hábil jogador.
Havia
uma planta natural da região de Jequié, chamada de maniçoba. Ela produzia um
látex semelhante à seringueira que, nos áureos tempos da borracha vegetal, foi
comercializada na cidade e exportada para outros países, despertando interesses
dos ingleses, que aqui fundou a Jequieh Rubber Corporation, cuja matriz ficava
em Jequié e a filial em Londres. Essa empresa acabou sendo desativada, quando
logrou o comércio da borracha em terras brasileiras. Essa planta já era
conhecida dos nativos da região, os quais extraíam o látex e fabricavam vários
produtos, entre eles as bolas de maniçobas, que eram comerciadas na feira de
Jequié. A meninada usava essas bolas em suas peladas, pois eram baratas. De
compleição totalmente inferior às bolas de borrachas, fabricadas em indústrias
de brinquedos, elas murchavam após as primeiras partidas, tornando-se
inferiores ás bolas de meias. Os meninos arrecadavam alguns trocados e
compravam algumas para jogarem as suas partidas nas várzeas e nos terrenos
baldios, sabendo que, o tempo de duração delas seria breve. Algumas eram mais
resistentes, pois dependia da habilidade e honestidade do artesão. Os garotos
sonhavam com as bolas de couro, que eram
caras.
Havia cinco tamanhos. Do número um a menor, ao número cinco que era a bola
oficial de futebol. Porém essa era um pouco grande para uma garotada na faixa
dos treze anos de idade.
O
grande desafio da turma da Siqueira Campos, agora que julgavam livre das
imposições do velho Manequito, era construir a sua sede e comprar uma bola de
couro número cinco. O jogo de camisas do Vasco da Gama foi conseguido por
intermédio do Sr. Gustavo Viana, pai de Luis Augusto, doado pelo prefeito
Antonio Lomanto Júnior. Quase todos os times que participavam daquele torneio
tinham sua própria bola. Exceção era justamente da turma daquela periferia:
Siqueira Campos, Cururu, Barro Preto e Bariri. Tõe Porcino conseguiu a bola para
seu time, como presente do seu padrinho, o Dr. Humberto Bruni Mariotti, médico,
fundador da primeira maternidade da cidade.
A
primeira partida daquele domingo foi vencida pela Siqueira Campos pelo placar
de um a zero, eliminando seu adversário, o Barro Preto. Destaque foram para os
dois goleiros, que estiveram soberbos naquela partida. O gol da vitória coube a
Géo, cujo desempenho não foi dos melhores, mas foi aclamado pela torcida e
pelos seus companheiros como verdadeiro herói.
Johnny
e Luis Augusto foram felicitar Edgar e todo o time pela vitória; deram um forte
abraço em Géo e congratulou o goleiro, um garoto de quinze anos, pertencente a
uma família remediada, que morava no início da rua, perto do Largo do Maringá.
Edgar virou para Johnny e Luis e o apresentou efusivamente:
-
Turma, esse aqui é o meu amigo Bill Elliott, o melhor goleiro que conheço!
Era um
rapaz ruivo, chamado Andrea Leto Eliotti, que foi apelidado com o nome do
famoso astro cowboy hollywoodiano, devido à semelhança dos sobrenomes. Cursava
a quarta série ginasial no Ginásio de Jequié e era benquisto por todas as
turmas do Joaquim Romão. Seus pais eram filhos de italianos, daí o seu nome de
batismo, que ele detestava, pois no Brasil estava se tornando um nome feminino.
- Eu o
conheço, pois moramos próximo um do outro. – Disse Luis, apertando a mão do
jovem rapaz, que acrescentou:
- Nós
estamos sempre negociando as nossas revistas.
- É
verdade e nossos pais são amigos! – Completou Bill e virando para Johnny disse:
- Meus
pais também conhecem os seus, pois fazem parte da Congregação Mariana. Eu lhe
conheço de vista, da igreja e das portas das matinês.
Johnny
cumprimentou Bill com um forte aperto de mãos. Nesse momento, Orlando e Mipai
se aproximaram da turma e, como os dois não perdiam uma oportunidade para
iniciar uma sessão de gozação, foram logo à ação. Orlando assegurou em alto e
bom tom:
- Bill
Elliott é o maior CDF da cidade!
-
Maior até do que Johnny e Luis – Concluiu Mipai.
Orlando
era um velho conhecido do jovem e foi ele quem colocou o apelido de Bill
Elliott em Andrea, quando os dois cursavam o primeiro ano primário na escola
particular da professora Ferreirinha. Andrea gostava tanto do seu apelido, que
até algumas professoras o tratava de Bill. Grato ao amigo pelo alastramento do
glamoroso cognome, livrando-o do constrangimento provocado pelo seu nome de
batismo, Andrea, aliás, Bill Elliott perdoava o companheiro de certas
irreverências. Olhando para Orlando, disse sorrindo:
- Meu
amigo, ninguém é perfeito! O que posso fazer? Eu gosto de estudar!
Principalmente Matemática! Sou viciado nos estudos, e daí?!... Mas não se
preocupe, que essa doença não pega! Se pegasse, você não estaria ainda no
quinto ano primário!
Eduardo,
que havia se aproximado com o resto da turma, aproveitou a oportunidade para
desdenhar Orlando, dizendo com ironia:
-
Certas pessoas são relaxadas com suas obrigações!
- Está
certo meu amigo, pois para um bom entendedor, meia palavra basta. A gente só
estava brincando! - concluiu Mipai, que acrescentou:
- O
importante é que somos todos amigos e o nosso torneio é um sucesso total!
Orlando
ficou calado, pois sabia que Eduardo não tinha se esquecido da sua indignação,
quando soube que aquela turma de plebeus tinha feito amizade com a princesa
Berenice, e da ofensa cometida por ele, em relação à pretensão do garoto em
namorar a menina.
A
garotada ficou papeando por um bom tempo e o assunto descambou para o futebol,
com opiniões delirantes de alguns e razoáveis de outros. Afinal, aquele era um
ano de copa do mundo e todos estavam ainda injuriados com a derrota do Brasil
para o Uruguai, na copa anterior em pleno Maracanã. Após algum tempo de animada
palestra, o Juiz do torneio apitou, convocando os times que iriam jogar a
próxima partida.
Eram
dez horas e quinze minutos quanto o árbitro José Sampaio apitou o início do
segundo jogo, tendo os guardas Belmiro e Martins como bandeirinhas. Os times
que entraram em campo foram o “Lagoa Dourada” contra o “Gameleira”, uma equipe
fraca comandada por um garoto pretensioso chamado Solangio, que quis decidir
sozinho a sorte do seu time, sofrendo uma goleada de cinco a zero do time de
Tõe Porcino.
O
terceiro jogo foi disputado pelo “Cruzeiro” de Eduardo e o “Bariri Esporte
Clube”, que também não tinha uma sede e jogava em um campo dentro dos limites
da Fazenda Suíça, perto do Rio Jequié, denominado na área como Rio da Suíça,
que era o mesmo Rio Jequiezinho perto da sua foz com o Rio de Contas. O Bariri
era um subúrbio paupérrimo, que ficava situado no noroeste da cidade, após o Posto
de Manoel Antonio, próximo da Fazenda Suíça. A garotada que fazia parte daquela
equipe não tinha liderança e se tivesse algum destaque, não poderia ser notado
devido à falta de um trabalho em conjunto. Todos corriam atrás da bola, às
vezes, disputando com seus próprios parceiros a posse dela. Eram durões e
batiam muito, principalmente um brutamonte retardado
apelidado
de Biza, velho conhecido da turma de Edgar, o qual foi expulso de campo, vinte
minutos após o início da partida. No começo do jogo o time de Eduardo ficou um
pouco perdido, devido à natureza daquele estilo. Mas logo perceberam que se
tratava de uma equipe imatura e usando jogadas altas, conseguiram desarticular
os baririenses, vencendo aquela rústica equipe por três a zero.
A
quarta e última partida daquele domingo foi disputada pelo Areia Futebol Clube
e pelo Cururu, que contava com a maior torcida da redondeza. O Cururu entrou em
campo sendo ovacionado pela meninada, comandada por Seu Mané Fogueteiro, avô
dos três melhores jogadores do time. Uma saraivada de foguetes marcou o início
daquela partida, patrocinado pelo orgulhoso patriarca, que alardeava em alto
som, que aquele era o maior e melhor time juvenil da cidade. Nesse ínterim,
chega um famoso desportista jequieense, chamado Túlio de Paula Ribeiro, amigo e
confrade de José Vaz Sampaio, conhecido por todos como Túlio Preto. Os dois
anunciam publicamente a construção pela prefeitura de um campo oficial de
futebol, numa área vazia e desabitada, entre Largo do Cururu e a Rua Curral dos
Bois, perto do stand de tiro, do Tiro de Guerra de Jequié. Os dois haviam
lutado muito pelo projeto e agora tinha o aval das principais autoridades
municipais. Túlio foi abraçado por todos, principalmente pelo time do “Lagoa
Dourada”, onde ele residia.
O jogo
entre o Cururu e o Areia foi o mais brilhante de todos. Eram duas equipes de
bons jogadores e nas opiniões de Túlio e Zé Sampaio, os quais diziam que havia
nas duas equipes, alguns garotos com a possibilidade de ser grandes craques no
futuro. A turma da Siqueira Campos ficou sentada debaixo da mangueira, torcendo
pelo time do Cururu. No portão do único quintal com muros nas imediações, o
qual pertencia a Manequito, estavam sentados alguns comparsas do velho vilão.
Johnny reconheceu um deles como o canoeiro que delatou os garotos na roça de
melancias, rio acima do Curral Novo. Imediatamente lembrou-se de onde tinha
visto o sujeito. Chamou Edgar a parte e disse angustiado:
-
Edgar, meu amigo! Não sei se é cisma minha! Agorinha mesmo, me lembrei de onde
tinha visto aquele canoeiro. É aquele ali com os empregados de Seu Manequito!
Edgar
observou os sujeitos e depois olhou espantado para Johnny, sem entender a sua
preocupação:
- E
daí Johnny?... Qual é o problema rapaz?!
- É
que ele e o outro mulato perto dele, são os filhos da baiana que tiveram
encrenca com a gente, na noite da brincadeira do pau de merda!
-
Ôxente rapaz, não é que é devera! Bem que eu estava desconfiado! Os dois
ficaram me encarando o tempo todo, quando eu ia perguntar se eles estavam me
achando bonito, o Seu Manequito apareceu no portão e chamou os dois pra dentro!
Mamãe
Eu Quero, que estava por perto e ouviu a conversa dos dois garotos, opinou:
- Ih
rapaz, isso vai dar em merda! O Seu Manequito é o diabo em pessoa! Será que ele
quer dá uma surra na gente, pra se vingar do Pai João?
- Não
sei, não! Agora quem está cismado, sou eu! Vamos deixar prá depois do jogo que
a gente discute a questão com o resto da turma. – Opinou Edgar.
Faltava
apenas cinco minutos para acabar aquele disputado jogo e a partida continuava
animada, com os dois times se esforçando para sair do placar de zero a zero. O
Cururu contava com o apoio da sua torcida, enquanto o Areia dependia apenas do
talento de seus jogadores. Perto do final da disputa, os areenses foram
premiados com um belo gol, de um moleque de pernas arqueadas, conhecido como
Bojota. Ele era um garoto de quinze anos com uma aparência de doze. Baixo e
troncudo, tinha uma habilidade impressionante para driblar seus adversários.
Bastante estimado pelas turmas do centro, que o considerava o Garrincha juvenil
de Jequié, o seu belo gol foi comemorado até por alguns torcedores do Cururu.
Ele morava num subúrbio da zona norte da cidade, chamado “Sabocó da Ema” perto
do Campo do América. Bojota pertencia a uma turma de brigões, que dominava os
poços do Rio Jequié e era coligada às turmas do centro. Eles eram arrogantes e
não tinham nenhuma simpatia com as turmas da zona oeste. Impressionado com a
bela jogada, Mipai comentou:
-
Detesto aquele sacana, mas que ele joga bem pra porra, isso é verdade!
- Não
se preocupe que vamos acabar com a alegria dele no domingo que vem! – Disse
Pocino com desdém.
A
última partida terminou às treze horas e trinta minutos, com aclamações das
torcidas dos times vencedores. O seu Mané Fogueteiro soltou o resto dos seus
foguetes. Embora chateado pela derrota do Cururu, era adepto do aforismo, “O
importante não é vencer e sim competir”. O pessoal que assistia aos jogos da
meninada, aos poucos foi se retirando e em pouco tempo todos estavam em suas casas
e a área dos quintais ficou vazia. A turma da Siqueira Campos ficou ainda algum
tempo para recolher as traves e agradecer aos amigos José Sampaio, Belmiro e
Martins pelo apoio recebido. Depois foram todos para suas casas, já tinha
passado à hora do almoço, Além disso, ainda queriam ir às matinês daquele
domingo.
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