domingo, 22 de março de 2020

O sucesso da meninada.

J. B. Pessoa

Capítulo - 26 do livro "Guris e Gibis"


O primeiro domingo do torneio foi muito comentado pelas turmas das zonas oeste e norte da cidade. Durante toda a semana o evento foi discutido e aplaudido pela meninada, que adorava o futebol. Esse nobre esporte promovia, naturalmente, a democratização das diferentes etnias e classes sociais em torno de um só objetivo: jogar e torcer pelo time escolhido. Os componentes das quatro equipes classificadas, principalmente o Cruzeiro de Eduardo e o Areia Futebol Clube da Rua Felix Gaspar, propagaram o acontecimento pelas turmas do centro e norte da cidade, tendo as notícias sido alcançadas às turmas do Jequiezinho, na zona leste e às turmas do Mandacaru na zona sul, do outro lado do rio. No Castro Alves não se falava em outra coisa. Como era a escola primária mais importante do município, as suas salas estavam repletas das mais diferentes turmas do centro, bairros e subúrbios jequieenses, fazendo com que as noticias se espalhassem pelos quatro cantos da área urbana, despertando o interesse da meninada, que queria conferir de perto o arrojado evento.
Como aquele simples acontecimento, elaborado por uma turma de poucas limitações, atingisse proporções acentuadas, ninguém entendeu. Era só um pequeno torneio para satisfazer as aspirações de uma garotada desprovida de entretenimentos. Desde o primeiro dia, os garotos ficaram surpreendidos com tanta gente prestigiando o seu campeonato. O final do torneio ocorreu em clima de euforia, em meio da perplexidade de seus realizadores, ao constatar que, naquele dia, o número de pessoas que vieram assistir à peleja, tinha ultrapassado, de longe, o domingo anterior. Garotos de diversos lugares vieram cumprimentar a turma da Siqueira Campos, pela brilhante idéia de criar um campeonato em campos abertos, antes só realizados em áreas colegiais ou clubes sociais. Muitas turmas tinham seus próprios campinhos, mas limitavam as suas atividades em pequenas peladas e, uma vez ou outras, em desafios a grupos rivais.
Compareceram ao final do torneio Galeno Conde e sua turma de desordeiros; O Trio do Barulho, como era conhecido Alcides Zoião, Bisa e Bem-Te-Vi; Alguns garotos burgueses do cento da cidade, que tinham afinidades com as turmas do Joaquim Romão; Juvenal Peito de Aço e sua turma da Caixa D’Água, entre outros benquistos e malvistos pelas turmas daquela periferia. Tudo ocorreu na mais completa harmonia entre os diversos grupos rivais; tanto pela motivação do encontro, como também a presença maciça de diversos guardas municipais, que moravam por perto, dando boa reputação àquele evento. Mais tarde apareceu Túlio Preto, acompanhado de um candidato a vereador, que reafirmou o propósito da construção do campo de futebol, o qual seria, no futuro, um novo estádio para a cidade.
O time da Siqueira Campos estava reunido debaixo da mangueira, quando Johnny foi cumprimentá-los, os quais iriam jogar na primeira partida do dia, enfrentando o Areia Futebol Clube. O garoto, contente com tudo aquilo,
percebeu a alegria estampada no rosto de Edgar, que estava na companhia de Neide, a qual tendo conseguido burlar a vigilância dos pais, veio ao torneio, para torcer pelo namorado. Johnny sentia a falta da presença do seu primo, que era o único da sua turma, que não se encontrava entre a meninada naquele momento. Luis Augusto tinha acompanhado seus pais a um piquenique, com os funcionários do banco, ficando de encontrar com a turma logos mais à tarde, na matinê. O garoto observou admirado que, quando o time entrou em aquecimento, Géo e Pé de Pata exageravam em suas performances, para atrair a atenção das outras garotas, que chegavam ao lugar.
O árbitro Zé Sampaio, auxiliado pelos bandeirinhas Belmiro e Martins, convocou os dois times, que entraram em campo sob os aplausos de seus torcedores. Conferiu o seu cronômetro e apitou o início da primeira partida daquele domingo, às nove horas em ponto. O jogo foi bastante agressivo por parte do time do centro da cidade, que não queria perder para um time da periferia. A emoção provocada pela contenda deixou os torcedores animados, que aos gritos incentiva os seus times. Ao contrario do domingo anterior, naquela manhã, o Areia Futebol Clube podia contar com uma torcida organizada, que era composta pelas turmas do centro e norte da cidade, sendo que, naquele momento, as turmas do Jequiezinho e Mandacaru torciam pelo time anfitrião. A emocionante partida ficou no placar de zero a zero até os três últimos minutos do segundo tempo, quando Géo sofrendo um espetacular drible de Bojota, comete a imprudência de derrubá-lo na porta do gol, dando ao time adversário o presente de um belo pênalti, apitado instantaneamente pelo juiz.
O alvoroço foi grande entre as duas torcidas. Alguns garotos quiseram protestar alegando que o jogador Bojota tinha caído deliberadamente, para provocar a penalidade. Os bandeirinhas aprovaram e o juiz fez valer a sua autoridade. O próprio Bojota cobrou o pênalti e por pouco o goleiro Bill Elliott não agarra a bola, que chegou a tocar em seus dedos, não evitando, contudo, a sua penetração, sofrendo o gol. A comemoração foi grande entre os torcedores do Areia, que fizeram uma algazarra geral, tendo ainda a provocação da turma da Caixa D’Água e do Trio do Barulho. Alcides Zoião apoquentava aos gritos:
- Esse é um time de bocós!
- E Geraldo Cu de Dragão um perna de pau! – Gritou Juvenal Peito de Aço que, aos berros, alardeava o velho apelido do garoto.
Géo, quando ouviu aquela injuria, saiu do campo e quis partir para a briga, sendo contido por Johnny que, junto a outros companheiros, se esforçaram bastante para segurar o amigo. Géo odiava aquele apelido, colocado por Juvenal, quando os dois estudavam juntos, nas “Escolas Reunidas João Cordeiro”. Nesse momento Edgar parte em direção ao Trio do Barulho e é contido pelo Guarda Belmiro, que procurava amenizar os ânimos. Preocupado com o rumo dos acontecimentos, Johnny alerta o amigo:
- Deixa isso pra lá, companheiro! Lembre que somos os donos da festa! Além disso, sua namorada está aqui e você não pode se sujar com biribanos!
Tõe Porcino e Mamãe Eu Quero, que haviam chegado simultaneamente com Johnny, reiteraram o conselho do amigo. Porcino chamando Edgar e Géo à parte, diz friamente.
- Não se preocupem amigos! Depois a gente dá uma lição nesses idiotas!
O guarda Martins, notando a confusão formada, chamou a atenção do Trio do Barulho e os ameaçou com prisão, alegando a perturbação da ordem naquele lugar. Não querendo encrencas com os guardas, o Trio do Barulho tratou de sair dali sem demora; principalmente Bem-te-vi, que já havia sofrido, anteriormente, a punição de uma dúzia “bolos de palmatórias”, por parte do chefe da guarda municipal. Por sua vez, Juvenal ficou quieto em seu canto, junto da sua turma e, logo mais tarde, tratou de dá o fora daquele lugar, pois morria de medo do famoso Edgar Pé Grande.
Depois dos ânimos apaziguados, o juiz deu o reinício da partida, que instantes depois acabou com a vitória do Areia Futebol Clube, classificando o time para a partida final, que seria disputada com o vencedor do segundo jogo.
O time de Edgar saiu de campo com os jogadores chateados por terem perdido a partida e foram reunir-se debaixo da mangueira. Bill Elliott estava pesaroso por não ter agarrado aquele pênalti, dizendo aborrecido:
- Puxa turma!... Por pouco eu não agarrei a bola! Foi uma falta de sorte danada, pois eu...
- Não se preocupe com isso, que você foi o melhor jogador em campo! – Interrompeu Edgar, e tentando consolar o amigo, acrescentou: “Um dia é da caça e outro do caçador!”
Nêgo estava indignado com os descasos da turma do centro. Querendo achar um culpado pela derrota do Siqueira Campos, tentou responsabilizar Géo pela humilhação sofrida:
- A culpa foi de um retardado, perna de pau, que foi derrubar o outro na porta do gol!
Géo olhou para o garoto com bastante raiva e quando ia revidar a afronta, Bill Elliott interveio:
- Nada disso: naquele lance o gol era certo! A única alternativa era derrubar o atacante, para tentar a sorte no pênalti!
Todos concordaram com o goleiro, felicitando o garoto pela jogada. Géo olhava para Nêgo com raiva, que continuava amuado e, no momento em que ele ia dar resposta ao desrespeito do companheiro, Mipai se levanta da pedra de onde estava sentado e, apontando para um grupo de garotas, exclama:
- Macacos me mordam!... Vocês estão vendo o que eu vejo?!
Johnny olhou em direção à turma de meninas apontadas pelo garoto e distinguiu Berenice no meio delas. Estava acompanhada por Orlando e Eva Marli, que conversava animadamente com Neide. A turma ficou impressionada com a presença de duas garotas da elite, naquele torneio de pobretões, pois as meninas que estavam assistindo ao jogo pertenciam à pequena classe média do Joaquim Romão e moravam por perto. Havia os garotos remediados do centro; alguns realmente ricos, mas eles eram uma minoria que não discriminava seus
colegas do Castro Alves. Esses, porém, tinham diversas afinidades com as turmas dos subúrbios, e a paixão recíproca pelo futebol unia uma meninada à outra, que ainda não havia sido corrompida pelo orgulho e preconceito de uma burguesia provinciana.
Berenice estava esplendorosa em seu rodado vestido de cambraia branca, usando uma boina da mesma cor. As meninas tinham saído da missa e, encontrando Orlando nas escadarias da igreja, pediram para o moço acompanhá-las ao excepcional torneio. Orlando aconselhou as meninas a desistirem daquela idéia, alegando que não era um ambiente adequado para elas. Porém as duas insistiram muito e ele não teve alternativa. O motorista da família conduziu os três até o final da rua e estacionou o carro em uma pequena praça, junto ao chafariz público, perto da área onde estava acontecendo os jogos.
Eduardo ficou contente com a novidade. Percebendo a surpresa dos garotos, resolveu brincar um pouco e, fingindo presunção, disse mangando deles:
- Meus camaradas! Aquela princesa veio até aqui, para ver o papai jogar!
Os garotos entreolharam-se e caíram numa estrondosa gargalhada, ridicularizando a sua pretensão. Eduardo olhou para eles com ar de superioridade e, quando ia cumprimentar a menina, ouviu o apito do juiz convocando os jogadores em campo, para dar início à segunda partida. Lamentou a sua sorte e partiu chateado para o campo. Mipai percebendo a sua malograda intenção, disse caçoando o amigo:
- Meu camarada, se aquela princesa veio lhe ver, você tem que fazer um gol!
Eduardo deu de ombros e entrou em campo, numa corridinha típica dos atletas se aquecendo. Aproveitou o momento para fazer pose de craque em ostentosas encenações, com a finalidade de chamar a atenção das meninas no local. Um garoto do Bariri, que se encontrava por perto, percebendo a intenção de Eduardo, gritou com despeito:
- Deixa de onda que você não é de nada, seu mascarado!
Eduardo olhou raivoso para o sujeito e quando ia pedir satisfações, foi contido pelos companheiros. Mipai, do lado opositor, gritou para ele:
- Deixa estar, rapaz! Depois a gente acerta as contas com esses moleques!
A partida entre o Cruzeiro e o Lagoa Dourada foi a mais bonita do torneio. Alguns jogadores se esforçavam para fazer uma boa figura em campo, dando a impressão que a finalidade do jogo não era o gol e sim jogadas bonitas. As turmas do centro torciam pelo cruzeiro, enquanto o time de Tõe Porcino tinha a aclamação do pessoal da zona oeste. Após o início da partida, Neide e algumas meninas da Santa Luzia, acompanhadas por Berenice e Eva Marli, aproximaram-se dos garotos, e ficaram conversando com eles debaixo da mangueira. Enquanto isso acontecia, Orlando esnobava a todos, o privilégio de ter em sua companhia duas garotas de fino trato. Berenice e Eva saudaram os meninos com muita simpatia. No momento em que Neide e Berenice
conversavam com Edgar, Géo e Pé de Pata ensaiavam um pequeno flerte com as meninas da Santa Luzia. Vendo Johnny conversando com Nêgo, Eva Marli aproxima-se deles e diz delicadamente ao garoto:
- Oi sumido! Há quanto tempo à gente não se vê?
O garoto olhou admirado para a menina, pois não esperava que ela sentisse falta da sua presença e, timidamente, desculpou-se:
- Tenho estado bastante ocupado ultimamente, e depois, tem chovido muito nesse mês!
- É verdade! Não vá me dizer que a sua mãe e igual a nossa!...
- Como assim?
- Não deixa os filhos saírem de casa quando chove!
- É deveras! Fico até rezando aos domingos para que não chova; ou então se chover, que eu esteja bem longe de casa!
Eva Marli acariciou os cabelos do garoto, dizendo com gracejo:
- Você é um malandrinho! Sua mãe tem muito trabalho consigo?
- Às vezes! Porém ela é osso duro de roer e sabe como me castigar!
- Ah, isso é coisa típica das mães!
Nesse momento Berenice se aproxima e Eva Marli, maliciosamente, aproveita para sussurrar ao ouvido de Johnny:
- Você sabia que deixou certa garota, morrendo de saudades?
Johnny sentiu o seu coração palpitar de emoção. Berenice, olhando em seus olhos, recriminou-lhe numa doce ironia:
-“Se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai à montanha!”
O garoto se esforçou para dissipar sua timidez, tentando parecer o mais natural possível e, recompondo a sua postura de maneira adequada, disse sorrindo:
- Eu não esperava lhe encontrar aqui! Isso sim, que é uma agradável surpresa!
Berenice olhou delicadamente para Johnny e fingindo magoada, disse-lhe com ar dengoso:
- Eu mandei um bilhete com dois ingressos, convidando você e sua irmãzinha para a estréia da peça, que estou atuando na Casa Paroquial e você não veio me ver e nem sequer deu notícia!
- Verdade?!... Eu não recebi nada disso! Eu soube da peça por Orlando. Por quem você mandou o bilhete?
Sem aparentar surpresa, ela proferiu aborrecida:
- Por uma pessoa que vou puxar as orelhas daqui a pouco!
Berenice tinha encarregado a Orlando de entregar um envelope a Johnny, em um sábado, na véspera da estréia da peça. O garoto abriu o envelope e leu o bilhete. Enciumado, rasgou a mensagem e vendeu os ingressos a dois meninos, que gostavam de teatro. Johnny soube da novidade pelos colegas, que tinham ido à missa naquela manhã e resolveu ir ao teatro para ver Berenice. Porém, na manhã daquele domingo, o garoto acabou se comprometendo em jogar uma partida de futebol no areão do rio, contra a turma da Caixa D’Água. Jamais
conceberia que a bela menina teria se preocupado em convidá-lo antecipadamente e, se soubesse disso, ele não hesitaria: a partida de futebol ficaria sem a sua presença. Por sua vez, Berenice julgou que a ausência do garoto era devido à indiferença da meninada pelas artes cênicas.
Sentindo-se afortunado ao constatar que a menina dos seus sonhos gostava dele, o garoto relatou a sua grande aventura daquele domingo com alegria. A garota ouvia tudo, fascinada com o contentamento do menino. Aproveitando a oportunidade para insinuar um namoro entre eles, Eva Marli disse caçoando:
- Quer dizer que a minha amiga Berenice está namorando um craque goleador?
Nêgo, que estava atento a conversa, disse com despeito:
- Goleador?... Ele?! Aquilo foi pura sorte! Se ele fosse um bom jogador teria sido convocado para o nosso time!
Edgar, percebendo a intenção do garoto em provocar Johnny, intervém na conversa, dizendo:
- Johnny the Kid foi o primeiro jogador a ser convocado para o nosso time e preferiu ficar na reserva, alegando que havia outros melhores do que ele!
- Já com você foi o contrario! Implorou para jogar e acabou na reserva! – Disse Géo, aproveitando a oportunidade de ir à desforra, pela afronta sofrida anteriormente.
Nêgo força uma gargalhada e diz com descaso:
- Se o papai aqui tivesse jogado, o time não teria sido desclassificado!
– Nesse momento toda a turma começa a mangar de Nêgo que, percebendo a sua desvantagem, fica calado. Géo e Pé de Pata começam a rir, exagerando em suas gozações. Edgar envergonhado com tudo aquilo, chama os garotos à sua atenção, dizendo:
- Vocês parecem um bando de crianças! O que as meninas vão pensar da gente?
- Que são crianças, ora essa! – Disse Eva Marli caçoando deles.
- Um jovem só deixa de ser criança quando tem atitudes de homens e isso não importa a idade! – Disse Neide, olhando seriamente para os meninos.
- Concordo consigo! – Disse Johnny acrescentando:
- “Diga-me com que andas e direi quem és!”
Eva Marli disse sorrindo numa atitude brejeira:
- Quem anda com crianças, mija na cama!
Todos riram a valer com a pilhéria da garota. As meninas sentiam-se à vontade na companhia dos garotos, que por sua vez estavam deslumbrados com a presença delas. Eles ficaram, por um bom tempo, sentados nas pedras debaixo da mangueira, numa animada conversa, que não viram o tempo passar. De repente foram interrompidos pela aclamação de um gol. Nesse momento perceberam, que haviam se esquecido dos times jogando. Todos se levantaram e foram ver o autor da façanha.
O Lagoa Dourada abriu o placar com um belíssimo gol de Tõe Porcino, depois de um excelente passe de Mipai. A turma da Siqueira Campos aplaudiu aquele gol com bastante entusiasmo. Enquanto isso acontecia, Eduardo percebeu Berenice na companhia dos meninos, torcendo contra o seu time. Para ganhar a atenção da menina resolveu dar tudo de si e reverter àquela situação.
O Cruzeiro, que havia iniciado a partida com belas jogadas, resolveu mudar de tática. Depois de haver sofrido o gol aos vinte minutos do segundo tempo, seus jogadores começaram a endurecer o jogo. A partir daí, o combate esquentou, com o cruzeiro correndo atrás do empate, para a decisão ficar nos pênaltis. As turmas do centro incentivam o time de Eduardo, que atacando com eficácia, forçava o Lagoa Dourada a jogar na defensiva. Uma investida galopante do Cruzeiro resultou em um articulado contra ataque do Lagoa Dourada e o incrível Porcino fez mais um, faltando apenas alguns segundos para o final da partida. Delírio geral das torcidas daquele subúrbio. Restava agora, para as turmas do centro, concentrar suas esperanças de vitória, no Areia Futebol Clube.
A euforia da meninada pela comemoração da vitória foi grande. Johnny e Edgar correram para o meio do campo para saudar Porcino, que naquele instante era aclamado como o grande herói. As garotas que assistiram à partida ficaram em torno do negrinho, congratulando o seu desempenho. Eduardo foi cumprimentar o amigo e sem rancor, disse com sinceridade:
- O seu time jogou melhor e a vitória foi justa!
Nêgo, que continuava se sentindo ultrajado com a desclassificação do Siqueira Campos pelo Areia Futebol Clube, disse aborrecido:
- Só vou apertar a sua mão depois que vocês ganharem da turma do centro! Não vão deixar aqueles sacanas levar a taça do nosso torneio!
Porcino olhou para o garoto e fez pouco-caso de suas queixas:
- Não sei!... Pode ser que sim e pode ser que não! Não estou preocupado; e, além disso, o futuro a Deus pertence!
Ainda injuriado pelos descasos de Nêgo, Géo não perdeu a oportunidade de chacotear o amigo e, naquele momento, fanfarreou com sarcasmo:
- O importante é ser convocado pelo seu time e competir! A vitória é uma conseqüência de vários atributos!
- Inclusive a sorte! – Alardeou Eduardo.
As meninas retiraram-se e foram sentar-se novamente debaixo da mangueira, convidando os garotos a acompanhá-las. Johnny seguiu com Berenice e Edgar com Neide. Porcino e o resto da turma acompanharam Eva Marli e as meninas que conviviam com os garotos daquela periferia. Mipai virou-se para Eduardo e disse zombando dele:
- Então meu camarada? Sua princesa está ali com a turma! Aproveite e dê o seu recado.
- Agora não posso! O sacana do Orlando não sai de perto!
- Só o Orlando?!... E os outros?
- Não são páreos para mim!
Mipai sorriu diante da pretensão do amigo e, notando que Berenice se afastava da turma na companhia de Johnny, perguntou:
- Nem o Johnny the Kid?
Eduardo olhou para os dois, franziu a testa e coçou a cabeça com ar de preocupação; em seguida vira-se para Mipai e diz:
- Johnny seria um rival poderoso, se ele entrasse na disputa! Acontece que Luis Augusto está invocado com a menina e ele jamais iria atravessar o primo. Quanto ao Luis a única vantagem dele é ter um pai bem relacionado socialmente!
- A sua sorte é que a menina não é metida a besta! - Afirmou Mipai, que tinha muita admiração por Berenice e depois acrescentou:
- Espero que a amiga dela, também não!
- Quem?... A Eva Marli?!... Ué, você está apaixonado pela garota?
Mipai ficou pensativo por alguns segundos, porém percebendo a perplexidade do amigo, se recompôs seguidamente:
- Quem?... Eu?! Você está maluco rapaz? Por acaso sou homem de me apaixonar?
Eduardo olhou para Mipai e riu bastante de sua preocupação. Diante da negativa do amigo, respondeu a sua pergunta com um ditado popular:
- “Toda araruta tem o seu dia de mingau!”
Mipai deu de ombros e, fingindo pouca importância no assunto, explicou:
- Ela é apenas uma morena bonita!
- E muito simpática! Ela é filha do Doutor Álvaro Dutra, um advogado e fazendeiro bastante conceituado na cidade. Um bom homem! A mãe você não vai gostar, pois é uma daquelas madames que tem um rei na barriga!
E daí?... Não quero namorar a mãe dela!
Eduardo sorriu novamente e mangando do amigo, disse:
-Entendi! Para bom entendedor, meia palavra basta!
Eduardo sugeriu que os dois fossem ao encontro da turma para ficar perto das meninas, que conversavam animadamente com todos. Berenice havia chamado Johnny à parte e ficou com ele afastado de todos, diante do olhar inquisidor de Orlando. A timidez natural do garoto havia se dissipado, devido à amabilidade com que era tratado. Naquele momento, estava totalmente à vontade na companhia da encantadora menina, pois ela segurava a sua mão como se fosse sua namorada. Do lugar onde se encontrava, Johnny pode notar Dona Nonnita na companhia de outras senhoras, moradora daquele subúrbio. Elas estavam sentadas nos tamboretes que cada uma trazia, para verem os desempenhos dos seus rebentos. O garoto aproveitou a oportunidade e apresentou Berenice a sua mãe. Dona Nonnita ficou encantada com a beleza e educação da menina e a apresentou às suas vizinhas como a coleguinha de seu filho. Aquelas senhoras já conhecia a menina, pois ela fazia parte do coral da igreja e já tinha se apresentado, inúmeras vezes, nas tertúlias da casa paroquial. Muito contente em ter conhecido a mãe do seu amigo, a menina logo sentiu pela notável senhora, uma estima muito especial. Diante da recíproca simpatia, as
duas ficaram conversando, por algum tempo, sobre amenidades familiares e coisas da religião. A seguir a garota se despediu de Dona Nonnita com um afetuoso abraço e, acenando para as outras senhoras, seguiu com Johnny, de mãos dadas, ao encontro da garotada. Naquele momento ouviram o Juiz apitar o início da partida que finalizava aquele campeonato. Quando se encontrava próximos da mangueira, Berenice parou e, segurando as mãos de Johnny, disse com ternura:
- Sua mãe é um amor de pessoa e uma mulher muito bonita!
- Eu também acho! Principalmente pela maneira com que ela reage aos infortúnios da vida! Sempre com otimismo!
- Acho que você puxou a ela!
- É o que a maioria dos nossos parentes diz!
A garota ficou pensativa por alguns segundos e depois, olhando Johnny em seus olhos, perguntou quase suplicando:
- Você irá me ver hoje á tarde?
- Claro que sim! E se a peça estivesse sendo encenada pela manhã como nos outros domingos, esse torneio aqui estaria sem a minha presença.
- Deveras?!... Jura que isso é verdade?
- Sim! Eu e Luis Augusto tínhamos combinando em ir ao Teatro da Casa Paroquial, para ver a menina mais bonita de Jequié, logo depois que terminar a matinê!
- Você me acha a menina mais bonita da cidade?
Johnny olhou para aqueles olhos luminosos, que pareciam duas gemas de um azul belíssimo e respondeu com um sorriso maroto.
- Não!... Quem acha é Luis Augusto!... Eu lhe acho a menina mais linda do mundo!
A garota não se conteve e abraçou Johnny, beijando-lhe as faces. Um pouco afastada dos dois, Eva Marli, que acompanhava tudo com muito interesse, gritou:
- Ei!... Vamos ter cinema grátis por aqui?
A garotada caiu na gargalhada e as meninas, caçoando dos dois, começaram a entoar o hino matrimonial, característico do cinema hollywoodiano. Desta vez Mipai não emitiu nenhuma pilhéria, limitando-se a olhar de soslaio para Eduardo, que observava o colóquio dos dois, com certa frieza. Orlando estava indignado com tudo aquilo; porem teve que engolir o ciúme acintoso e fora de propósito, fruto de uma pueril inveja, que sempre o acompanhou. Não disse nada, pois Johnny era benquisto em toda a turma, e ele ainda devia explicações a Berenice por não ter cumprido a tarefa de entregar ao garoto a sua correspondência.
A última partida daquele torneio começou arrojada, com os dois times se esforçando para sagrarem-se campeão. A torcida fazia o maior alvoroço, como se fosse um jogo importante de seus times prediletos. O Areia era o time juvenil mais famoso da cidade; e como havia vencido dois campeonatos no Ginásio de Jequié e um no Colégio Estadual, não queria perder para um pobre time de
subúrbio. Por sua vez, o Lagoa Dourada queria mostrar o seu desempenho, visando com isso, uma vaga no torneio juvenil do Estádio Aníbal Brito, promovido pela prefeitura da cidade.
Berenice e Eva Marli resolveram ir para casa, pois era quase meio dia. Despediram-se das garotas que haviam conhecido naquela manhã e seguiram na companhia de Johnny e Orlando até o automóvel, onde o motorista as aguardavam. Nesse momento Eduardo aproxima-se e cumprimenta as duas, proferindo:
- É uma pena a gente perder a companhia de tão encantadoras senhoritas! Mas será por pouco tempo, pois pretendemos vê-las logo mais, à tarde!
- Ah, sim?!... Vá mesmo e leve essa simpática rapaziada consigo, pois a peça e muito engraçada! – Disse Berenice, interessada em despertar na garotada o gosto pelo teatro.
Eva Marli convida Eduardo a acompanhá-las até o carro, que continuava estacionado em frente ao chafariz. No trajeto, as meninas iam discorrendo da necessidade de articular uma maneira ideal, de trazer para o teatro os garotos da cidade, que só se interessavam por cinema e futebol. As meninas se despedem novamente dos garotos e entram no carro. Berenice volta-se para Johnny e diz com ternura:
- Olha lá, viu?... Promessa é dívida!
O garoto sorrindo, balança afirmativamente a cabeça. A seguir a menina chama Orlando, e o convida a entrar no automóvel, dizendo:
- Orlando faça o favor! Preciso conversar consigo!
O rapaz coça a cabeça e vira para os garotos, dizendo:
- Ih, turma!... “O pau vai comer na casa de Noca!”
Bastante contrariado, o rapaz entra no carro e o motorista dá a partida pela longa Siqueira Campos em direção ao centro da cidade. Eduardo não entendeu o temor de Orlando e pergunta para Johnny:
- O que está acontecendo com o sacana?
- Orlando?!... Você conhece o sujeito! Com certeza ele aprontou alguma coisa com as meninas!
- Deve ser! Berenice parecia bastante aborrecida com ele!
- Deixa estar, que eles se entendem! – disse Johnny, dando pouca importância ao assunto, e virando-se para o amigo, disse animado:
- Vamos ver a partida que já está no segundo tempo!
Os dois garotos seguiram conversando em direção à mangueira onde a garotada estava sentada, assistindo o final da partida que continuava no zero a zero. Em nenhum momento Eduardo comentou a visita de Berenice e a amizade da menina pelo garoto. Não imaginava que isso pudesse acontecer, pois Johnny, ao contrario de Luis Augusto, não demonstrava o menor empenho em relação à menina. Estava bastante chateado com o interesse de Berenice pelo amigo, limitando a conversa em descrever o sucesso do torneio e a sua admiração pela quantidade de garotas, que aquele evento tinh
A contenda entre os dois times continuava acirrada, com os jogadores suando a camisa, em busca da vitória. De repente, em um decidido ataque do Areia, Bojota é derrubado na pequena área, diante de uma alvoroçada torcida. O juiz apita na hora a penalidade máxima. Bojota é escolhido para cobrar aquele pênalti, tendo à sua frente o goleiro Pássaro Preto, um dos filhos de Congo, imigrante africano que chegou ao Brasil no início do século e foi morar com sua esposa em Jequié. O gibi era um forte garoto de quinze anos, que se posicionou entre a bola e o cobrador, numa espécie de duelo entre campeões. Após a autorização do árbitro, Bojota chuta a bola no canto esquerdo da trave, que encontra Pássaro Preto em seu belíssimo vôo, agarrando-a, sob o delírio da garotada que assistia àquela partida.
A bola entra novamente em campo e jogo segue na animosidade natural do Areia contra o Lagoa Dourada, depois da decepção do pênalti perdido. Desapontado com a sua atuação, o atacante Bojota fica desnorteado por uns instantes e perde rendimento na partida. Após uma investida bem avaliada, Mipai dá um passe de calcanhar para Porcino, que se encontrava à sua retaguarda, posicionado ao lado esquerdo; o qual chuta com bastante força, visando à área indefensável e vaza, espetacularmente, o gol do Areia Futebol Clube. A torcida suburbana comemora aquele gol com frenesi, enquanto a torcida rival ovaciona a bela jogada. De novo em campo, o Areia corre atrás do prejuízo; porém o tempo é curto e o Lagoa Dourada se firma na defesa, articulando contra-ataques. Os minutos vão passando e a defesa imbatível do time de Porcino repele todas as investidas do time rival, alcançando a vitoria sob os aplausos das duas torcidas.
Terminada a partida com a vitória do Lagoa Dourada Futebol Clube, o qual é sagrado campeão do primeiro torneio juvenil do Joaquim Romão, o time recebe a taça das mãos do candidato a vereador, que aproveitou a oportunidade para alardear suas virtudes de homem público e da necessidade do bairro ter um representante, que zelasse pelos verdadeiros interesses daquela comunidade. José Sampaio e Túlio Preto também discursaram. Reiteraram as suas preocupações em relação ao saneamento básico, energia e lazer, tão carentes nas periferias Jequieenses. Das promessas em época de eleições e da triste realidade depois delas. O evento foi encerrado com uma saraivada de foguetes soltados por Mané Fogueteiro e seus netos, financiados pelo político do bairro em caça de votos.
Com a finalização do evento à uma hora da tarde, as pessoas foram se retirando e indo para suas casas. Alguns componentes das turmas de outras áreas ficaram por algum tempo, conversando com as turmas do Joaquim Romão. Avaliaram aquele acontecimento e concluíram que o seu sucesso, foi em parte, devido às disponibilidades de um ano eleitoral e que outros eventos teriam de ser estudados com mais cuidado. Entre erros e acertos, o que deu contentamento a Edgar e seus amigos, deixando-os completamente exultados, foi a importância que todas as turmas da cidade deram ao torneio. Além de serem agraciados com a taça, recebida por Porcino das mãos de Túlio Preto, O
Lagoa Dourada se consagrou, perante todos, como o melhor time da zona oeste da cidade. Johnny ressaltou o apoio da vizinhança, da confraternização entre as demais turmas daquele subúrbio e, sobretudo, das presenças de diversas garotas, que enfeitaram aquele acontecimento.

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