terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Johnny e Luis na matinê.

J. B. Pessoa

Capítulo - 17 do livro " Guris e Gibis".

Depois do almoço, os garotos sentaram-se no pátio da casa e ficaram conversando sobre cinema e quadrinhos. Luís mostrou ao primo suas coleções de revistas e um álbum de figurinhas, recentemente completo. O garoto ficou encantado com aquela preciosidade, a qual apresentava trezentas fotografias coloridas, dos principais ídolos do cinema. Johnny nunca tinha visto um álbum completo. Os seus amigos costumavam fazer alguns, e levavam semanas tentando completá-lo, sem jamais conseguir alcançar esse objetivo. Já perto de finalizar a empreitada, os pacotes de figurinhas que compravam nas bancas de revistas, vinha sempre com duplicatas. Um garoto que pretendia completar seu álbum teria que dispor de uma boa quantia de dinheiro, para atingir aquela finalidade. A seguir os dois garotos despediram-se de seus pais e seguiram juntos para a matinê. Logo após, na decida da Rua Maracás, eles encontraram com os garotos da Siqueira Campos, todos com suas revistas de quadrinhos para serem negociadas na porta do cinema. O alvoroço entre a garotada era muito grande. Naquela tarde, o Cine Teatro Jequié iria exibir um filme com Charles Starrett, no papel do famoso Durango Kid. A programação era acompanhada de desenhos animados e de dois episódios do grande seriado “O Monstro e o Gorila”. Luís, que já conhecia Edgar e Porcino, ficou conhecendo os outros garotos naquele momento.
A porta do cinema estava repleta de crianças e adolescentes, sendo a maioria absoluta de meninos. Johnny estava muito animado. Quando aparecia uma oportunidade, ele ia às matinês para recuperar o tempo perdido, em que vivia na roça. Seus filmes preferidos eram os faroestes, com seus mocinhos caubóis e era preciso acontecer algo fora do comum, para que ele dispensasse algum deles. A garotada já tinha comprado seus ingressos, quando Mamãe Eu Quero avista Eduardo seguindo para o lado do Cine Bonfim e alerta a turma para o fato. Mipai, que tinha acabado de chegar, gritou para ele, o qual veio ao encontro dos amigos, todo arrumado, usando a sua melhor roupa. Trajava uma calça azul marinho de tropical inglês, com uma camisa de seda, de cor azul claro; calçando belos sapatos pretos e usando cintos da mesma cor. Estranhando a elegância do amigo para uma simples matinê, Edgar pergunta:
- Ih rapaz, você ta todo lorde hoje! Vai a uma festa?
- Pois é!... Vou acompanhar minha prima, que já é moça, ao chá dançante no Tênis, logo depois da matinê. – Respondeu o garoto.
Géo, admirado com aquela sofisticação, observou com uma ponta de inveja:
- Tu ta vistoso pra porra! Ta até parecendo um artista de cinema! Daqueles de filmes de amor!
Nêgo, fingindo admiração, acrescenta um elogio às palavras do amigo, tentando uma gozação:
- É devera! Ele está parecendo com aquele novo galã, o artista do filme das motocicletas!
- Que galã é esse? – Pergunta Eduardo com curiosidade:
Mipai, escondendo o riso, falou em tom de deboche:
– É um tal de Marlon! Um que as moças colocam o retrato dele no classificador escolar! – Depois, fingindo esquecimento, pergunta:
- Oxente!... Como é mesmo o nome dele?
- Marlon Brando! – Disse Luis
Eduardo ficou satisfeito com a comparação. Já conhecia o ator em fotografias, na revista “Cinelândia”, a qual trazia uma reportagem do seu novo filme “O Selvagem”, o qual seria lançado ainda naquele ano. Sabendo que as garotas do mundo inteiro, suspiravam pelo jovem galã, pergunta aos amigos:
- Puxa turma! Vocês me acham parecido com o Marlon Brando?
- Não otário! Você parece o Marlon obrando! – Gritou Mipai às gargalhadas, sendo acompanhado pelo resto da turma.
- Vão se fuder bando de sacanas! – Berrou Eduardo com indignação.
- Deixa de bobagens, rapaz! – Ponderou Luis, querendo evitar uma briga entre amigos, acrescentando:
- Desde o lançamento do primeiro filme desse cara, que isso tem sido uma “pegadinha”! Eu mesmo já caí nessa!
A turma seguia rindo do garoto, que continuava amuado. Johnny querendo dar um basta na gozação, tentou mudar de conversa e partindo para outro assunto, gritou:
- E então macacada! Vamos entrar no cinema?
- Vamos! – Responderam os garotos em coro.
Tendo outros planos em mente, Eduardo comunicou para a turma:
- Estou indo para a matinê do Cine Bonfim!
- Ué, você não é o maior fã do Durango Kid? – Perguntou Géo, admirado com a decisão do rapaz. Nêgo, chamando a sua atenção para um fato inquestionável, disse:
- Meu camarada!... No Cine Bonfim vai passar um filme de amor!
- É que em lugar do seriado vai passar um filme do Gordo e o Magro e...
- E o que?!... É o mesmo filme que Seu Benjamim passa toda a semana, quando falta um episódio de seriado! – Interrompeu Pé de Pata, sem compreender a escolha do amigo.
- E daí? Eu morro de rir com o filme!
Eduardo não quis dá nenhuma satisfação à curiosidade dos garotos e se despedindo, apressadamente, dos amigos, partiu para o outro cinema, deixando a garotada atônita com aquela decisão.
Mipai coçou o queixo e ficou matutando por alguns segundos. Ele conhecia muito bem o seu amigo e sabia que, por nada no mundo, Eduardo iria desprezar um filme com o mocinho mascarado. Depois de refletir sobre a questão, disse para Edgar:
- Debaixo desse angu, tem caroço! – E virando-se para a garotada, articulou:
- Vocês entram e guarda uma cadeira para mim, que eu vou ver o que está acontecendo com o rapaz!
A garotada aprovou a decisão de Mipai, pois estavam surpresos com a conduta estranha do amigo. Curioso com aquela esquisitice, ele foi atrás de Eduardo, para averiguar o seu súbito interesse pelos filmes românticos. Os garotos entraram no cinema e ficaram aguardando as notícias. Após cinco minutos, Mipai retorna ao cinema e explica a situação para a sua turma.
- O Cine Bonfim está passando um filme de amor, daqueles chatos, que as mulheres choram quando assiste! Tem um bando delas na porta do cinema.
- Já sei do que se trata! É um drama mexicano, considerado pelos adultos como um ótimo filme! – Disse Johnny, para os amigos.
- E daí?!... O que tudo isso tem a ver com Eduardo?! – Retrucou Edgar com impaciência.
Johnny já tinha assistido, na companhia da sua mãe, algumas produções melodramáticas do cinema mexicano. Gostando de alguns desses filmes, tentou justificar o comportamento de Eduardo para a garotada, a qual não entendia como alguma pessoa de bom gosto pudesse fazer aquela escolha esquisita:
- Vai ver que ele ficou com vergonha da turma, por gostar desse tipo de filme!
Mipai sorriu diante da brandura do amigo e protestou:
- Nada disso! Ele foi ao Cine Bonfim para ver Berenice! O sacana está invocado com a lourinha! Mas não adianta que Orlando está de marcação.
- Claro! É o namorado dela! – Observou Johnny.
- Orlando?!... Namorado dela? – Exclamou Porcino e, admirado com a afirmação do garoto, perguntou:
- De onde você tirou essa idéia?
- Ela mesma afirmou isso, quando eu e Eduardo conversávamos com Orlando!
Ao ouvir aquele despropério, Tõe Porcino explodiu em uma gostosa gargalhada, deixando os garotos sem entender nada. Aproximando-se de Johnny, tocou levemente em seu ombro e disse, sem parar de rir:
- Ih rapaz, isso aí foi uma acordo entre eles!
- Como assim? – Perguntou o garoto, que estava muito curioso com aquela história, assim como todos da turma.
Porcino balançou a cabeça negativamente, com estivesse olhando para um bando de ingênuos, pois até o esperto Edgar estava acreditando naquele namoro. O negrinho olhou para a turma e parando de rir, explicou:
- Eu vou contar tudo pra vocês! Eu sei disso, porque minha mãe e a mãe de Orlando eram empregadas de Dona Norma, quando Berenice nasceu.
- O que foi que aconteceu? – Perguntou Luís, curioso com o fato.
Tõe Porcino sorriu da pressa do garoto e disse:
- Dona Norma tinha pouco leite, quando nasceu a sua filha. Ao contrário de uma de suas empregadas, que tinha tanto leite, que ainda amamentava um garoto de três anos! Adivinha quem é esse garoto?
- Orlando, é claro! – Responde Luis.
Pois é!... Durante mais de um ano, a menina mamou no peito de Dona Jaci. Apesar de ser mais nova do que ele três anos, Berenice é irmã de leite de Orlando. Aliás, vocês sabiam que o malandro mamou até os quatro anos de idade?
- Bateu o recorde! Eu mamei até os dois anos! – Afirmou Edgar.
- Eu passei dos dois anos mamando! Mamei tanto que eu enjoei e hoje detesto leite! – Afirmou Géo, querendo bancar o durão, pois nos filmes de ação que ele assistia gostar de leite era uma demonstração de fraqueza.
Morrendo de curiosidade com aquele caso, Johnny apressou o negrinho, dizendo:
- Tudo bem Porcino!... E o resto da história?! Por que a garota afirmou que era namorada de Orlando?
- Bom, aí é outra coisa!... Em primeiro lugar, a menina adora Orlando, como se ele fosse seu verdadeiro irmão. Foram criados juntos desde pequenos. Berenice é filha única e ela é a princesa da família! Tem mais: Dona Jaci, mãe de Orlando, segundo as “más línguas”, é filha natural do pai de Dona Norma! Morou no drama?!... E ainda tem mais: se você quiser ter as boas graças da menina, nunca despreze o seu irmão de leite, que ela vira uma fera! Por outro lado, Orlando é capaz de derramar o seu sangue por Berenice.
- Ta explicada à história! Agora eu entendo o carinho dela pelo rapaz! – Disse Johnny, vendo Orlando com mais simpatia.
Realmente! Eu pensei que fosse um namoro do tipo, “A Princesa e o Plebeu”! – Expôs Luis, sentindo certo alívio, pois pretendia namorar a menina.
- Está mais para “A Bela e a Fera”! – Disse o debochado Mipai, explodindo numa sonora gargalhada, sendo acompanhado por toda a garotada.
- Não terminei ainda! – Adiantou Porcino. Porém, antes que o garoto retornasse à história, as luzes do cinema apagam e uma estridente gritaria tomou conta de todo o recinto. A sessão de cinema da matinê daquele memorável domingo ia começar naquele momento.
Continua no capítulo 18. Espere na próxima semana: mais uma aventura de Johnny the Kid e sua turma!

Nenhum comentário:

Postar um comentário