domingo, 22 de dezembro de 2019

Uma escola maravilhosa.

J. B. Pessoa

Capítulo - 15 do livro " Guris e Gibis".

Johnny acordou bem cedo naquela manhã. Era uma segunda feira do início de março e aquele mês prometia dias de intenso calor, com as quedas de chuvas fechando o verão. O dia estava lindo, com a claridade típica da Cidade Sol, mostrando um céu sem nuvens e uma temperatura que tendia a subir. O garoto vestiu sua farda escolar e, após o café da manhã, foi com a irmã para a aula inaugural daquele ano letivo, no Grupo Escolar Castro Alves. Era a primeira vez que os dois freqüentavam uma escola, pois moravam na roça e tinham sido alfabetizados pela mãe. Logo após as matrículas, Johnny e Maria de Fátima tiveram de ser submetidos a um exame especial, para serem verificados os seus graus de aprendizado. O garoto foi matriculado no quinto ano primário, cujas aulas seriam lecionadas pela manhã, enquanto sua irmã, de oito anos, que ficou no segundo ano, estudaria no turno vespertino.
A manhã do primeiro dia daquela escola era reservada ás apresentações das professoras aos seus alunos dos dois turnos. Após as orações ministradas pela professora Beth Azevedo, os alunos entoaram os hinos cívicos, sob a orientação da secretária Alíria Argolo, seguido dos pronunciamentos sobre disciplina, moral, ética e civismo. Johnny ficou encantado com aquela escola onde estudavam crianças de todas as classes sociais e ficou conhecendo vários garotos que se tornaram seus amigos. No final das solenidades, depois de conhecerem suas professoras e as salas em que iria estudar, a meninada foi dispensadas para voltar às suas casas. A algazarra foi geral nesse momento, dando um trabalho extra para a dinâmica Dona Amália, assessora e merendeira escolar. Alguns alunos continuaram na escola, conversando com suas mestras, principalmente as meninas, que pretendiam a admissão ao ginásio. O Grupo Escolar Castro Alves dispunha de oito espaçosas salas de aulas na parte superior e mais duas que ficavam no porão, além de uma biblioteca e a sala da secretaria. O Prédio tinha duas frentes. Uma situava-se na Avenida Rio Branco, e a outra, a qual seria os fundos, para a Praça Castro Alves, Tendo à sua esquerda a Rua Trecchina, onde estava localizado o famoso Cine Bonfim e a sua direita, a Rua Dois de Julho, com o gigantesco Cine Teatro Jequié.
A escola tinha passado por uma reforma geral em suas dependências. O cheiro da tinta fresca nas paredes e o verniz das carteiras penetravam suavemente nas narinas de Johnny, cujo olfato denotava certa preferência por tudo àquilo que representava limpeza. O garoto estava bastante excitado, pois tudo era novidade para aquele menino, que tinha passado toda a sua vida no campo. No final da aula inaugural, a garotada continuou pelos pátios da escola brincando e conversando uns com os outros. O garoto nunca tinha visto tanta menina bonita ao mesmo tempo. Uma lourinha de olhos azuis, que jogava peteca com as outras meninas, chamou a sua atenção. Johnny ficou recostado no tronco de uma árvore, por um bom tempo, observando a bela menina. Um garoto branquinho de cabelos castanhos aproximou-se dele perguntando:
- Gostou dela?!... Ela é a menina mais bonita da cidade!
Johnny voltou-se para o garoto, o qual pertencia a sua classe e, antes que pudesse dizer alguma coisa, ele se apresentou:
Meu nome é Eduardo Cerqueira, sou seu colega no quinto ano com a professora Emília!
- Muito prazer! Meu nome é João Evangelista, sou....
- O famoso Johnny The Kid! Sou amigo da turma da Siqueira Campos! – Interrompeu, delicadamente, Eduardo que nutria uma simpatia especial pelo novo colega, pois tinha dele boas referências. Eduardo ficou conversando com Johnny, por algum tempo, falando sobre as turmas de Jequié explicando as rivalidades existentes entre elas.
A cidade tinha quatro zonas distintas. A principal era o centro da cidade, onde ficava o comércio e moravam as pessoas mais abastadas. As outras eram o Joaquim Romão, junto ao centro, o Mandacaru do outro lado do Rio de Contas e o Jequiezinho, situado um tanto distante do centro, separado pelo Rio Jequié, o qual deu o nome a cidade e que atualmente leva o nome do bairro. Esse é um estreito rio, de águas salobras, tendo em suas margens um grande mangueiro, o qual fica alagado, durante as grandes cheias. Todas as zonas eram divididas em vários bairros. Eduardo morava no Alto do Cruzeiro, considerado como centro da cidade. Sua turma era amiga das turmas do Joaquim Romão, especialmente a da Siqueira Campos. Detestava a turma da Caixa D’ água, pois eram os mais encrenqueiros da zona Oeste.
- É uma turma de biribanos! - Explicou com certo rancor e, alertando o amigo do perigo, insistiu:
– Se a gente der moleza eles levam tudo que nos pertence e só atacam aos bandos! Várias vezes pedimos ajuda à turma da Siqueira Campos, que é a nossa mais fiel aliada.
- É uma pena que eles não estudam aqui no Castro Alves! – Comentou Johnny, lamentando o fato dos meninos estudarem em outra escola.
É que aqui, a disciplina é rígida! “Escreveu e não leu, o pau comeu”! – Disse Eduardo às gargalhadas, o qual era um garoto bem humorado e bastante crítico para sua idade. Depois olhando com seriedade para Johnny, acrescentou:
- Aqui tem três feras que merecem respeito e atenção: uma é a nossa querida mestra Emilia Ferreira, que é um amor de pessoa para as crianças estudiosas, mas é terrível com a molecagem! A outra, a professora Alíria, que é a secretária da escola e é muito parecida, na maneira de ser, com a professora Emília. Agora, meu camarada!... Tem uma pessoa, que atende pelo nome de Dona Amália! Ah! Essa sim! Você tem que tomar cuidado! Uma verdadeira carne de pescoço e pior de tudo: não sabe ou não quer distinguir os bons dos maus!... As três clamam pela volta da palmatória!
- Puxa a vida!... Bate em uma madeira para evitar o azar! - Exclamou Johnny, sorrindo, sem acreditar na possibilidade da volta do terrível castigo, pois a sua geração foi a primeira a ser beneficiada, com a proibição desse meio disciplinar ortodoxo.
Os garotos ficaram papeando por alguns minutos, quando uma peteca caiu aos pés de Johnny. O garoto abaixou-se para pegar o brinquedo e quando se levantou estava em frente da menina mais bonita que seus olhos haviam visto. Johnny entregou a Peteca à menina sem dizer nada, que o agradeceu suavemente, olhando em seus olhos. Eduardo, sem pensar direito, arriscou um galanteio bizarro, dizendo:
- Quem disse que boneca não fala?
A menina olhou para ele com desdém, emitindo um sorriso de canto de boca e, balançando a cabeça negativamente, retornou ao seu jogo, com as outras meninas. Eduardo sorriu e comentou com cinismo;
- Ela é belíssima, mas tem um grande defeito!
- Qual? – Indagou Johnny, surpreso!
Eduardo fingiu um profundo suspiro e declarou:
- Ela não dá bola pra mim!
A afirmação do garoto acabou numa estridente gargalhada. Johnny riu bastante diante do humorismo do colega, percebendo que ele gostava da menina, a qual tinha vários pretendentes. Nesse momento, um rapazola pardo de barriga saliente aparece, e fica parado diante dos dois meninos. Tinha os cabelos crespos, nariz achatado, uma boca grande, com lábios grossos e olhos sonolentos. Era Orlando, um velho conhecido de Eduardo, que morava na Rua Santa Luzia. Johnny já o tinha visto algumas vezes, com um tabuleiro na cabeça vendendo mingau. Ele cumprimentou os dois meninos de maneira debochada e depois perguntou:
- Então cambada de bestas! Estão invocados com a menina?
- Ela é muito bonita! - Afirmou Johnny.
- Bonito sou eu! Ela é lindíssima! – Disse Eduardo, encantado com a garota.
- Pois, pode todo mundo aí, tirar o cavalo da chuva, que ela tem namorado!
- Ah, é! Quem é o sortudo? – Perguntou Eduardo com uma ponta de inveja no olhar.
Orlando olhou para os dois meninos com ar de superioridade; abriu os braços e balançando a cabeça, com se estivesse surpreso com aquela pergunta, respondeu:
- Quem?!... Ora essa!... Eu, porra!
Johnny ficou sorrindo, fingindo acreditar no rapaz, enquanto Eduardo, não conseguindo o conter o riso, explodiu em uma bela gargalhada.
Orlando olhou enfezado para Eduardo, perguntando:
- Ta mangando de mim sujeito?
- Claro que não! – Retrucou Eduardo, temeroso com uma reação imprudente do rapaz e, fingindo acreditar nele, abraçou-o, dizendo com demagogia:
– Você é meu amigo! O meu camarada do peito! Mas, aqui pra nós: você não tem nenhuma pinta de um Rock Hudson!
- Ah, é?!... Espera pra ver! – Dizendo isso, virou para a menina, que continuava brincando de peteca, perguntando em alto e bom som.
- Você não é a minha namorada, Berenice?
- Sou sim, querido! - Respondeu a menina, sem olhar para eles, concentrada na sua brincadeira.
Orlando abriu novamente os braços e suspendeu a cabeça, tentando ser mais alto do que era, dizendo:
- Eu não disse?! Ta vendo você? “Quem pode, pode! Quem não pode se sacode!”
Os dois meninos entreolharam-se pasmos com a afirmação da garota. Para Eduardo, aquela ideia era tão absurda, que ele jamais acreditaria, se ele não tivesse ouvido da própria menina. Pensou numa explicação racional para aquilo e concluiu que a garota estaria caçoando dele. Johnny avaliou bem aquela situação, achando que poderia ser fruto de algum capricho da menina. Ele já tinha lido uma história semelhante, numa fotonovela das revistas de sua mãe. A mocinha namorava um feioso para despertar ciúmes no galã. Mas Berenice estaria fazendo ciúmes a quem? Seria Eduardo?! Ficou remoendo seus pensamentos, quando Orlando Silva Santos começou a falar de suas espertezas, do seu modo vida. Durante algum tempo, o rapaz dissertou as vitórias de suas
conquistas amorosas, enquanto Johnny ouvia tudo aquilo com curiosidade. Eduardo não acreditava que um sujeito, tão desprovido de dotes naturais, pudesse ser venturoso na arte da sedução. De repente pára na calçada, um dos automóveis mais luxuosos da cidade. Depois de despedir-se de suas amigas, a garota entra no carro e chama Orlando. O motorista lhe entrega um pacote e o convida a sentar no banco da frente. Orlando acena com desdém para os meninos e, em seguida, o sedan parte dali, deixando Johnny e Eduardo atônitos com tudo aquilo. Eduardo fica pensativo, tentando elucidar os acontecimentos e chega à conclusão:
- Já sei o que é! O sacana é feio, mas tem uma voz maravilhosa! Vai ver que ela gostou dele pelas canções que ele canta! O que você acha?
Será?!... Eu não acredito que uma menina bonita, possa namorar um cara feio, só porque ele canta bem. - Respondeu Johnny, sem muita convicção. O garoto ficou pensativo por alguns segundos e, depois de refletir um pouco, acrescentou:
- Vai ver que ela gosta dele mesmo!
- Pode ser que sim! Mas é difícil de acreditar. – Concluiu o outro.
O relógio da matriz anuncia o meio dia e o sino da escola toca o final definitivo das solenidades. Os alunos que ficaram por mais tempo se despedem de suas professoras e saem em filas, que são dispersas fora do prédio. Os dois garotos se despedem e partem para suas casas, ficando de encontrar com a turma depois do almoço, para irem tomar banho no rio.
Johnny seguiu para sua casa bastante contente com os acontecimentos da manhã. Na hora do almoço, quando todos estavam ao redor da mesa, veio a grande notícia. O seu padrinho, primo irmão de seu pai, Gustavo Pereira Viana, o qual está morando em Jequié com a família, avisou que seu filho Luis Augusto, já estava matriculado no Grupo Escolar Castro Alves.

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