terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Revista Cotoxó - Ano XI - nª LXXXV - Dezembro de 2019 - Jequié - BA

A imagem pode conter: texto

Ismael Lima, “O Sanfoneiro de Jesus”.
                                                  
                                                                                                              Charles Meira


No período que estava escolhendo o repertório para a gravação do CD “Quem Manda é Jesus”, Charles Meira conheceu Ismael e, além disso, ouviu duas composições de sua autoria. Após análise gravou a música intitulada “O Povo de Deus”. Através desta parceria, uma duradoura amizade foi iniciada entre os músicos em 2003, ano que foi lançado aquele álbum.
Somente depois de 15 anos, na manhã do dia 24 de setembro de 2018, Charles Meira realizou o seu antigo desejo e entrevistou o artista sanfoneiro.
Ismael Lima Santos nasceu em 22 de dezembro de 1964 na Fazenda Riachão do Paty na localidade de Água Sumida, município de Jitaúna – BA. Filho de Raimundo Francisco dos Santos (falecido) e Florirdes dos Anjos Lima que tiveram 07 filhos. Casado desde 1997 com Helena Rodrigues Santana Santos nascida na Fazenda Altamira – Florestal distrito de Jequié – BA.
Logo no inicio da conversa, Ismael contou que nasceu cego, mesmo sua mãe afirmando o contrário. Em seguida tratou do mesmo assunto relatando que ao completar dois anos, contraiu uma enfermidade que o seu rosto virou para as costas. Naquele tempo antigo não foi levado ao médico, chamaram André um homem rezador que usando uma garrafa com água na mão o benzia, mas a moléstia fazia a água esquentar e borbulhar, porque a febre estava muito alta, fato que levou o curandeiro a falar com convicção que por acaso Ismael não morresse, ficaria defeituoso. Depois de três semanas de velório na roça, sua avó Doralice dos Anjos Lima fez um travesseiro de farinha, deitou Ismael e como era evangélica, orou e clamou a Deus pela recuperação do menino. Após alguns dias o pescoço voltou ao normal, à febre passou, entretanto continuou sem enxergar.
Em 1968, o oftalmologista de Jequié Dr. Domingos Micheli examinou Ismael e falou para o pai que o menino não enxergava, contudo aconselhou levá-lo para Salvador, sugestão que a família negligenciou.
Morando com seus pais na Fazenda Riachão do Paty em Jitaúna – BA, Ismael, mesmo sem enxergar, sempre foi uma criança bem relacionada e muito ativa na sua infância. Com seus primos: Carmerindo, Manoel, Ronaldo, Josenildo e Josivaldo, usando cabos de vassoura brincavam de “Cavalo de Pau”, ajudado pela sua tia Maria da Conceição tomava banho no riacho do Paty e também fazia artesanalmente “balas de barro” e vendia aos moradores da localidade para matar com Estilingue os passarinhos.
Ismael nunca estudou e não foi alfabetizado. Aos 07 anos de idade, a música começou a fazer parte da vida dele ao escutar familiares tocar sanfona e em seguida começar a bunguzar na “pé de bode” de seu pai, sanfona de 8 baixos que tinha os botãozinhos pretos. Quando tinha 10 anos de idade foi morar com seus irmãos e sua mãe que tinha largado o seu pai na fazenda dos avós José de Lima e Doralice dos Anjos Lima, localizada no Paty de Cima no município de Jequié e trouxe a sanfona, presente de seu Raimundo.
Posteriormente Ismael foi morar com sua mãe, quando do casamento dela com Abelino e com 12 anos retornou para casa de seus avós.
Neste período a sua sanfona esbagaçou e contrariado cortou o instrumento de facão, jogou no mato e ficou sem tocar. Tempos depois, o seu avô comprou outra de 12 baixos, registrada como 24. Nesta ficou bunguzando um bom tempo, até o seu tio trocar por uma de 80 baixos, instrumento que devagarzinho e muita persistência conseguiu aprender. Após um tempo de uso ficou defeituosa, foi abandonada e ficou novamente sem sanfona. O povo da roça ficou com pena de Ismael, arrecadaram através de uma lista uma quantia em dinheiro e compraram uma sanfona Escala de 48 baixos.
Na mesma ocasião Ismael começou a participar dos trabalhos realizados pela Igreja Betel no Emiliano, povoado que pertence a Jequié.  Com a presença do pastor José de Oliveira foi realizado neste período um Culto evangelístico e na oportunidade o pregador pediu para Ismael somente tocar com a autorização dele. Entretanto quando começaram a cantar o hino “Já Refulge a glória Eterna”, o músico titular não tocou corretamente, então Ismael desobedeceu ao pastor e acompanhou perfeitamente à voz dos irmãos. No final da reunião José Oliveira o abençoou e orientou o músico continuar tocando nas igrejas.
Ismael começou a trabalhar com 15 anos de idade na fazenda de Belmiro, divisa com as terras do seu avô. Na propriedade descaroçava cacau, enchia sacos com terra para plantar cacau, fazia e vendia farinha, colocava massa em prensa, carregava animal de mandioca e lascava lenha. O dinheiro que ganhava nestes trabalhos, Ismael comprava de roupas e produtos de higiene pessoal.
Aos 16 anos, Ismael aceitou Jesus num culto realizado pela Igreja Betel, dirigido por Arlindo na fazenda de sua avó Doralice.
Também neste tempo, os amigos e parentes da roça, ajudaram com prazer, arrumando três mil e seiscentos (dinheiro da época) e Ismael foi levado por Esmeraldo, cunhado do seu avô para fazer mais um exame oftalmológico em São Paulo. O homem gastou o dinheiro arrecadado e não levou Ismael no médico. Para voltar, às passagens deles teve que ser pagas por Edvaldo, irmão de sua mãe e depois ressarcida pelo seu avô.
 Em 1995, Ismael visitou sua mãe que estava morando em Jequié na Rua Albertino Pereira. Na oportunidade, Dona Florirdes disse para seu filho que estava velha para cuidar dele e o aconselhou conseguir uma casa para viver perto dela.
Foi batizado em 1983 na Igreja Batista Monte Horebe no centro de Jequié.  Na mesma ocasião visitou a Filadélfia, convidado pelo pastor Antônio Galvão, Igreja onde depois tornou-sei membro. Depois do culto, o dirigente contou para Ismael, que tomava conta de uma casa no Pau Ferro, domicílio que não tinha banheiro, estava com a energia cortada e caso conseguisse um acompanhante poderia morar no local. Ismael veio residir em Jequié com seu irmão Agnael, depois de um funcionário da Coelba chamado Antônio Mota pagar os recibos vencidos e a empresa religar a energia na casa.
No ano de 1996 acompanhado do seu irmão, Ismael foi ao INSS pedir orientação para solicitar sua aposentadoria. Devidamente informado deu entrada do processo, porém a ação foi indeferida pelo órgão, alegando preenchimento errado dos formulários. Após alguns dias retornou ao INSS com o irmão, mas devido desentendimento do seu acompanhante com os funcionários, teve que prosseguir resolvendo sozinho o processo. Depois de orientado, Ismael  foi na Clinica CEMAR e com ajuda da funcionária preencheu novamente os formulários e encaminhou para a direção do INSS. No dia 25 de junho de 1997, o músico começou a receber o beneficio da aposentadoria por invalidez.
Em Jequié começou a tocar na Igreja Filadélfia. A sanfona utilizada era a mesma de 48 baixos, caixa toda comida pelo cupim, instrumento ganho no tempo que morava na roça. Ismael neste momento deu uma risada, e disse que a condição do aparelho era tão boa, a ponto de somente ter achado cinco reais (dinheiro da época).
Na mesma temporada, Ismael encontrou o irmão em Cristo chamado Val no centro de Jequié, que aproveitando o ensejo falou que tinha uma excelente sanfona 80 baixos para vendê-lo.  No culto da noite, o pastor Galvão ao saber do corrido, pediu ao irmão Osmar Cardoso para acompanhar Ismael até Jitaúna com a incumbência de ajudá-lo na cobrança da sanfona prometida pelo prefeito Beto. No dia seguinte com a ajuda do amigo Moises, Ismael conseguiu falar, tocar uma música para o prefeito e depois de contornar várias dificuldades encontradas, recebeu um cheque de quatro mil cruzeiros (dinheiro da época). Naquele momento de alegria, Ismael orou a Deus e muitas pessoas ali presentes, choraram ao ouvirem as palavras dele de agradecimento pela grande benção recebida. Contentes retornaram para Jequié e no mesmo dia Ismael entregou o cheque ao irmão Val.
Passou um bom tempo tocando com esta sanfona. Em 1990, devido o grande período de uso da sanfona foi aconselhado por um profissional que concertava instrumentos a vendê-la. Botou fora e ficou dois anos sem tocar sanfona.
Com quinhentos e setenta reais arrecadados em uma lista feita por irmãos e amigos, Ismael comprou de um amigo, morador da sua rua chamado Edson uma sanfona verdinha de 80 baixos. No início de 2012, todas as palhetas brancas quebraram e por duzentos reais seu amigo Daniel, profissional que concerta instrumentos fez o concerto e foi entregue depois de quatro semanas, serviço que ficou para ser pago posteriormente.  
Em 13 de fevereiro de 2012, o menino que trabalha na barraca de Júlio do lanhe ligou para Ismael pegar a ajuda para pagar o concerto das palhetas e levasse a sanfona. Quando estava tocando no local, Adilson do caldo de Cana, pessoa que não conhecia chegou e os funcionários disseram que o negão abençoado poderia ajudá-lo. Adilson falou para Ismael: “vamos ali”, pegaram um taxi e foram para o calçadão, entraram na “Álamo“, loja especializada em produtos musicais e um funcionário trouxe a sanfona nova, colocou no colo dele e pediu para Ismael tocar hinos de Matos Nascimento. Em seguida solicitou que o sanfoneiro aguardasse um pouco, pois Adilson havia saído. Pouco tempo depois Adilson chegou e perguntou para Ismael: “gostou dela”, respondeu que sim e Adilson falou que a sanfona era dele. O artista contou que naquele momento o seu coração não aguentou, seu coração parou e começou a chorar de emoção e falou que não estava esperando a benção naquele instante, entretanto confidenciou que havia recebido uma palavra de Deus, dizendo que receberia uma sanfona na caixa. Adilson contou depois para Ismael que tinha comprado a sanfona por dois mil e oitocentos reais, sendo uma entrada de mil e trezentos reais e o  restante dividido em quatro parcela de quatrocentos reais e também porque o presenteou aquele instrumento. Relatou que estava passando junto da sua barraca, quando ouviu uma voz dizendo: “você vai dar uma sanfona aquele pequeno ali agora”. No momento suas pernas endureceram, os pés colaram no chão, os olhos paralisaram em Ismael e Adilson falou: “mas Deus eu não tenho nada de dinheiro aqui no bolso. A voz repetiu três vezes e na terceira foi mais forte, que Adilson acreditou e fez a vontade do Senhor, mesmo que de Ismael apenas tinha ouvido falar. Contou, além disso, que tinha vendido uma máquina e naquela noite recebeu o pagamento e no dia seguinte quitou a sanfona pelo preço de três mil reais.
Atualmente Ismael é membro da Igreja Evangélica Vida Nova em Cristo, localizada na Avenida Senhor do Bonfim, 408 (Pau Ferro – Jequiezinho – Jequié – BA e pastoreada por Renildo Santos Andrade.
Reside na Rua U, nº 21 do Loteamento Água Branca – Jequiezinho – Jequié – BA, casa adquirida com a venda de uma propriedade, herança da sua esposa.
Ismael desde que chegou a Jequié é um músico muito requisitado e hoje conhecido também em várias cidades da região. O sanfoneiro que nunca cobrou para tocar e cantar divulgando a palavra de Deus, vive sempre alegre com sua esposa, somente com o dinheiro que recebe da sua aposentadoria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário