terça-feira, 27 de agosto de 2019

CONTATO IMEDIATO

                      Carlos Eden Meira

Era dezembro... Ou junho? Impossível lembrar, pois, em Fornalhândia, bebe-se cerveja gelada com a mesma intensidade em dezembro ou em junho, já que o clima quente é praticamente o mesmo, a maior parte do ano. Era numa dessas fuzarcas sempre carnavalescas, não importa o que se comemora, onde os “rostos de madeira” mostravam seus sorrisos ridiculamente forçados, permanentemente estampados naquelas máscaras escarnecedoras, rindo dos crédulos palhaços e suas vermelhas protuberâncias nasais, típicas de bêbados e de seus papéis, naquela comédia em que se esbaldavam ao som de um “lixão sonoro” que derramava pelas ruas seu excremento musical, monstruosidades a serviço de uma mídia cujo interesse está a anos-luz de distância de valores culturais ou educacionais.
De quatro em quatro anos, os “rostos de madeira” mandavam construir um grande tablado em praça pública e contavam longas histórias da Carochinha, Papai Noel, Fada Madrinha, Bicho-Papão, ou Caipora, nas quais os pobres palhaços acreditavam e aplaudiam efusivamente, trocavam seus votos por ninharias e quinquilharias, esquecidos de que no fim da festa, os narizes dos “rostos de madeira” cresceriam pinoquiamente tanto quanto suas contas bancárias, como sempre; e eles os palhaços continuariam pobres, como sempre. Os “rostos de madeira”, conhecedores da índole pacífica e pouco politizada daquela gente, há meio século ou mais, dominavam o poder em Fornalhândia, elegendo-se aos cargos importantes, enchendo os próprios bolsos com o suado dinheiro do povo, e as praças de muitos circenses e poucos panis.
Naquele mês de dezembro, (ou era junho?) os crédulos palhaços e os “rostos de madeira”, coringamente risonhos como de costume, encharcados de cerveja e “outras águas” foram repentinamente surpreendidos pelo insólito aparecimento de um objeto celeste, um OVNI, em plena praça. De seu reluzente bojo saíam e se materializavam no palco ali armado, a Carochinha, Papai Noel, a Fada Madrinha, o Bicho-Papão e a Caipora. Perplexos, sem entender se aquilo era real, truque, ou uma alucinação coletiva provocada pelos eflúvios etílicos em que se achavam mergulhados, os “rostos de madeira” receberam ali, em cima daquele palco, uma inesquecível surra, aplicada pelos folclóricos ocupantes do OVNI. Para não ter que “apanhar mais do que mala velha”, escafederam-se rua afora em busca de seus luxuosos veículos, tomando rumos ignorados.
A Caipora assumiu o microfone para fazer um pronunciamento, num tom de voz de meter medo até ao Conde Drácula, diante de uma platéia de palhaços boquiabertos, e agora mudos. “Nós somos a materialização dos seus sonhos. Bons ou maus sonhos. O que queremos demonstrar é que nem todo sonho é impossível de ser realizado, e, ele será bom ou mau, conforme a coragem ou a covardia de cada um. Vocês, é claro, sempre quiseram ver seus bons sonhos se tornarem realidade, mas, foram durante anos, enganados pelos “rostos de madeira”, sem reagir. Agora, parem para refletir e escolham entre vocês, aqueles homens justos e sinceros, que realmente se preocupam com justiça social, respeito ao meio-ambiente, respeito à diversidade cultural, igualdade de direitos, e com o presente e o futuro de Fornalhândia. Mostrem aos ‘rostos de madeira’ que as mentiras que eles espalharam através dos tempos, podem se voltar contra eles próprios, como ocorreu agora neste palco”.
Dito isso, as figuras fantásticas se desmaterializaram, retornando ao OVNI que velozmente desapareceu, rumo ao infinito. Naquela noite memorável, despertando de sua letargia, os agora ex-palhaços, envergonhados, mas com uma nova idéia em cada mente e os corações cheios de esperanças, cantaram o Hino Oficial de Fornalhândia e se foram para suas casas, dormir em paz.

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