domingo, 16 de junho de 2019

Náira e o Dominó.

                          Carlos Eden Meira
- Este menino é diferente dos outros! – Disse a senhora Benília, vizinha da casa de um nosso tio e de minha madrinha e prima, além de outros primos e primas, onde estávamos hospedados, eu e minha mãe, na cidade de Poções. Minha mãe se sentia constrangida com tal comentário, pois, na verdade, eu não me enturmava com a garotada da rua. Quase todos eles jogavam voleibol, inclusive uma das minhas primas que era bem mais velha do que eu, e que era uma das melhores jogadoras do time feminino. No time masculino havia garotos do meu tamanho, mais ou menos, e eles até tentaram me engajar no grupo, mas eu era ruim em qualquer tipo de esportes, e do voleibol eu nem sabia que existia. Enquanto eles treinavam na rua em frente à casa do meu tio, eu passava o tempo todo desenhando figuras diversas no passeio da casa, utilizando giz, pedaços de carvão e de tijolos, além de flores e folhas, esfregadas no desenho para colorir. A dona Benília, achou esquisito aquele garoto ali, horas a fio agachado no passeio a rabiscar seja lá o que fosse. Nem sequer se preocupou em verificar do que se tratava. Chegou a perguntar para minha mãe: - Ele é doente? – Aborrecida e envergonhada, tímida como ela era, minha mãe só pôde responder: - Bem... Ele come muito...
Pedrinho e João, dois meninos que moravam na vizinhança eram, assim como eu, fãs de cinema e de histórias em quadrinhos. Numa tarde em que a turma treinava vôlei, eles que não eram do time, sentaram-se no passeio para ver o treino, quando notaram as figuras desenhadas no chão. Curiosos perguntaram a mim: - Ô “Zé”, é você que faz esses desenhos? – Eu, todo sem jeito, respondi: - É... É que eu gosto de desenhar, e... - Os dois garotos ficaram encabulados com aquilo. Ali estavam riscados no chão, caubóis, super-heróis, personagens de desenhos animados e outros desenhos diversos, elaborados dentro das óbvias limitações técnicas de um garoto de onze anos. Pedrinho e João chamaram a atenção da turma para que viessem ver aquela novidade. Alguns largaram o treino do jogo, para vir olhar.
Daquela tarde em diante, minha imagem de “esquisito” passou a ser vista de outra forma. Minha mãe sentiu-se mais aliviada quando minhas primas, eufóricas, contaram o sucesso entre a turma, que os meus rabiscos vinham fazendo, graças à “publicidade” feita por Pedrinho e João. Além de desenhar, eu passava horas no meu quarto lendo uns livros da biblioteca do meu tio-avô, Raymundo Meira Magalhães* (Tio Raymundinho), que morava em outra rua, e me emprestava livros de Monteiro Lobato, ou de autores estrangeiros como “As Viagens de Gulliver”, “Robinson Crusoé”, e outros. Certa tarde, vi olhando pela vidraça do quarto, o rosto moreno claro de uma garota de tranças quase ruivas, e que se escondeu quando notou que eu a vira. Estava eu com um jogo de dominó sobre a cama tentando entender como se jogava aquilo. De repente, ela apareceu na porta do quarto, pois sendo moradora da casa em frente à em que eu estava, era conhecida e amiga de minhas primas e chamava-se Náira. Vendo o dominó, ela me perguntou - Você sabe jogar? – Timidamente respondi que não, e perguntei se ela sabia. - Eu sei. - disse ela, completando - Quer que eu lhe ensine?
Só então, notei melhor a beleza da menina, com seus olhos castanhos, além dos citados cabelos em tranças quase ruivas e pele morena clara. Devia ter de onze a doze anos de idade. Quando viu os livros sobre a pequena mesa que havia no quarto, interessou-se em vê-los, pois também, gostava de ler. Quis saber como eu aprendera a desenhar, coisa que eu não saberia explicar exatamente. Deste dia em diante, aprendi a jogar dominó com Náira, passávamos horas jogando ali no quarto, falávamos sobre os poucos livros que começávamos a ler, e sobre filmes. Ela era também, fã de fotonovelas, dos artistas do rádio e do cinema. A turma da rua nos espiava pela vidraça e fofocava. Houve quem dissesse que eu e Náira éramos namorados; um vestígio de inocente namoro infantil, mas que me deixava envaidecido, porém nunca tive coragem de dizer para ela o quanto essa ideia me agradava. Mesmo notando que ela estava sempre mais vezes comigo do que com os outros da turma, não fui capaz de dizer. Dias antes de voltarmos para Jequié, ela havia viajado para algum lugar. Nunca soube para onde foi, e nunca mais soube nada sobre ela. Só ficou a lembrança...

NOTA DO AUTOR - *Raymundo Meira Magalhães era meu tio-avô, e obviamente do meu irmão, jornalista Raymundo Ernesto Meira Magalhães.

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