quarta-feira, 22 de maio de 2019

LEITE E MEL

Carlos Eden Meira

Teté contava histórias. Eram longas histórias de magos, princesas e gigantes, ou trechos bíblicos que ela contava explicando cada coisa tão minuciosamente, que nós, crianças na época, “enxergávamos” as imagens em nossas mentes. Um dos meus irmãos dizia que Teté foi a nossa “primeira televisão”. Era nossa tia bisavó, ainda muito lúcida aos noventa e tantos anos de idade. Muito católica, seu quarto era uma verdadeira capela, com oratórios abarrotados de imagens de santos e castiçais; e nas paredes, quadros diversos com imagens sacras.
Quando a conheci, ela já não andava, passando o resto de sua vida presa a uma cama, sob os cuidados de minha avó e outras pessoas da família. Foi quem primeiro me falou de Céu e Inferno, descrevendo, na sua maneira detalhada, os horrores do fogo eterno e as delícias divinas do Céu. Ao falar do Inferno, descrevia em cenas dantescas o sofrimento infinito das almas pecadoras, queimando para sempre no fogo infernal, o que me enchia de pavor. Quando descrevia o Céu, citava um ambiente sagrado, cheio de anjos e santos, onde as boas almas passavam a eternidade rezando, adorando a Deus. Era um lugar onde corriam rios de leite e mel, únicos alimentos que por ali existiam, segundo a crença popular.
Apesar do medo do Inferno, aos oito anos de idade eu não me entusiasmava muito com essa descrição celeste, pois naquele Céu não havia brinquedos, doces, biscoitos, frutas, cinema com matinê aos domingos, fogos juninos (apesar de São João estar ali pertinho, já que ali era o Céu), não havia revistas em quadrinhos, banhos de rio, parquinho, circo e mais um monte de coisas maravilhosas, que nem sei mais. Leite e mel não eram, para mim, coisas de tanto agrado, e passar a eternidade rezando, também, não era nada atraente. Entretanto, era bem melhor do que o fogo eterno é claro. Com o passar dos anos, muitos novos conceitos sobre Céu e Inferno me foram revelados por textos teológicos diversos, através de livros ou palestras, nos quais, também, raramente encontrava alguma coerência.
Donatilla Maria de Castro Meira Mousinho “Sinhá Titila” (Teté para os íntimos) morreu aos noventa e sete anos de idade, convicta em sua fé. Por isso, creio que ela, ao morrer, deve ter alcançado um Céu onde corriam rios de leite e mel, mais ou menos como ela acreditava, pois, para mim, Céu e Inferno estão dentro de cada um de nós, naquilo em que acreditamos. E nossa conduta terrena, nosso modo de viver, nossas atitudes, afinidades e relacionamentos, determinam nossa paz espiritual. A alegria, a harmonia, o amor, o respeito ao próximo, a capacidade de sentir o que há de bom na vida terrena devem prevalecer na nossa mente até o momento da morte ou até depois. O contrário de tudo isso é o Inferno.

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