sexta-feira, 12 de abril de 2019

Maracujá, o bar de Chico Rebouças

                                                                           Charles Meira

Francisco de Souza Rebouças (Chico Rebouças)
                                                                                                         
Quando da entrega do exemplar da Revista Cotoxó do mês de novembro de 2013 a minha amiga Dalva Rebouças, entrei na sua residência para pegar o pagamento de uma nova assinatura feita por ela naquela semana. Na sala, ainda em pé, avistei na parede dois quadros pendurados em molduras redondas contendo retratos antigos de um homem e de uma mulher. Imediatamente perguntei  quem eram aquelas pessoas. Respondeu sorridente que eram os seus pais. Por instantes deixei de lado o assunto a ser tratado, e comecei a fazer perguntas relacionadas com a vida de seus genitores. Depois de ouvir da amiga um resumo da história do casal, destacando principalmente a figura do seu pai Chico Rebouças, tema enriquecedor para a história de Jequié, concordamos então em desenvolver uma matéria sobre a vida dele para a revista Cotoxó.
Francisco de Souza Rebouças (Chico Rebouças), filho de Auto Edézio Rebouças e Maria Olívia Rebouças, nasceu em Areia – BA, hoje Ubaíra – BA, em 13/07/1905,  de onde, ainda criança, depois da morte de seus pais, mudou para Itiruçu – BA, na fazenda de seus tios Elpídio Silva e Hilda Rebouças, a qual é situada na região do Peixe. Na adolescência, além dos estudos, ajudava seu tio, grande pecuarista da região,  no trato dos animais. Naquela época os pais costumavam criar os filhos e parentes de maneira muito rígida, chegando ao extremo de maltratá-los, prática que aconteceu com o jovem Chico Rebouças, o que contribuiu na sua decisão de fugir da fazenda dos seus tios aos doze anos de idade. Foi morar na cidade de Itiruçu – BA, em busca de sua independência, onde trabalhou no comércio. Depois de uma experiência ali, Rebouças montou o seu próprio negócio, inclusive com vendas na cidade de Maracás - BA e região. Com vinte e seis anos de idade casou-se com Ana Angélica de Souza Rebouças (Donana) em 05/12/1931, com quem teve cinco filhos. O negócio prosperou e Chico Rebouças expandiu o seu comércio para a região de Jequié - BA, comandando tropeiros que transportavam diversas mercadorias no lombo de animais, para negociar na Praça da feira, hoje Praça da Bandeira. Na década de trinta, mudou-se para Jequié, para oferecer um estudo melhor aos cinco filhos e posteriormente mais dois que nasceram em Jequié - BA e fixar definitivamente os negócios, uma realidade no comércio da cidade.
 Chico Rebouças, um homem trabalhador, íntegro, direito, temperamental, amigo, comunicativo, formador de opiniões e envolvia-se em política e fazia campanha para candidatos, como fez para Juracy Magalhães, quando candidato ao governo do estado da Bahia, o que foi confirmado por todas as pessoas que dele tive oportunidade de indagar. 
 Na década de quarenta, contrariando a vontade de seus familiares, Chico Rebouças adquiriu um imóvel na Rua do Maracujá e lá estabeleceu um bar que funcionava dia e noite. O Bar e Boate Maracujá era o maior comércio do local. Na frente ficava o bar e um espaço para dança. Nos fundos estavam os vinte quartos, que eram alugados por um valor fixo mensal a mulheres que na maioria moravam no local, abandonadas que eram pelos familiares, e ali se prostituíam para sobreviver. Entre elas estava Isabel Pires Araújo, por quem Chico Rebouças se apaixonou, tomou-a como amante e tiveram três filhos. O casal convivia no estabelecimento de modo conturbado pelo ciúme de ambos, fato que, anos depois, causou a separação e a mudança de Isabel para outro logradouro. Chico Rebouças, mesmo convivendo com a amante, nunca abandonou sua esposa e filhos, sempre dando a família atenção moral e financeira.
Na boate havia uma radiola que funcionava dando corda com uma maçaneta e usava LP 78 rotações para reproduzir o som. Em algumas oportunidades havia shows ao vivo, com apresentações de cantores, violonistas, saxofonistas, bandolinistas, acordeonistas, flautistas como o próprio Chico, artistas de Jequié, da região e até de outras cidades. O Bar do Maracujá era frequentado pela alta sociedade de Jequié e região.
Chico Rebouças era de altura mediana, moreno claro, cabelos lisos,  fisicamente forte. Fino dançarino, tocava flauta, cantava, era um amante da música. As músicas prediletas dele eram: Fascinação, e O Ébrio, de Vicente Celestino. Gostava de  futebol e jogava, o que o induziu a batizar o primogênito com a amante Isabel com o nome de Ademir, em homenagem a Ademir da Guia, jogador do Palmeiras, time de que era torcedor.
Do comércio da Rua do Maracujá, Chico Rebouças economizou uma quantia razoável, da qual retirou  aproximadamente cento e cinquenta contos de réis para investir em ouro e brilhantes, que seriam comprados pelo seu amigo Erotides Soares em Minas Gerais, o qual infelizmente faleceu antes da efetivação do negócio. Não possuindo documento que comprovasse o adiantamento, Chico Rebouças perdoou da família do amigo a dívida, ficando no prejuízo, episodio que contribuiu para fragilizar as suas finanças. Na década de cinquenta resolveu acabar o negócio, devido ao crescimento da  violência na localidade, onde inclusive, em certa ocasião,  sofreu um atentado devido a uma confusão no bar, mas  foi salvo pelo então gerente do bar o Sr. Aurélio, que, heroicamente, se pôs à  sua frente e foi alvejado, entretanto não morreu. Esse fato levou Chico Rebouças a andar sempre armado com uma pistola Ludger alemã.
 Dando uma pausa no assunto principal da matéria, cito alguns fatos interessantes relacionados à Rua do Maracujá e mencionados pelo seu filho Ademir Pires de Souza Rebouças, que nasceu no Brega pelas mãos de parteiras. O carnaval da Rua do Maracujá concorria com o da alta sociedade de Jequié. Na rua funcionavam várias casas de tolerância  e por isso não trafegavam por ali, crianças, jovens e senhoras da sociedade, mesmo porque as raparigas sentavam nas soleiras para se refrescarem do calor escaldante. Dos homens que frequentavam essas casas, muitos eram da alta sociedade e de famílias tradicionais da cidade, como o Roberto Biondi (Bolinha). Os maiores frequentadores do maracujá eram o Branquinho, um verdadeiro gangster, assassinado na localidade e Pedro Sabú, amante de Zu Preta, um negociante de drogas. Próximo da Rua do Maracujá tinha o Beco da Erva-Doce, onde tinha um bar que tinha o mesmo nome, do qual era dono o Sr. Ananias,  junto uma casa de mulheres.
Outro detalhe importante que tive oportunidade de contemplar foi à existência de uma casa que foi construída na época da  antiga Rua do Maracujá. Segundo o seu atual proprietário o Sr. Enoch Eduardo Souza, o imóvel ainda conserva a mesma fachada, paredes e o telhado, salientou, também, que, segundo informações de pessoas que conhecem a história do local, já se passaram mais ou menos cento e dez anos da sua edificação. 
Prossigo com o tema central da matéria, relatando que, depois de acabar com o negócio na Rua do Maracujá, Chico Rebouças comprou um caminhão para transportar mercadorias e gado em Jequié e região. Cansado de viajar, voltou a comercializar na Praça da Bandeira num imóvel  onde funcionou a loja Cinara Calçados, porém, devido à perseguição de uma prostituta do Maracujá que tinha caso com um juiz da cidade, Chico se viu obrigado a fechar a mercearia. Depois de avisado da ordem de despejo, tratou de retirar toda a mercadoria na calada da noite, quebrou todas as prateleiras e sujou o recinto com urina e merda, cenário que o oficial encontrou quando do momento da realização do despejo. Depois disso Rebouças foi morar em Salvador – BA, onde trabalhou como encarregado de obras no Ed. Themis na Praça da Sé e na construção do estádio da antiga Fonte Nova.
Em fevereiro de 1959, Dalva Rebouças, com seis anos, foi de avião para Salvador, a convite de seu primo Milton, funcionário da VARIG no Rio de Janeiro - RJ, que ia visitar seu tio Chico. Esse foi o período em que Dalva Rebouças mais se relacionou com o pai, que a levou para passear de bonde, conhecer os pontos turísticos, a Praia de Amaralina e o carnaval da Rua Chile, ela toda enfeitada por ele, de havaiana e óculos de plástico.
 Chico Rebouças morreu e foi enterrado na cidade de Salvador – BA em 15/05/1959.


* Texto publicado na Revista Cotoxó de março de 2014.

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