sábado, 9 de março de 2019

“Araruta”

                            Carlos Eden Meira

Lendo um conto no livro “Outras do Analista de Bagé” de Luiz Fernando Veríssimo, em que um dos personagens era certamente, inspirado em algum amigo de infância do autor, achei curiosa semelhança em algumas características interessantes, com um garoto dos meus tempos de menino. Seu nome era Vivaldo. Apareceu em nossa rua, como empregado da vendinha de dona Raquel, uma simpática senhora gorda que ali vendia dentre outras coisas, uns biscoitos de araruta dos quais se originou o apelido do Vivaldo, “Araruta barriga de açúcar”.
A molecada, quando dona Raquel não estava na venda, só pra aborrecer, chegava à porta e perguntava:- Tem biscoito de quê? -Vivaldo respondia:
- De araruta! – os moleques gritavam:
- Então manda pra sua mãe, seu “F.da P.” – rimando as palavras.
Vivaldo enfurecido saltava o balcão e disparava atrás dos moleques, xingando e arremessando na turma, o que achasse pelo chão. Os garotos caiam na gargalhada, gritando o apelido: - Araruta, barriga de açúcar!
Nessas horas, Vivaldo que era “fraco do juízo” como dizia dona Raquel, apesar de ser muito trabalhador e prestativo, fungava, esbravejava e queria morder qualquer um. Se não achasse a quem morder, mordia a própria mão. Num desses acessos de fúria, Araruta mordeu o focinho de um jumento que um freguês de dona Raquel deixara apeado na porta da venda, o que lhe valeu alguns sopapos por parte do dito freguês, proprietário do animal. Na copa do mundo de 58, a galera comemorava a vitória de cinco a dois do Brasil contra a Suécia, tomando umas e outras na tal vendinha, quando resolveu “aplicar” os tubos dos “pistolões” usados durante as comemorações dos gols, na cabeça do pobre do Vivaldo que reagiu a dentadas, encontrando mais próximo, o braço de Raymundo, meu irmão, que levou uma mordida feia. As marcas vermelhas dos dentes de Vivaldo permaneceram um bom tempo no braço de Raymundo. .
Com a permissão de dona Raquel, Araruta prestava alguns servicinhos a minha avó, que o recompensava com alguns trocados ou merenda, coisas que ele colocava todas no mesmo bolso da calça, porque o outro, não existia ou estava furado. Certa vez, querendo ele nos mostrar um filhote de gato, presente de minha avó, (essa é a semelhança com o personagem de Veríssimo que citei) começou a tirar do bolso coisas diversas: um pião, um pé de meia cheio de bolinhas de gude, um pedaço de requeijão, algumas tripinhas fritas, as quais ele jogou na boca e mastigou, algumas moedas, um apito, figurinhas do álbum de atletas da seleção brasileira de 58, uma banana cozida, um pedaço de rapadura, tampinhas de garrafa de refrigerante, e por fim, assustado esperneando e miando desesperadamente, o gatinho... A última vez que vi o Vivaldo, ele estava já com uns 16 anos, e, de mala de couro em punho, disse que estava indo para “Sampalo” trabalhar pra ficar rico. Dele, até hoje não tivemos mais notícias

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