segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Um Homem de Negócios.

                                    J. B. Pessoa

O maior prazer de um comerciante é ver seu estabelecimento crescer, cheio de fregueses comprando e pagando a vista seus produtos; tendo também, a fama de ser o melhor e o mais importante da cidade. Não era exatamente isso, o que acontecia com Abílio Ferreira. Sua casa comercial ia de mal a pior, pois querendo ter mais lucro, elevou demasiadamente o preço e suas mercadorias, afastando com isso os poucos fregueses que possuía. Era uma moderna loja, com vitrines muito bonitas. Apesar de situar na Rua Sete de Setembro, ponto chique de Jequié, Abílio não teve a capacidade de prever o que aspirava a sociedade jequeense. Não fez a então chamada pesquisa de mercado, termo novo nessa época no meio empresarial. Ao abrir a sua loja, não fez a publicidade necessária e nem sequer a inaugurou da maneira convencional. Simplesmente, abriu as portas e ficou a espera de seus ricos fregueses.
Como tudo que é novidade desperta curiosidade nas pessoas comuns, a loja de Abílio, denominada “Noblis Magazine”, virou atração na cidade. A pretensão do lojista era atrair a elite local. Porém, as mercadorias em exposição não agradavam às pessoas refinadas. A maioria da elite jequieense fazia suas compras nas lojas da Rua Chile em Salvador. Sua clientela era os remediados; porem, para esses, os produtos da loja eram caros. Abílio Ferreira, homem à antiga, totalmente desinformado, morria de raiva quando ouvia a palavra “fiado”. Numa época em que surgiu o sistema de venda a crédito, o qual foi uma estratégia que revolucionou o comércio brasileiro, Abílio batia pé firme: fiado?!... Jamais! Quando finalmente começou a vender a prazo, foi no velho sistema que ele conhecia, com anotações em cadernetas como se faziam nas vendas e armazéns arcaicos. Vendendo fiado sem receber, com títulos a pagar seus fornecedores e sem dinheiro em caixa, Abílio foi levando seu negócio aos trancos e barrancos. Para escapar dos seus credores, foi emitindo cheques pré-datados, sem nenhum controle e comprando sem pagar. Dentro de pouco tempo, aquele homem de negócios ganhou a triste fama de caloteiro e passador de cheques sem fundos. Para escapar da falência total, foi obrigado a vender seu negócio com sérios prejuízos. O novo proprietário, um sujeito esperto, com mentalidade moderna, conseguiu prosperar e a loja e, com outro nome, tornou-se o grande magazine jequieense.
Abílio conseguiu se estabelecer novamente. Desta vez foi para o ramo de restaurantes. Pensava ele a todo o momento: “Todo mundo precisa comer!”. Com otimismo e coragem foi levando seu negócio na base da esperteza. Porém sua fama de escroque já era grande e ninguém aceitava um cheque seu. Mesmo assim, conseguiu progredir. O tempo foi passando e suas aventuras comerciais tornaram-se famosas. Abílio Ferreira acabou se transformando numa personagem lendária, no folclore do sudoeste baiano.
Certo dia, quando o velho Abílio Ferreira precisou fazer um pequeno conserto em seu restaurante, pagou o trabalho do pedreiro com um cheque bem gordo. O rapaz, desavisado, aceitou de bom grado e, quando tentou descontar, o caixa do banco recusou, pois, como sempre, o cheque estava sem fundo. O pedreiro, aborrecido, foi se queixar com Abílio, dizendo bastante zangado:
- Seu Abílio, eu fui pegar o meu dinheiro e o banco disse que não tinha!
- Não tinha o que? – Disse o velho fingindo uma surpresa natural.
- Dinheiro!... O Banco disse que não tinha dinheiro!
-Essa é boa!... O Banco que é rico não tem dinheiro, como é que você quer que eu tenha! Volte aqui na semana que vem que eu vou falar com o gerente. O pedreiro foi embora, voltando diversas vezes e nunca conseguiu receber o seu pagamento.
Como costumava passar cheques que nada valia Abílio, por sua vez, jamais aceitava algum. Sempre deixava ordens expressas a seus empregados para nunca receber um cheque. Certa vez, ao sair para resolver um assunto de seu interesse, deu ordens expressas ao novo empregado:
- Olha aqui rapaz! Preste bem atenção: Não me receba cheque de ninguém, ouviu? Nem mesmo do presidente Jânio Quadros!
Logo após a saída do patrão, chegou um sujeito, acompanhado da esposa, almoçou no restaurante e quis pagar com um cheque. O empregado recusou dizendo:
- Sinto muito freguês, mas a casa não aceita cheques! São ordens de seu Abílio!
- Mas o cheque é dele mesmo! - Argumentou o sujeito. – Veja aqui o nome dele e a sua assinatura!
O empregado olhou bem, verificando que o homem tinha razão. Aceitou o cheque e ainda deu o troco em dinheiro!
À tardinha quando estava fazendo o caixa do dia, o velho Abílio encontrou o cheque. Teve um acesso de fúria e gritou para o empregado, dizendo:
- Ô seu sacana, eu não lhe disse para não aceitar cheques de ninguém?
- Mas o cheque é do senhor, seu Abílio! – Disse o inocente rapaz com receio do patrão. Abílio Ferreira gritou com todos os seus pulmões:
- Principalmente o meu, seu porra!... Principalmente o meu!
Esse texto faz parte do livro não publicado “Velhos Tempos Jequieenses” .

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