segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

O BATIZADO.

                                                                                   Carlos Eden Meira

Igreja lotada. Choro de diversas crianças, misturado ao burburinho das conversas dos pais e padrinhos que aguardavam a chegada do padre. Manhã quente, calor aumentando à medida que o sol subia no horizonte, e nada do padre. Impaciência das pessoas presentes e mais choros de crianças. Finalmente, alguém avisou: o padre chegou! Aquela era a única igreja da cidade, cujo padre já velhinho, não exigia o curso de batismo. Por isso mesmo, o excesso de gente a aguardá-lo. O padre chegou! Ficamos todos surpresos ao ver que o padre que chegava era ainda muito jovem, de óculos dourados e redondos, e sotaque italiano. Muito nervoso, entrou na sacristia e mandou que a freira que o auxiliava, tomasse as providências de praxe para o batizado, quando resolveu dar uma olhada, para verificar o número de pessoas presentes.
- Ma che? Non è possibile! Esse povo todo, esperando batismo? É sempre assim aqui? – exclamou o padre alarmado. A freira rindo meio sem graça, explicou o motivo daquele excesso de gente. - Io non batizo! – disse o padre, indignado – Estão pensando o quê? Sem o curso, nada de batizado! - A freira, explicou-nos que aquele padre novato estava substituindo o velho pároco que tinha ido visitar uns parentes em outra cidade, e esqueceu-se de adverti-lo sobre a não exigência da paróquia dele, com referência ao curso de pais e padrinhos, naquela época. Indignação geral. Alguns ameaçavam desistir do batizado, outros resolveram tentar convencer o padre que continuava irredutível. Io non batizo e pronto! - Na qualidade de um dos padrinhos ali presentes, tentei interferir usando um argumento que, acreditava eu, seria convincente.
-Padre, o senhor poderia só desta vez, “despachar” logo este povão todo, fazendo um batizado coletivo e na hora do sermão, o senhor dá um “esculacho” em todo mundo...
- Ma che? Aqui non é lugar de fazer “despacho” nenhum, meu filho! Tá pensando que minha igreja é terreiro de macumba é? Io non batizo! – Estando eu ali com minha esposa, para batizar uma sobrinha vinda da capital, cujos pais viajaram a noite toda e estavam cansados, doidos para ir logo pra casa relaxar, insisti um pouco mais com o reverendo: - Olha padre, estas pessoas aqui comigo, vieram de Salvador para batizar a filha, estão cansadas, são católicas e fizeram questão de fazer o batizado aqui nesta igreja. Acho que muitos dos que estão aqui, se acham em situação semelhante, o senhor poderia...
-Ah, isto non è vero! Salvador, dizem que tem 365 igrejas e esta gente aí escolheu logo a minha igreja pra batizar, e ainda sem o curso de pais e padrinhos?
O calor e o barulho aumentavam, e também, a impaciência dos presentes que se acercavam do padre tentando convencê-lo, até que por fim, o reverendo gritou: - Va bene, va bene! Vamos batizar todos! Estou fazendo isto, porque as pobres criancinhas, anjos inocentes de Dio não têm culpa da irresponsabilidade dos pais!
E convidou a freira para fazer a chamada das pessoas diretamente ligadas à cerimônia, no caso, pais, padrinhos e afilhados para se aproximarem da pia batismal. Três pessoas se aproximaram primeiro. Dois homens e uma mulher que chegaram à última hora e queriam registrar seus nomes para o batistério, documento que é expedido pela paróquia para oficializar o batismo. O padre suando, rosto vermelho e com gestos nervosos, se dirigiu aos três retardatários. - Quem são os padrinhos? Os padrinhos se apresentaram, sorrindo meio sem graça. - Va bene, disse o padre continuando. - E a criança? Onde está a criança? – Sou eu! – falou com uma voz grave, um rapagão alto, moreno, bigodão preto e corpo malhado, sorrindo e olhando para todo mundo, meio encabulado. O padre fez uma estranha careta e emitiu sons guturais, que poderiam ser alguns xingamentos em latim ou coisa que o valha; e com gestos de quem ia ter um sério ataque de nervos, saiu quase correndo e se trancou na sacristia, batendo a porta com um estrondo. Somente muito mais tarde resolveu sair, já mais calmo e conformado, e fez um batizado coletivo.
(Qualquer semelhança com fatos e pessoas reais, vivas ou mortas é mera coincidência.)

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