terça-feira, 29 de janeiro de 2019

New York Times seleciona exposição com jequieense entre as melhores do mundo.



Instalação à céu aberto: Dicinho, em 2009, à frente da inesquecível decoração da Vila Junina de Jequié. (FOTO: Zenilton Meira)  e  O baobá de Dicinho, exposto no Masp, foi obra integrante da megaexposição “Histórias afro-atlânticas” (FOTO: Internet).
Cabaças”, 1972, por Edinízio Ribeiro.

A notícia poderia ser bem mais festejada por aqui se, para isso, começássemos a valorizar os “santos de casa”. Ratificando o dito popular, em outras palavras: já passa da hora de valorizarmos os talentos da nossa terra. Felizmente, a arte independe do aval de quem quer que seja para se propagar.
O Brasil pouco sabe disso, a maioria dos baianos não percebeu a notícia e a região de Jequié nem faz idéia da boa nova: Obras dos nossos artistas Edinízio Ribeiro Primo e Dicinho (Adilson Costa Carvalho), que influenciaram a estética da (contra)cultura nacional a partir dos anos 60, integraram uma das melhores exposições do mundo em 2018. A constatação veio numa quarta-feira (05/12) nas páginas do New York Times. Mais que isso... para um dos principais críticos de arte dos EUA, Holland Cotter, a mostra coletiva “Histórias afro-atlânticas”, que esteve em cartaz entre junho e novembro no Museu de Arte de São Paulo (Masp), encabeçou a lista das dez exposições eleitas pelo jornal norte-americano.
Como bem defende o poeta e pesquisador baiano Narlan Matos, os dois artistas se destacaram nas décadas de 60/70 como integrantes do grupo de Jequié que contribuiu na criação de uma estética de vanguarda.
Em 2014, obras de Edinízio e Dicinho fizeram parte da Seção “Tropicalidade”, na mostra que integrou a programação da Bienal da Bahia. A exposição reuniu pinturas, desenhos, esculturas, capas de discos e documentos relacionados às suas produções para estrelas da MPB. Para Ayrson Heráclito, um dos curadores, os dois foram “grandes protagonistas da construção de uma visualidade tropicalista”. Os artistas trabalharam com criação de cenários e figurinos de nomes como Caetano Veloso, Os Mutantes, Jards Macalé e Ney Matogrosso.
Em São Paulo, a megaexposição “Histórias afro-atlânticas” dividida entre o Masp e o Instituto Tomie Ohtake reuniu um conjunto de mais de 400 obras assinadas por cerca de 200 artistas desde o século 16 até os dias atuais. Sabiamente, a curadoria não prescindiu de obras dos baianos Edinízio e Dicinho para compor os “Caminhos não-coloniais”, o mais “idiossincrático dos núcleos da exposição”, como registra em seu artigo, o editor da Revista Bravo!, Andrei Reina.
Selecionadas para serem expostas com trabalhos oriundos de importantes instituições brasileiras, americanas, europeias e caribenhas, algumas obras são provenientes de coleções particulares. Como é o caso de “Cabaças” (Gouds), 1972, óleo sobre tela executada por Edinízio pertencente ao primo do autor, o lexicógrafo e escritor Dermival Rios, radicado em Jequié.
Heráclito, também responsável pela curadoria do espaço “Rotas e transes”, incluso no núcleo “Caminhos não-coloniais” da aclamada exposição paulista, disse numa entrevista que a grande produção do seu setor é composta por artistas da década de 60 e 70 que direta ou indiretamente estiveram associados àquele pensamento de contracultura. “Temos artistas fundamentais para a criação do Tropicalismo, como Dicinho e Edinízio”, festeja Heráclito.
Bem, amigos, como foi sinalizado no início deste artigo, chegou nossa vez de reverenciarmos os “santos de casa”. Dicinho e Edinízio Ribeiro, para quem não os conhece, tiveram importante passagem por Jequié e se tornaram consagrados no cenário das artes do Brasil. Embora os dois já tenham merecido artigos na 4ª edição desta revista (em 2013) pelas mãos de Dermival Rios e Narlan Matos, aí vão breves biografias de ambos:
- Edínizio nasceu em Ibirataia e morreu aos 31 anos de idade em Búzios (RJ), no auge da sua produção criativa. Teve passagem marcante por Jequié, antes de seguir para o sul do país. De acordo com o dicionário eletrônico Manuel Querino de Arte na Bahia (disponibilizado pela Ufba), Edinízio foi “um artista plástico e designer, que se destacou em técnicas gráficas como o desenho, a gravura e a criação de cenários e figurinos para espetáculos teatrais e shows musicais nas décadas de 1960 e 1970. Um dos mestres da visualidade do movimento tropicalista, sua obra, movida pelo experimentalismo e inovação, se encontra dispersa e pouco conhecida devido a sua morte prematura”. Acrescentaria aqui por conta própria as inventivas capas de LPs da MPB que foram criações suas. Como o revolucionário álbum “Expresso 2222”, de Gilberto Gil.
- Dicinho – Como boa parte dos nossos conterrâneos, o Google ainda não compreendeu a grande importância desse artista para o mundo, insistindo, o buscador eletrônico, em substituir o verbete “Dicinho” por “Docinho”. No entanto, ele (Dicinho) é um indispensável ingrediente no caldeirão tropicalista. Além de autor de obras reverenciadas por críticos e amantes das artes, o jequieense foi responsável por figurinos e cenários de grandes estrelas nacionais e pela ousada capa psicodélica do LP de Gal Costa, 1969. Um divisor de águas na carreira da cantora. Felizmente, ainda ativo entre nós, também como exímio escultor, Dicinho desenvolveu uma técnica inovadora na elaboração de matéria plástica reciclada para criar relevos e esculturas. Por sinal, encontrava-se guardado em seu atelier o protótipo de uma escultura, em homenagem a Jequié, criado por esse processo. A obra nunca foi exposta ao público por conta do artista não ter chegado a um entendimento com a gestão municipal da época, no início dos anos 2000.

Matéria editada na Revista Muito Mais - Edição nº 15 - dezembro de 2018.

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