terça-feira, 11 de dezembro de 2018

AO ABRIR A PORTA


                       Carlos Éden Meira*
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Quando abriu a porta, o oceano não estava mais lá. Azulejou então seus princípios básicos, cantou modas de viola em hebraico e abriu uma garrafa de temperada. As masmorras doloridas ainda lhe pesavam nos ombros, forçando-o a andar curvado, com os olhos fixos nos cinquenta dedos dos pés octogonais, cor shocking blue, amassados nas extremidades. Descarnavalizou suas caetanices enrustidas, e, repentinamente assustado, trancou-as no armário da despensa, junto com sua coleção de figurinhas de astros do underground psicopneumático. 
Uma comissão de baratas chefiadas por F.Kafka protestou energicamente, jogando bolas de naftalina multicoloridas no ventilador sonoro, que emitia notas de ”Pisa na Fulô” executadas em acordes de gaita de foles. Indeciso, emocionado, quase tremendo, abriu a porta da rua e viu que o oceano agora estava lá, mas, a linha do horizonte estava em posição vertical. Petrificou seus conceitos primários, e guardou-os numa orgulhosa caixa de bombons de chocolate, presente da Condessa de Cavanhaque no Natal de 1958. Dançou “La Cumparsita” freneticamente com um desajeitado aspirador de pó, já que por ali, não encontrou nenhuma elegante e sensual vassoura. Nem sequer pensou em convidar sua circunspecta vizinha, a Dama das Camélias, que resolvera adotar um cão vira-latas encontrado na rua, passando daí em diante, ela e o cão, a serem conhecidos como “A Dama e o Vagabundo”. Ela tentara se enforcar diversas vezes, devido ao ódio que tinha do Disneyano apelido, mas, o cão sempre a salvava, comendo a corda de salsichas que a Dama usava como instrumento do suplício.
A campainha da porta tocou. Sivucamente rapadurizado, lampionicamente gonzagueado, um boneco de Mestre Vitalino de sanfona em punho pedia ajuda para achar sua jangada. Não seria melhor um carro de bois? Um singelo jumento e sua óbvia carga de aipim?  Podia ter-lhe dito que a jangada “saiu com Chico, Ferreira e Bento”, mas, uma consciência Caymmica o impediu. Pela porta aberta, viu que a superfície do oceano estava agora invertida, de “cabeça para baixo”, no lugar onde deveria estar o céu e seus querubins. E lá, no oceano invertido, flutuando em suas benditas águas, estava a jangada do boneco de Vitalino, um carro de bois, e obviamente, um jumento e sua carga de aipim. Esperou o boneco sair, fechou bem a porta, rezou uma ladainha em latim e foi dormir. (*Carlos Éden Meira – Jornalista e cartunista) 

Nota: quem pensa que este texto foi escrito por alguém que está “completamente pirado”, recomendo a leitura dos livros “Alice no Paìs das Maravilhas” e “Alice através do espelho e o que ela viu por lá”, do escritor britânico Lewis Carrol. Quando fiz este texto e outros no mesmo estilo, há muito tempo, só conhecia as famosas versões cinematográficas “Disney” da obra. Os dois livros de Carrol, que só fui conhecer recentemente, são umas viagens extremamente surreais, que extrapolam e exploram absurdamente a linguagem e as impossíveis metáforas da própria obra.

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