segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O Vendedor.

                              J. B. Pessoa

João Mesquita acordou naquela manhã de inverno, bastante aborrecido. A neblina que caia desde a madrugada, parecia anunciar um dia monótono, de poucas vendas e muito frio. Estava chateado consigo mesmo, devido à sua decisão de deixar Salvador e vir morar em Jequié. A proposta que ele aceitou de ser vendedor em uma recém e inaugurada loja da cidade, havia lhe conferido rendimentos nada desprezíveis; porém, para um jovem como ele, acostumado na capital, àquela cidade do interior era um tanto tacanha para seu gosto. Ele tinha sido contratado pelo Magazine Três Irmãos, devido à sua fama de grande vendedor. João, apesar de muito jovem, tinha angariado respeito de seus camaradas soteropolitanos e, em uma noitada boêmia no Cabaré Tabaris, conheceu o gerente da loja, que o convenceu a vir morar na Terra do Sol e de moças bonitas! O sol que ele adora?!... Não viu! As garotas?... Também não! Chegou a Jequié no mês de julho, logo depois das festas juninas, época em que a cidade entra em numa maresia que só termina em setembro. Era o final de agosto e o inverno daquele ano estava mais rigoroso do que os anteriores. O povo da cidade dormia muito cedo, pois o apagar das luzes, às vinte e duas horas, deixava as ruas totalmente vazias. Os notívagos encontravam guarida nos modestos bordeis da Rua do Maracujá ou em recantos mais obscuros. Na noite anterior, ele tomou muita cerveja, indo dormir bastante tarde, acordando numa ressaca tenebrosa e com uma enxaqueca que parecia sem cura!
A loja abria suas portas às oito horas. Era a maior da cidade, de sua região, e uma das mais chiques do interior. Tinha aderido ao sistema de comissão de vendas, o que tornava seus vendedores mais competitivos. Bastava entrar alguém com cara de rico para os vendedores caírem em cima dele como aves de rapina, na esperança de uma boa comissão. João achava os seus novos colegas, vendedores tabaréus e sem educação. Não tinham tino profissional e eram capiaus demais para uma loja daquele porte. Os fregueses menos afortunados eram desprezados, os quais evitavam fazer compras na luxuosa loja. Por sua vez, João atendia a todos igualmente e, com seu simpático sorriso, conquistava cada dia novos clientes para a loja, fato que deixava os outros caixeiros com muita inveja.
Naquela manhã, após tomar um sal de frutas, João estava compondo a sua gravata, quando entrou na loja um cidadão mal vestido com as roupas enxovalhadas e bastante sujas. Era um senhor pardo, de meia idade, com aparência cansada. Tinha em baixo dos braços um grande embrulho feito com papel de jornal. Entrou timidamente na loja e não foi atendido por ninguém. João notou que todos os vendedores foram saindo de lado, ignorando o sujeito, apesar da loja está totalmente vazia. Nesse momento João aproximou-se do cidadão e disse cordialmente:
- Bom dia doutor!...Estou às suas ordens!
- Bom dia meu rapaz! Eu soube que nesta loja vende ternos muito bons!
- Sim! Somos os únicos da cidade! Temos alguns, costurados por um talentoso alfaiate local, o Sr Antonio “Bria”, de Assis e outros confeccionados no Rio de Janeiro, de ótima etiqueta.
- Gostaria de vê-los, por favor!
João conduziu o cliente até a secção de ternos e mostrou tudo o que tinha em estoque. O cidadão escolheu três, experimentou, dizendo a seguir:
- Fico com estes! Eu gostaria de ver algumas camisas e gravatas!
- Pois não doutor! Agora mesmo! Temos excelentes camisas de sedas, linho e cambraias, gravatas de sedas e, se o senhor preferir confecções de nylon, a loja dispõe no momento algumas, que é a última moda no sul!
- Tudo bem, eu quero ver todas!
O rapaz foi mostrando todo o estoque e o cliente ficou com dez camisas e cinco gravatas. Nesse ínterim, os outros vendedores, cientes da asneira que fizeram, aproximaram do cidadão com bastante curiosidade. Ele explicou que era advogado e tinha uma fazenda de cacau, situada além do distrito de Jitauna. Na vinda para cá, sofreu um pequeno acidente; seu jipe capotou, perto da fazenda Provisão, caindo num riacho, perdendo ele toda a sua bagagem, só salvando seu precioso embrulho. Ele precisava estar em Salvador naquela segunda feira, para realizar um grande negócio e ia pegar um avião da Nacional ou da Real, companhias aéreas que atuavam diariamente em Jequié.
- Eu gostaria de comprar uma maleta para guardar esse dinheiro! – Disse o homem despejando o conteúdo do embrulho no balcão. Os vendedores olharam pasmados para tudo aquilo, pois jamais em suas vidas, tinham visto tanto dinheiro junto. João lhe ofereceu uma pasta de cromo alemão, aproveitando a oportunidade para vender um jogo de malas. O homem comprou de tudo: sapatos, meias, cintos, cuecas e ainda deu uma gorda gorjeta ao rapaz. Saiu da loja bem vestido, congratulando o gerente pelo excelente vendedor. Pegou um carro de praça e seguiu para o aeroporto Vicente Grillo. João tomou um cafezinho e foi até a porta da loja; acendeu um cigarro e tragou suavemente a fumaça, notando os olhares estupefatos de seus colegas. Sentiu que aquela cidade tinha muita coisa a lhe oferecer. Ficou admirando o belo jardim da praça, e aspirou, com vontade, o vento fresco da manhã. Sorriu satisfeito. Sua enxaqueca tinha desaparecido! (Do livro não publicado, “Velhos Tempos Jequieenses”)

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