terça-feira, 29 de maio de 2018

“UMA FIGURA”

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Carlos Eden Meira
A viúva dona Olinda Souza, pessoa simples, mãe de muitos filhos é dessas pessoas sempre alegres, cujos percalços da vida não parecem afetá-la. O marido defunto era caminhoneiro, ciumento e cismado, coisa incompreensível para os vizinhos, pois dona Olinda não tinha atributos físicos que justificassem tais cismas. Baixinha e atarracada, já beirando os cinqüenta, chochinha, banguela por muitos anos, pois o marido Josivaldo não lhe permitia o uso de uma prótese. –“Mulher casada quer dentadura pra quê? Pra ficar se rindo pra uns e outros por aí?” – Berrava ele.
Na janela, quando o dito cujo ainda era vivo, dona Olinda conversava com as amigas vizinhas, olho atento ao começo da rua de onde o marido surgia a caminho de casa, já bem chegado na fubúia em horas imprevisíveis. Nunca avisava à esposa se ia almoçar ou jantar em casa, e, caso ele a visse naquela conversa de janela, o pau comia feio. Era porrada de criar bicho. De longe, os gritos de dona Olinda eram ouvidos, juntamente com o barulho das louças da casa sendo quebradas. – “Mulé minha não é pra ficar de conversa de quiqui cacacá, com essa cambada de sem-que-fazer!” – Depois da partida de Josivaldo “desta para a melhor” (será?), num desastre de caminhão, dona Olinda botou dentadura, arranjou emprego de zeladora em uma entidade pública, mas conservou sua dignidade como viúva, sua alegria de viver e otimismo constante. Ficou até mais nova.
– Como vão as coisas dona Olinda?
– Tudo bem. A véia (sogra) tá lá entrevada, em cima da cama, morre, mas não morre, o telhado da cozinha caiu, os minino tudo pegaro essa tar de virose, eu tô com uma dor disgramada nos quartos, mas tudo bem, graças a Deus! – O interessante de dona Olinda era o linguajar. Alguém testemunhou essa conversa dela ao telefone:
– Pois é dona Lili, a menina vai formar pra professora, mas, não vai ter festa. Só vai ter mesmo a “coleção de grau”.* Os minino ainda tão com a tar de virose, levei pro dotô “pederasta, pediatreta”*, sei lá como é que chama. Ele passou um remédio que minha cumade Zelinha leu a bula, e disse que é melhor não tomar porque está cheio de um tar de efeito “colesterol” *. – Outra conversa de dona Olinda ao telefone, sempre para essa tal dona Lili:
– Dona Lili, eu não te conto! O cumpade Deocride, marido de cumade Zelinha quebrou o “sacy do chaveiro” * dele, levando os “desobrigado” * da enchente pro pátio do colégio. O carro num guentou. É tanta gente que o diretor até suspendeu as aulas. Eu até ia trabalhar lá como servente, mas, o diretor disse que quando “sugerisse” * outra oportunidade ele me chamava. Nem foi por “assistência” * minha; foi tudo por livre e “instantânea” * vontade dele.
Dona Olinda é “uma figura”, como diria um velho amigo nosso. Seu otimismo e alegria de viver, mesmo diante das dificuldades da vida devem servir de exemplos para muita gente. Inclusive eu.
“Traduzindo” dona Olinda – * Colação de Grau – * Pediatra  * Colateral  * Chassis do Saveiro – * Desabrigados – *Surgisse  Insistência – * Espontânea
Os nomes de pessoas citadas nesta crônica são fictícios. Qualquer semelhança com nomes de pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. (http//revistacotoxo.com.br)

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