terça-feira, 17 de abril de 2018

Brincadeiras de Criança


Maria Letícia Meira e Charles Meira remando a canoa no Rio de Contas em Porto Alegre - distrito de Maracás - BA. 

O rio de Contas corta a cidade de Jequié, dividindo-a em duas partes. O centro fica do lado esquerdo do seu leito, já o bairro do Mandacaru fica do lado direito. Sua nascente está localizada na Serra do Tromba, entre os municípios de Piatã e Rio de Contas, em plena Chapada Diamantina, de onde vem cortando  vales, fazendas, lugarejos, povoados e municípios de grande porte. Na época das chuvas havia, por várias vezes, enchentes que invadiam o que encontrava pela frente. Atualmente, com a construção de uma grande barragem, foi possível controlar o nível das águas, diminuindo com isso o perigo de constantes enchentes. O represamento das águas atingiu uma distância de 72 km, que na época fez desaparecer muitos povoados que ficavam próximos das suas margens.
       A história do município de Jequié mostra que pessoas importantes habitaram naquela região. José Marques da Silva, mais conhecido como Zezinho dos Laços, foi uma delas, um famoso chefe de jagunços. Deixou como herdeiros alguns filhos que continuaram morando naquele belo lugar chamado Porto Alegre.
          Nas férias escolares, os filhos e netos do seu Randulfo, apelidado de Duca de Porto Alegre, filho de José Marques da Silva, vinham de Jequié para gozar aqueles dias no pequeno paraíso.  



Casa de Randulfo Marques da Silva (Duca) -  Porto Alegre - Distrito de Maracás - BA.)
    
Com seu Duca, moravam na casa a vovó Quinita, tia Lala e Roque, um rapaz que era criado desde pequeno pela família. Ele era o braço direito do patrão. Todos os serviços rústicos e mais pesados ficavam a cargo dele. Para recados era o tal, pois conhecia todas as pessoas. Quando a distância era maior ele ia montado no seu jegue, o pequeno “Canário”. Roque estava sempre disposto e alegre. A casa do Sr. Duca era bastante bonita e grande. Chamava a atenção pela quantidade de dez janelas na frente que davam um charme especial. Tinha ainda cinco quartos espaçosos, duas salas, uma dispensa, onde vovó Quinita fabricava os deliciosos pães, bolos caseiros e guardava os mantimentos para alimentação, uma cozinha, banheiro e um quintal enorme com os fundos para o Rio. A comida era farta e gostosa, fazendo-nos engordar. O terreiro na frente era mais que suficiente para as brincadeiras durante os dias que ali ficavam.                                                
           Próximo dali viviam outros parentes: Almerindo e sua esposa Laura, a filha Regina e a criada Bastiana, irmã de Roque. Ela, ainda jovem, executava com perfeição todas as suas tarefas.
         Pela manhã o divertimento era no rio de Contas. As mulheres levavam as roupas nas bacias apoiadas nas suas cabeças e outros utensílios para serem lavados. As crianças com seus brinquedos preferidos. Meninos com bolas, meninas com bonecas, petecas, tudo que preenchesse o tempo. Desciam correndo uma ladeira e passavam entre pedras até chegarem à areia branca. Muitas vezes levavam garrafas  vazias e farinha  para pescar as  piabas nas  águas rasas e claras.
Ali, uns iam para jogar bola, outros, petecas. Os filhos de Maria Letícia corriam para a canoas ancoradas para serem utilizadas na travessia do rio e faziam de conta que estavam navegando, usando os remos que sempre estavam dentro delas. Outras vezes juntavam-se meninos e meninas para brincar de médico ou de marido e esposa.


Charles Meira em Porto Alegre, distrito de Maracás - BA)
         Ao meio-dia as coisas eram arrumadas e retornavam para casa, pois os gritos de Roque avisavam que o almoço estava pronto.  Depois do almoço e de tirarem uma soneca, era hora de irem para o terreiro para organizar outras brincadeiras. Boca-de-forno, esconde-esconde movimentavam a meninada que nunca se cansavam. Quando não brincavam de picula iam sentar-se à sombra de uma árvore localizada ao lado da casa e com ossos de de mocotó de boi que o senhor Randulfo guardava com cuidado durante todo o ano para seus netos. Montavam fazendas e esqueciam do mundo naqueles momentos. Em uma dessas tardes um dos netos do seu Duca desentendeu-se com Humberto, seu primo, porque os dois queriam um dos bois de osso que achavam o mais bonito. Resultou que ficaram de mal por vários dias.
         A noite chegava e todos tomavam banho de “sopapo” na porta que dava para o quintal, ou no banheiro quando estava fazendo frio. As reclamações para encerrarem as brincadeiras nesse dia foram poucas, porque à noite tinha festa na praça e na igreja em comemoração a São Sebastião, padroeiro do povoado. Depois de rezarem e assistirem à peça teatral da morte e ressurreição de Jesus, representada por atores locais, e direção de dona Quinha, que habilmente montava o cenário e escolhia o figurino utilizado naquele drama. Por quase duas horas os fiéis se aglomeravam na parte interna da igreja. Depois se deslocavam para a área reservada para a festa profana onde barracas de jogos, comidas, bebidas e vários bailes em salões próximos do local estavam organizados para o divertimento dos moradores.

Marli, Francisco, Regina, Almerindo, Laura, Carlinda, Eulália, Osmar, Antônio, Araildes, Randulfo (Duca), Maria Letícia, Roque, Sebastiana, Tomaz e Charles, família Meira/Marques/Silva, reunida em frente da casa em Porto Alegre - Distrito de Maracás.

O destaque da festa de largo era o leilão da barraca do Toninho Preto. A população dava brindes de todo tipo para serem arrematados por quem oferecia o melhor preço. O dinheiro arrecadado no leilão era destinado às melhorias da igreja e despesas com os padres convidados. De longe se ouviam os gritos daquele senhor magro, alto e negro, que dava uma animação especial até que todas as doações fossem leiloadas. Para uns a festa continuava até o outro dia, mas para a família do Sr. Duca terminava antes da meia-noite. Mesmo contrariados todos atendiam as ordens do chefe da família.
         As cortinas deste passado foram fechadas quando o povoado foi totalmente coberto pelas águas represadas do rio de Contas, deixando tristezas e muita saudade.

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