Maria Letícia Meira e Charles Meira remando a canoa no Rio de Contas em Porto Alegre - distrito de Maracás - BA. |
O rio de
Contas corta a cidade de Jequié, dividindo-a em duas partes. O centro fica do
lado esquerdo do seu leito, já o bairro do Mandacaru fica do lado direito. Sua
nascente está localizada na Serra do Tromba, entre os municípios de Piatã e Rio
de Contas, em plena Chapada Diamantina, de onde vem cortando vales, fazendas, lugarejos, povoados e
municípios de grande porte. Na época das chuvas havia, por várias vezes,
enchentes que invadiam o que encontrava pela frente. Atualmente, com a
construção de uma grande barragem, foi possível controlar o nível das águas,
diminuindo com isso o perigo de constantes enchentes. O represamento das águas
atingiu uma distância de 72 km, que na época fez desaparecer muitos povoados
que ficavam próximos das suas margens.
A
história do município de Jequié mostra que pessoas importantes habitaram
naquela região. José Marques da Silva, mais conhecido como Zezinho dos Laços,
foi uma delas, um famoso chefe de jagunços. Deixou como herdeiros alguns filhos
que continuaram morando naquele belo lugar chamado Porto Alegre.
Nas férias
escolares, os filhos e netos do seu Randulfo, apelidado de Duca de Porto Alegre,
filho de José Marques da Silva, vinham de Jequié para gozar aqueles dias no
pequeno paraíso.
Casa de Randulfo Marques da Silva (Duca) - Porto Alegre - Distrito de Maracás - BA.)
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Com seu
Duca, moravam na casa a vovó Quinita, tia Lala e Roque, um rapaz que era criado
desde pequeno pela família. Ele era o braço direito do patrão. Todos os
serviços rústicos e mais pesados ficavam a cargo dele. Para recados era o tal,
pois conhecia todas as pessoas. Quando a distância era maior ele ia montado no
seu jegue, o pequeno “Canário”. Roque estava sempre disposto e alegre. A casa
do Sr. Duca era bastante bonita e grande. Chamava a atenção pela quantidade de
dez janelas na frente que davam um charme especial. Tinha ainda cinco quartos
espaçosos, duas salas, uma dispensa, onde vovó Quinita fabricava os deliciosos
pães, bolos caseiros e guardava os mantimentos para alimentação, uma cozinha,
banheiro e um quintal enorme com os fundos para o Rio. A comida era farta e
gostosa, fazendo-nos engordar. O terreiro na frente era mais que suficiente
para as brincadeiras durante os dias que ali ficavam.
Próximo
dali viviam outros parentes: Almerindo e sua esposa Laura, a filha Regina e a
criada Bastiana, irmã de Roque. Ela, ainda jovem, executava com perfeição todas
as suas tarefas.
Pela
manhã o divertimento era no rio de Contas. As mulheres levavam as roupas nas
bacias apoiadas nas suas cabeças e outros utensílios para serem lavados. As
crianças com seus brinquedos preferidos. Meninos com bolas, meninas com
bonecas, petecas, tudo que preenchesse o tempo. Desciam correndo uma ladeira e
passavam entre pedras até chegarem à areia branca. Muitas vezes levavam
garrafas vazias e farinha para pescar as piabas nas águas rasas e claras.
Ali, uns iam para jogar bola, outros,
petecas. Os filhos de Maria Letícia corriam para a canoas ancoradas para serem
utilizadas na travessia do rio e faziam de conta que estavam navegando, usando
os remos que sempre estavam dentro delas. Outras vezes juntavam-se meninos e
meninas para brincar de médico ou de marido e esposa.
Charles Meira em Porto Alegre, distrito de Maracás - BA)
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Ao
meio-dia as coisas eram arrumadas e retornavam para casa, pois os gritos de
Roque avisavam que o almoço estava pronto. Depois do almoço e de tirarem uma soneca, era
hora de irem para o terreiro para organizar outras brincadeiras. Boca-de-forno,
esconde-esconde movimentavam a meninada que nunca se cansavam. Quando não
brincavam de picula iam sentar-se à sombra de uma árvore localizada ao lado da
casa e com ossos de de mocotó de boi que o senhor Randulfo guardava com cuidado
durante todo o ano para seus netos. Montavam fazendas e esqueciam do mundo
naqueles momentos. Em uma dessas tardes um dos netos do seu Duca desentendeu-se
com Humberto, seu primo, porque os dois queriam um dos bois de osso que achavam
o mais bonito. Resultou que ficaram de mal por vários dias.
A
noite chegava e todos tomavam banho de “sopapo” na porta que dava para o
quintal, ou no banheiro quando estava fazendo frio. As reclamações para
encerrarem as brincadeiras nesse dia foram poucas, porque à noite tinha festa
na praça e na igreja em comemoração a São Sebastião, padroeiro do povoado.
Depois de rezarem e assistirem à peça teatral da morte e ressurreição de Jesus,
representada por atores locais, e direção de dona Quinha, que habilmente
montava o cenário e escolhia o figurino utilizado naquele drama. Por quase duas
horas os fiéis se aglomeravam na parte interna da igreja. Depois se deslocavam
para a área reservada para a festa profana onde barracas de jogos, comidas,
bebidas e vários bailes em salões próximos do local estavam organizados para o divertimento
dos moradores.
O destaque
da festa de largo era o leilão da barraca do Toninho Preto. A população dava
brindes de todo tipo para serem arrematados por quem oferecia o melhor preço. O
dinheiro arrecadado no leilão era destinado às melhorias da igreja e despesas
com os padres convidados. De longe se ouviam os gritos daquele senhor magro,
alto e negro, que dava uma animação especial até que todas as doações fossem
leiloadas. Para uns a festa continuava até o outro dia, mas para a família do
Sr. Duca terminava antes da meia-noite. Mesmo contrariados todos atendiam as
ordens do chefe da família.
As
cortinas deste passado foram fechadas quando o povoado foi totalmente coberto
pelas águas represadas do rio de Contas, deixando tristezas e muita saudade.
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