segunda-feira, 6 de julho de 2020

O SONHO DOS JEQUIEENSES...

   Carlos Eden Meira


Assim como milhões de brasileiros, os jequieenses sonham. Sonham não com um passado glorioso, mas um passado quando os projetos de crescimento e de progresso eram levados um pouquinho mais a sério. Houve momentos de considerável desenvolvimento colocando a cidade entre as mais importantes economicamente no Estado, assim como o Brasil perante o mundo em certos períodos. Mas, o que quero contar aqui são fatos no mínimo curiosos, que aconteceram nos anos sessenta, durante a construção do “Viaduto Daniel Andrade”. Obra iniciada em 1962 e concluída em 1966, o viaduto levou um bom tempo com suas obras paralisadas, quando já havia sido feita boa parte do corte na atual Avenida Rio Branco e Rua Abílio Procópio, onde os trabalhos envolviam explosivos, os quais assustavam e prejudicavam os moradores das ruas envolvidas no projeto. Muitas casas sofreram sérias rachaduras, alicerces em risco de abalos, além dos telhados arruinados pelas pedras que caíam, durante as explosões. As laterais do corte deixavam espaço suficiente para pessoas andarem em “fila indiana” subindo a ladeira dos dois lados da avenida, porém, sem um mínimo de segurança. Se alguém pisasse errado, cairia de uma altura considerável, e isso poderia ser fatal.
Quando chovia forte, os barrancos desabavam, tornando ainda mais estreitas essas passagens, entretanto, as pessoas desafiavam esse risco. Nessas noites de chuvas fortes, acordávamos assustados ouvindo o barulho dos barrancos caindo, imaginando se alguém teria sofrido algum acidente. Além disso, corríamos pela casa colocando vasilhames para aparar goteiras feitas pelas pedras que caíam no telhado, durante as explosões. No enorme buraco formado pelo corte, pessoas jogavam lixo que se acumulava durante longo tempo, o mau-cheiro se espalhava pelas ruas e só não era pior, graças aos urubus que voavam por ali, “cuidando” da limpeza. Dessa forma, as críticas eram muitas e teve até quem se mudasse da rua, com medo da casa cair, do mau-cheiro e dos riscos constantes.
O jornalista Raymundo Meira, um dos moradores da Avenida Rio Branco que naquele trecho ainda era a Rua 27 de Janeiro de um lado, e Rua Laudelino Barreto do outro, teve a ideia de me pedir para desenhar uma charge criada por ele, para ilustrar a situação. Como não tínhamos por aqui meios gráficos para imprimir charges em revistas ou jornais, fizemos a coisa em duas folhas de cartolina. Numa das folhas intitulada “O Sonho dos Jequieenses”, desenhei (como nós imaginávamos), uma bonita ponte moderna, com seus “parapeitos” na altura razoavelmente recomendável, sobre uma avenida asfaltada, com veículos que transitavam sob e sobre a ponte do viaduto, com suas laterais bem protegidas por balaustradas de cimento armado. Tudo isso, obviamente dentro das minhas limitações como desenhista, é claro. Na outra folha de cartolina, intitulada “E a Triste Realidade”, desenhei o corte como um verdadeiro lixão cheio de urubus, e os barrancos despencando das laterais sobre os transeuntes que por ali passavam.
Pois, muito bem. Raymundo Meira que além de jornalista era funcionário de uma empresa local, solicitou de seu chefe, permissão para usar uma das vitrines da empresa para expor as charges. O chefe gostou da ideia e imediatamente concordou! Foi uma sensação geral, e as pessoas que paravam para ver aquela novidade riam pra valer. Ora, o prefeito Daniel Andrade, um governante moderno, de mente aberta e dinâmico não se incomodou nem um pingo com aquela charge. Pelo contrário, gostou e pediu a meu pai, o jornalista Henrique Meira Magalhães, já que ele não me conhecia, para que eu fizesse um desenho como o que estava na charge “O Sonho dos Jequieenses”, com a bonita ponte e o moderno viaduto, conforme citei. Era para publicar no “Jornal Jequié” copiado em um “clichê” encomendado em Salvador, e foi publicado anunciando a inauguração do viaduto em 1966. O que eu nunca entendi foi o fato de a PMJ não dispor na época, de um desenho técnico, uma maquete gráfica de como ficaria o viaduto depois de pronto. Foi preciso apelar para uma charge feita por um jovem desenhista, com pouca ou nenhuma experiência em desenho arquitetônico, para divulgar a obra. Não cobrei um tostão furado pelo trabalho, pois, para mim era um prazer ver meu desenho publicado num jornal. E ficou razoavelmente bom.
Outro detalhe é que na legenda abaixo da ilustração publicada no jornal não cita que é um desenho, muito menos a autoria. Diz apenas “foto”. Se não fosse minha assinatura, ninguém saberia quem fez. Essas coisas, infelizmente a gente não esquece. O “Viaduto Daniel Andrade” tornou-se afinal, uma importante e necessária obra para facilitar o movimento de veículos na cidade. Hoje, os jequieenses continuam, assim como todos os brasileiros, a sonhar com governantes sérios, honestos, desenvolvimentistas, democratas voltados para os interesses do povo, com pelo menos um mínimo de compreensão na responsabilidade dos cargos que ocupam.

11 comentários:

  1. Mais fiel impossível é o relato do amigo Carlos Eden sobre essa obra que deu tanta dor de cabeça aos moradores do Alto da Bela Vista. Minha casa era a terceira ou quarta casa do lado direito da rua Abilio Procópio, sentido Lelis Piedade e a chuva de pedras sobre o telhado acontecia diariamente. Me lembro desses cartazes. Deram o que falar durante muito tempo.

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  2. Excelente artigo. Carlos Eden descreveu a "epopeia" da construção do viaduto, com muita clareza e visão histórica.

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  3. Grande texto Eden. Jequié sempre foi uma vítima de sucessivas administrações incompetentes, salvo raras exceções. Dias atrás um político de direita, ex-parlamentar disse que Jequié estava aquem de outras cidades do interior. O mais engraçado é que ele sempre apoiou os governantes da direita que sempre foi inapta e caiu no ostracismo há muito tempo.Aprsar dos pesares, sempre que vou a Jequié faço questão de curtir a paisagem da cidade lá de cima do viaduto. A imagem é muito linda, apesar de achar que o viaduto deveria ser revitalizado. Merece. Um abraço Eden. Muito bom ter lembrado de Sr. Henrique, ícone do jornalismo dai e de alhures. Também a lembrança de nosso querido Raymundo, sempre muito bom lembrar dele. Paulo Sousa Sarmento

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    1. Obrigado,Paulo!Fico satisfeito em saber que você gostou do texto.Um abraço.

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  4. Desculpe esses erros ortográficos. Esse corretor sempre pisando na bola. Kkkkk. Correções: ex-parlamentar, disse; apesar dos pesares;

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  5. Muito bom texto. Saber como foi construído o viaduto da nossa cidade .

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  6. Muito legal! A história sendo apresentada por quem viveu a experiência. Sabedoria empírica.

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