segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Um Retrato sem Nome


Moga Neto
                                           
Peguei um carro na praça anos atrás (não existia taxi na época) tomei na praça 2 de Julho com direção á Barra Avenida; um automóvel Volks bem usado e fomos passeando rumo ao meu destino, o motorista disse-me que com aquele veículo conseguiu criar 3 filhos e adquirir uma casinha á beira mar para quando me aposentar viver ali os meus últimos dias.
Conversamos sobre o governo (naquele tempo não tinha assalto) e outras coisas da modernidade da época. Vislumbrei de longe meu destino e disse-lhe para diminuir (seu carro não tinha potência) o veículo parou. Perguntei-lhe o preço da corrida que foi de 25 mil reis. Dei-lhe 30 mil reis para pagar e ele sorriu ao dizer que não tinha troco. Ante. Impasse com seus cabelos em desalinho sorriu novamente e disse: Pague só vinte; retruquei prefiro pagar os 30 e quem sabe um dia nos encontraremos novamente e acertaremos as contas?
Invadido por uma súbita emoção, com os olhos lagrimejando disse-me: Impossível amigo, e em um gesto inusitado beijou as minhas mãos e disse-me tenho 30 anos de praça e estou me aposentando hoje, e o senhor é meu último passageiro!
De repente chorei também ao sentir a dignidade e a importância daquele momento para ele e para mim. Por participarmos de um momento tão indelével para ambos.
O veículo abriu a porta, nos olhamos como se fora dois velhos amigos que se despediam com saudades. Vi seu rosto sumindo no retrovisor enquanto o veículo partia... Quando era só mente um ponto distante bati na testa em sinal de protesto... Seu nome. Não perguntei seu nome!
35 anos depois tenho gravado em minha mente o seu semblante esculpido pelo tempo que jamais se apagou na minha memória... Essa crônica poderia ser a última da minha vida.

Moysés Elpídio de Almeida Neto (Moga Neto)
 Poeta e Escritor Baiano
 03/07/2019

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