segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

O Jequieense Noca do Acordeom

                                                               Charles Meira
                                 Adauto Pereira de Matos (Noca do Acordeom)                               
Em Jequié nasceu um homem – gênio
Um prêmio para nós, nordestinos
Alguém de admirável tino
Dádiva ao nosso Brasil de mil cores.

Teus dedos brincavam sobre os botões,
Extraiam canções do fundo da tua alma!
Teu acordeom gemia e falava
O que estava no âmago do coração...

De tua inteligência nasce uma joia
Batizada de "Baião da Saudade".
Tocava este "Brincando com os dedos”
Como se fosse uma divindade!

A tua sanfona deixou lágrimas
Pela falta dos teus acordes mil.
Nem mesmo a morte pode apagar
O brilho do teu talento deixado em vinil.
Lembrem, lembrem, povo brasileiro!
Que de tua terra veio este inigualável tom
Lembrem, povo de minha terra,
Que por aqui passou Noca do acordeom!

(Por José Ferreira Batista – poeta Inhambupense)

Em uma tarde do ano de 2013,  quando visualizava as postagens do Fecebook, uma delas me chamou a atenção. Um vídeo contendo uma composição do artista Noca do Acordeom e um texto do internauta, questionando a programação musical já definida pela prefeitura para o São João da cidade de Jequié. No questionamento, a pessoa protestava contra a escolha de bandas e artistas contratados para o evento, que não cantavam no estilo musical tradicional das festas juninas, mostrando como exemplo a composição do artista.
         Não foi o questionamento do internauta protestando contra a programação do evento que me chamou a atenção, e sim o fato de o artista citado ser filho de Jequié, realidade desconhecida até aquele momento por mim e  vários conterrâneos. Após esta informação, fiquei desejoso de pesquisar sobre a vida de Noca do Acordeom,  com quem tinha laços familiares, pois era irmão de Astrogildo Souza Matos (Dodoca), casado com minha prima carnal Marli.

Elenita Rocha Matos
Alaíde Rocha Matos
Inicialmente pesquisei na internet, onde encontrei informações importantes da sua vida familiar e musical, entretanto, resolvi entrevistar também amigos e suas irmãs por parte de pai, Alaíde Rocha Matos e Elenita Rocha Matos, que moram na cidade de Jitaúna, buscando assim tornar a pesquisa mais rica e confiável. Minha prima Marli manteve os primeiros contatos com elas, porém não foi possível concretizá-los pelo fato de estarem de viagem marcada para visitar suas irmãs no Rio de Janeiro. Ficou acertado  que elas iriam conversar com as irmãs residentes na Cidade Maravilhosa sobre o assunto, e quando retornassem viriam a Jequié falar comigo. No dia 18/10/13, na casa de Marli, recebi das mãos das irmãs de Noca um breve relato familiar sobre a vida do músico jequieense.

Patrício Souza Matos
Rita Pereira dos Santos
         Adauto Pereira de Matos nasceu em 18/11/1940 no distrito de Itaibó, que pertence ao município de Jequié-BA. Filho de Patrício Souza Matos e Rita Pereira dos Santos, Noca concluiu apenas o curso primário. Com oito anos de idade tocava triângulo, acompanhando o seu pai, um veterano sanfoneiro que tocava um acordeom de 8 baixos, demostrando desde menino grande interesse pela música. Aos doze anos de idade já sabia tocar sanfona. Então ganhou do seu pai uma de 80 baixos, que por diversas ocasiões tocou nos circos que passavam na localidade, oportunidade em que ganhou alguns trocados e feliz contava para seus familiares. Ainda adolescente Noca foi morar no povoado de Jampruca,  que pertencia ao município de Governador Valadares - MG,  onde formou um grupo musical com jovens da localidade para tocar suas composições. Com 19 anos, o jovem jequieense se aventura na estrada rumo a Brasília, período da construção da Capital Federal, onde se apresentou com sucesso nas primeiras casas de espetáculo ali instaladas. O desejo de conquistar o sucesso foi o fator determinante para Noca se mudar para o Rio de Janeiro. Ali chegando iniciou tocando seu acordeom caipira, se apresentando no programa “Hora Sertaneja”, apresentado pelo Coronel Narcizinho,  na Rádio Mayrink Veiga, época em que Noca conseguiu comprar um acordeom de 120 baixos.

Elenita, Noca, Zenilda, Deraldo, Adelaide e Alaíde no casamento de Noca do Acordeom em Jitaúna-BA.
Na biografia de Jackson do pandeiro, consta que Noca começou acompanhando o véio, entretanto ele, que não era nada bobo, logo percebeu o seu talento extraordinário e o aconselhou: “Um sanfoneiro como você tem que gravar sozinho”.
Noca iniciou suas gravações na gravadora Chanteclair, onde gravou a música “Baião da Saudade”, o ponto alto da sua caminhada musical. No auge da sua carreira, recebeu o título de melhor solista do Brasil, solenidade realizada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Capa do LP “Brincando com os Dedos” de Noca do Acordeom.
Nos LPs gravados ao longo da carreira de Noca do Acordeom, as músicas “Brincando com os Dedos”, “Rita”, “Relógio”, “Silêncio Profundo”, “Acordes que Choram”, “Coração de Artista”, “Revendo o Norte”, “Cidade Baixa”, “De Fortaleza a Sobral”, “Tire a Mão Daí”, “Mocinho Bonito”, que na maioria eram composições de sua autoria, e fizeram grande sucesso em todo Brasil. Nos  anos de 1970 a 1980, Noca chegou a tocar nos vagões de luxo de trens de passageiros no Ceará. Foi provavelmente nessa época que nasceu a composição “De Fortaleza a Sobral”.
Na ocasião do casamento de minha prima Marli com Dodoca, em 26/09/1970,  na cidade de Jequié, Noca veio com seu pai, e num almoço realizado no dia seguinte em Jitaúna, tocou para os familiares. 

Marli Silva e Astrogildo Matos
Noca do Acordeom e Maria Letícia da Silva Meira em Jitaúna-BA.
Noca permaneceu na região por alguns dias e tocou num domingo em Santa Terezinha, na casa de Edísio Peixoto, levado pelo fazendeiro Aristóteles Farias. Na terça-feira, Aristóteles foi com Tribuna e Pedro Bronca à casa das irmãs de Noca na cidade de Jitaúna,  pois Tribuna estava tocando em Palmeirinha, um povoado do município de Aiquara no domingo, e gostaria de conhecer Noca. Dali foram ao jardim.  Noca engraxou os sapatos e ambos foram a um bar jogar sinuca. Enquanto jogavam, Noca recebeu um convite para tocar em Apuarema.  O Show aconteceu no Mercado Municipal, e foi aberto pelo sanfoneiro “Tribuna da Bahia”, um fã e amigo de Noca do Acordeom  que nasceu no povoado de Santa Terezinha no distrito de Itaibó - Jequié-BA, em 30/07/1948, e considera Noca do Acordeom o melhor solista do Brasil daquela época, e sua composição predileta é “Coração de Artista”.  Convidado pelo artista no dia em que foi contratado para o evento. Durante a apresentação de Noca, aconteceu um desentendimento dele com o violonista chamado Soldado Escurinho, pelo fato de Noca não aprovar a atuação do músico. Se não fosse a intercessão do Sargento Carlito, que conseguiu acalmar os ânimos, o show não teria terminado bem.

Arlindo Batista Santana de Souza(Tribuna do Brasil)
No ano de 1973, Tribuna da Bahia estava tocando num circo em Barra do Rocha e, como no dia não teve espetáculo, foi para Ipiaú visitar a Exposição Agropecuária que estava acontecendo naquela cidade. Chegando num local do evento onde tinha uma rinha de galo, viu no chão um estojo de acordeom forrado de couro de onça pintada e no bar estava seu amigo Noca do Acordeom. Logo ele se achegou, abraçou alegremente o amigo Tribuna e ficaram durante toda a noite conversando, bebendo e apostando nos galos de briga. Neste mesmo dia, foi contratado por um fazendeiro por uma boa quantia em dinheiro para tocar na sua fazenda em Barra do Rocha. Noca aceitou o convite e foram de Jipe, dirigido pelo fazendeiro no asfalto, e na estrada encascalhada por Noca, que não confiou no motorista.  Ali chegando, acompanhado por Tribuna e Pedro Bronca, a festa foi grande. Comeram e beberam muito e foram dormir. No final da tarde, quando acordou, Noca tocou bonito até altas horas. No dia seguinte, voltaram para Ipiaú. Noca trocou de roupa no hotel e foram novamente para a exposição.  Logo Noca foi reconhecido por uma fazendeira chamada Zezé, acompanhada  de suas filhas, que convidou o artista para sentar-se à mesa da barraca. A pedido dela, Noca tocou bonito para os presentes, levando a fazendeira chorar de emoção. Na manhã seguinte Tribuna retornou à Barra do Rocha, e a pedido da dona do circo tentou contratar Noca, porém não foi possível, pois a fazendeira tinha-o levado para tocar na sua fazenda. Em 1976, Tribuna foi morar no Rio de Janeiro e se encontrou com Noca numa casa de eventos chamada Xaxadão nº 1, na Ilha do Governador, local onde tocou por algum tempo, entretanto, nesta esta noite o seu amigo Noca não tocou. Este foi o último contato de Tribuna com Noca do Acordeom.  Em outra visita a Tribuna para confirmar dados da vida de Noca, o artista lembrou-se de um depoimento feito pelo sanfoneiro Dominguinhos, quando da realização do São João de Jequié, no primeiro mandato da administração do prefeito Luiz Amaral, evento realizado no Parque de Exposições Luiz Braga, onde elogiou o excelente acordeonista Jequieense. Contou que havia feito uma composição para Noca do Acordeom, porém não sabia o motivo de ele não ter gravado, e em seguida cantou a música. O músico Bené Sena, que na época era diretor de uma secretaria da prefeitura e ajudou na coordenação do evento, acreditou no depoimento de Tribuna e acrescentou que em outro show também realizado em Jequié, Dominguinhos enalteceu as qualidades musicais do gênio do acordeom.
Na época, com apenas 16 anos de idade, estava no casamento de minha prima Marli, entretanto não me lembro de nada relacionado à Noca do Acordeom no dia da festa. Acredito que muitos que conheceram o artista e não tiveram a oportunidade de entrevista-lo, gostariam de também falar do nosso conterrâneo. O importante é que mesmo tardiamente a homenagem está sendo feita.
Noca do Acordeom morreu no auge da sua carreira, em consequência de um enfarto na casa dos seus familiares, em 28/07/1985, na cidade de Nova Iguaçu-RJ.

* Texto editado na Revista Cotoxó de novembro de 2013.

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