segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

O Homem do Momento.

                                              J. B. Pessoa

Logo após a sua inauguração, o viaduto Daniel Andrade tornou-se uma atração para as pessoas, que viviam na Rua Bela Vista e circunvizinhas a ela. De cima dele podiam vislumbrar a parte norte, sul, leste e oeste da cidade e se encantar com o belíssimo por do sol, que daquele lado parecia ser o mais esplendoroso da cidade. O local acabou sendo o ponto de encontro de vários jovens, por influência de uma turma, que vivia nos arredores, ligada ao movimento Hippie e por outros que atuavam como músicos de algumas bandas de rock, transformando o lugar em uma pequena zona boemia.
Os jovens conviviam em harmonia uns com os outros, pois tinham interesses em comum. Além de músicos, havia uma turma que se interessava por teatro e outras manifestações artísticas. O principal entretenimento daquela moçada eram as serenatas, tendo em Carlos Éden Meira, o seu grande articulador, o qual acabou tornado-se líder natural de uma turminha especial. Eram eles: Erotides Soares, Solon Meira, Jaldo Panelli, Cândido Roberto Barros, João Ademir Araújo, Rubinho, Carlão, Eliziário Andrade, Washington Rosa, Bado Mendes, Cleber Figueiredo Vieira, José Buriti, Elenauro Meira e um jovem de alegria contagiante, chamado de João Batista, que se tornou lugar-tenente de Carlos Éden.
Era uma turma de pândegos, cujas peraltices tornaram lendárias na cidade. Sem serem convidados, eles penetravam nas festas particulares e acabavam sendo a atração principal do evento. Eram rapazes inteligentes e cultos, muitos dos quais, atuavam na política estudantil da cidade e tinham uma visão critica da sociedade em que viviam. Declamavam poesias e contavam piadas, sendo que, em diversos momentos, Carlos Éden cantava acompanhado ao seu violão, os principais sucessos da época.
A juventude vivia num tempo em que, o modernismo delirante da aristocracia emergente, não tinha, ainda, contaminado as tradições do país. As festas populares como o carnaval, São João e Natal eram comemorados à maneira antiga. Nesse tempo os meninos brincavam em seus tradicionais folguedos infantis e as meninas cantavam as saudosas cantigas de roda.
Em uma noite de lua cheia, início de primavera, os rapazes estavam reunidos à espera de algum acontecimento, que evadisse aquele tédio juvenil. Circulava um boato que o prefeito Waldomiro Borges ia dar um caruru, no alto da recém-inaugurada prefeitura de Jequié, em homenagem ao seu candidato à sucessão municipal. A turma esperava ansiosa pela confirmação da notícia, quando, de repente, se ouviu em direção ao bairro do Jequiezinho, uma saraivada de foguetes anunciando uma comemoração qualquer! Cândido Roberto, apelidado de “Beto Boca de Pivete”, gritou com alegria:
- É isso aí turma, o boato é verdadeiro! O caruru vai ser de arromba!
- João Batista, esfregando as palmas das mãos, uma na outra, disse com entusiasmo:
- O que estamos esperando? O caruru está chamando a gente com seus foguetes!
- É muito longe daqui! – afirmou Soares, que detestava andar, principalmente a uma distância considerável, como aquela.
A solução para aquele problema era a Kombi de Elenauro Meira. Porém, o rapaz se desculpou por não poder participar do evento, pois tinha que encontrar sua noiva, logo mais.
Jaldo, aborrecido com a recusa do amigo, disse para o resto da turma que estava começando a se animar:
- O que precisamos é arranjar uma carona imediatamente!
Carlos Éden e Solon Meira não quiseram ir, alegando que teriam prova de matemática no dia seguinte. João Ademir não ia, porque era dia de quarta-feira e farrear no meio da semana era coisa de vagabundos.
- A gente é playboy e vagabundo é o genro do teu avô! – Falou sorrindo, Beto Boca de Pivete, mangando do amigo, que tinhas hábitos muitos esnobes para o gosto daquela garotada.
- A gente vai no “pé grande” mesmo! - Gritou João Batista e, dando ordem de comando, bradou com entusiasmo:
- Sigam-me os que forem “da pesada”!
- É isso mesmo Johnny! Deixa aí essa turma da “geração sadia e esportiva brasileira”, senão eles apanham da mamãe – Falou em tom de gozação, Rubinho que continuava animado e, por nada perdia uma boca livre.
João Batista compreendeu e defendeu a posição dos que ficaram e desceu a ladeira, na companhia de Beto, Jaldo, Bado, Carlão, Rubinho, Buriti, Washington e Eliziário Andrade, cujo apelido era Zica Bocone, pois era um beijoqueiro de primeira linha. Os garotos estavam decididos e foram todos caminhando até o Jequiezinho, que distava do centro da cidade uns três quilômetros. Chegando ao alto da prefeitura, verificaram que não havia festa alguma. Constataram em seguida, que aqueles foguetes eram em comemoração a um modesto caruru, de certo cidadão, que pagava uma promessa. Buriti decepcionando, comentou:
- É muito foguete pra pouca festa!
- E daí?! Já que a gente está aqui, vamos averiguar se sai, pelo menos, uma batida de limão! – Retrucou Eliziário, que nunca entregava os pontos.
Os rapazes entraram na casa do cidadão sem ser convidados, e foram bem recebidos pelo festeiro. Ele abriu os braços com alegria e abraçou Beto Boca de Pivete, exclamando:
- Seu Cândido! Que prazer ter o senhor em minha casa! Como vão o compadre e a comadre?
Beto não reconheceu o homem no momento. Segundos depois ele se lembrou de que se tratava de um antigo vaqueiro do seu pai. O garoto correspondeu com energia aquele abraço, dizendo com demagogia:
- Infelizmente, meu pai não pôde vir! Porém, me mandou aqui com meus amigos para reapresentá-lo em tão magnífico caruru.
O homem estava contente com a presença da turma e abraçou todo mundo! Conhecia os pais de quase todos. A casa, apesar de pequena, estava bem animada, com gente conhecida dos rapazes. Havia duas garotas bonitas, que foram imediatamente assediadas por Eliziário e Rubinho. Eles se apresentaram às meninas como autores, atores e diretores teatrais. As ingênuas caíram na lábia dos dois e ficaram conversando com eles a noite inteira. Buriti, despeitado, comentou:
- Espero que Zica Bocone não tente beijar a menina, senão baba ela todinha!
– Rubinho, apesar de ser extrovertido e ter boa lábia tentou, mas não conseguiu nada. Baixinho e gordinho como era, não dava muita sorte com as
garotas. Havia Jaldo Panelli, João Batista e Washington Rosa que faziam sucessos com as garotas, mas eram um pouco tímidos e jamais atrapalhariam os amigos em suas investidas amorosas. Resultado: o grande conquistador da noite foi Eliziário Andrade, também conhecido como Zica Bocone.
A festa correu animada a noite inteira, com muita comida e bebida. Pela madrugada, quando a maioria das pessoas já tinham ido embora, João Batista alertou aos companheiros que estava era hora de bater retirada e sair como cavalheiros. Os rapazes acataram a sua proposta e, depois de muitas despedidas e elogios a tão fino anfitrião, foram todos para casa.
Logo após a saída da festa, começou a cair uma chuva fina. Era quase cinco horas da manhã e o dia não tinha sido ainda clareado. A temperatura baixou muito e, apesar de embriagados, a rapaziada sentia frio. A turma seguia pela rua em direção à parada de ônibus, quando a chuva aumentou, obrigando o pessoal a se refugiar debaixo de uma marquise. Depois de algum tempo em que esperaram a chuva cessar, eles começaram a ouvir o som de um órgão, seguido de um canto gregoriano. Tratava-se da missa matinal da igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. João Batista convenceu o pessoal entrar na igreja, pois seria mais confortável, e esperar nela a chuva passar. Buriti ao ouvir aquela proposta inusitada, comentou as gargalhadas:
- Se Zica Bocone entrar na igreja, os anjos vão ficar tão zangados, que ao invés de chuva, vai começar a cair neve na cidade.
- É que eles não gostam de comunistas! - completou Rubinho, mangando do amigo, que defendia idéias socialistas.
Eliziário olhou para os dois, fingindo desprezo:
- E se vocês entrarem, as paredes desmoronam, pois eles não gostam de maconheiros safados e nem de baixinhos chatos!
A gozação tomou conta de todos, pois cada um tinham suas peculiaridades. João Batista olhou para todos e, aparentando superioridade, disse sorrindo com o canto da boca:
- Não se preocupem rapazes! Vocês estão comigo! Afinal, sou parente do Homem lá de cima!
- A algazarra formada, tornou-se maior ainda. Em seguida, os rapazes aproveitaram uma pequena pausa da chuva e, recompondo seus enxovalhados trajes, entraram silenciosos na igreja. Nesse momento, o padre lendo textos da Bíblia, exclama com voz grave:
“Eis que chega entre nós, João Batista!”
– O rapaz fica surpreso, pára por alguns segundos, depois olha para a turma e diz, simulando superioridade:
- Não falei pra vocês?! – Depois concertando o colarinho e compondo uma inexistente gravata, disse em tom sarcástico:
- Quem pode, pode! Quem não pode se sacode!
A gargalhada foi geral. Ainda embriagados, a turma começou a caçoar de João Batista, chamando a atenção dos fieis na igreja, que olhavam para todos com reprovação. O barulho provocado pela algazarra dos rapazes parou a cerimônia. Com aquele sotaque carregado, o padre pediu silêncio, ralhando os garotos em suas inconveniências. A turma ficou em calada, acatando a advertência do sacerdote. Depois de algum tempo o pessoal verificou que a chuva tinha ido embora e um sol quentinho começou a reinar. A rapaziada aproveitou a ocasião e tratou de ir embora, comentando o inusitado acontecimento.
A aventura daquela noite rendeu muitas piadas e gozações, sendo muito comentada pela rapaziada da época. Durante muito tempo, o fato foi relembrado pela aquela juventude feliz.
Esse conto faz parte do livro não publicado, “Velhos Tempos Jequieenses”

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