terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Rezas, Hinos e Cascudos.

               Carlos Eden Meira
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Construção antiga, com sua bonita fachada artisticamente trabalhada, era a única escola primária pública da cidade, ali se misturavam alunos de classes diversas, sem distinções, pois, muitos filhos de famílias de estrutura social mais elevada eram ali matriculados em um dos turnos para um curso de reforço, quando as notas eram fracas no seu currículo das escolas particulares em que estudavam. Faziam “banca”, era como chamavam esses cursos suplementares. A diretora, professora Maria da Santa Paz, uma senhora morena de modos severos, sempre vestida de cores escuras, mangas compridas, cabelos presos e rosto fechado, era o terror da meninada. Depois do toque da campainha, os portões laterais se fechavam e quem chegasse atrasado, tinha que entrar pela porta principal que passava pela sala da diretoria, e ouvir a “bronca” da professora Maria da Santa Paz, que de pacífico só tinha o nome. Nessas horas, era assessorada por dona Januária, a dedicada zeladora que não admitia algazarras e estripulias no recinto da escola.
Antes do início das aulas do dia, as turmas eram enfileiradas no pátio central, para rezar e cantar o Hino Nacional e da Bandeira. Nessas horas, a diretora de terço na mão, passeava entre as filas, rezando e vigiando alunos metidos a engraçadinhos, que ao serem descobertos chutando o aluno da frente ou dando tabefes em outro, eram devidamente tratados a puxadas de orelhas ou cascudos pela diretora, que para tal empreitada tinha total consentimento dos pais de alunos indisciplinados, e tais castigos eram permitidos pelo sistema educacional da época. Na hora desses “corretivos”, ela nem sequer interrompia o ritmo das orações:
- Ó, Maria concebida sem pecado... Paf! Plaft, Pou! Croc!...Rogai por nós...
O Moleque cuidava de acompanhar as orações com as orelhas queimando e chorando baixinho, enquanto os outros tratavam de sufocar o riso para não levar também seus tabefes acompanhados de muita reza. Havia nas salas de aula, enormes lousas ou quadros-negros que ocupavam quase toda a extensão de uma das paredes, indo até o chão, formando um vão entre o quadro e a parede. Ali era um perfeito esconderijo para alunos que não queriam ir para a fila cantar hinos e rezar. Ficavam ali escondidos, até que o resto da turma ainda em fila entrasse na sala para aguardar a professora da classe. Então, misturavam-se aos outros alunos, indo sentar-se tranquilamente, como se tivessem cumprido o mesmo dever que os outros. Os que permaneciam escondidos eram descobertos por dona Januária, que avisava a diretora, a qual dando ares de quem ia armar tremendo alvoroço, colocava-se de pé na porta da sala, enquanto dona Januária enfiava a vassoura atrás do quadro, fazendo sair um a um, os alunos que corriam em direção à porta por onde passavam, sem escapar do “pescoção” desferido pela severa diretora.
- Aí vai um! - Dizia dona Januária, enfiando a vassoura.
- Paf! - respondia a mão da diretora.
Isso se prolongava até todos os “aventureiros” já estarem devidamente em seu castigo na diretoria, com um bilhetinho para os pais.
O castigo mais temido era uma “ameaça” inventada pelos próprios alunos, de que o indisciplinado poderia ficar preso até o anoitecer, no porão da escola. O pavor era devido ao boato de que o local era mal-assombrado. Ai do aluno que ficasse preso no porão! Seria assombrado por todos os fantasmas do antigo local! Mas, tal castigo nunca ocorreu na realidade, era pura fantasia dos alunos. Hoje, temos saudades daqueles tempos, das rezas acompanhadas de cascudos, dos hinos, da diretora e seus dedicados professores e funcionários.


NOTA: Os nomes de pessoas deste texto são fictícios. Qualquer semelhança com nomes de pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.

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