segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O Sósia

                              J. B. Pessoa.

Ninguém sabia ao certo como tudo começou. De repente ele apareceu na sala de aula com os cabelos untados de brilhantina e penteados à moda dos cantores de rock. Era um jovem de cor parda, cabelos e olhos negros. Seu nome era José Miguel Pereira da Silva. Era alto para a idade, bastante musculoso e bom de briga. Tinha a testa pequena e estreita, nariz chato e comprido, olhos pequenos, uma boca muito grande e lábios carnudos. Era um adolescente feio, de parca inteligência, tendo aos dezesseis anos, um comportamento acriançado, o qual era motivo de chacotas dos colegas.
Em um domingo no Cine Teatro Jequié, foi exibido, pela primeira vez na cidade, um filme com o rei do rock n’roll Elvis Presley. A sala de projeção do cinema estava lotada com as suas mil e duzentas poltronas ocupadas. José Miguel apareceu naquela noite, com a sua vasta cabeleira lubrificada de brilhantina, trajando uma calça “coringa” apertada, com um belo blusão vermelho, igual ao de Elvis, que aparecia no filme. Chegou fazendo pose de galã, cumprimentando todo mundo sorridente, e foi sentar-se junto da turma mais gozadora do colégio. Quando começou a projeção do filme e o astro apareceu cantando, José Miguel disse repentinamente, no meio do delírio das meninas:
- Minha prima, Ana Virginia, disse que eu pareço muito com ele!
- Claro que parece! Cara de um, focinho do outro! – disse César Almeida, um dos componentes da turma, com uma voz muito séria, escondendo o tom de deboche.
- Principalmente a boca a as orelhas. - disse Paulo Roberto Vieira, outro gozador infernal, que acrescentou:
- O que Zé precisa é dar um trato melhor nas roupas. Porque os cabelos estão iguaiszinhos aos do Elvis.
Os espectadores em volta da turma começaram a se interessar pela trama, pois, na verdade, guardando as devidas proporções, a única coisa parecida seria os cabelos untados à brilhantina.
José Miguel não gostou muito da observação de suas roupas e disse numa zanga infantil:
- Minha calça e meu blusão são iguais aos de Elvis!
- Mas não são originais! Você precisa mesmo é de uma calça Lee e um blusão de couro, aí sim! Você seria o Elvis Presley de Jequié! - comentou Cesar, dando mais ênfase a ilusão criada pela aquela turma de pândegos.
- Eu acho o Zé mais bonito! - Disse Ana Maria, uma das garotas mais bonitas do colégio, de quem José Miguel alimentava certa pretensão. A menina achando graça em tudo aquilo, resolveu entrar na brincadeira. De repente um garoto chamado Antonio Carlos Vita, que costumava apelidar os componentes da turma com nomes de ídolos americanos, disse em tom de mofa:
- Joselvis Presley!... O galã de Jequié!
A gozação foi geral. Entretanto outros espectadores, alheios a tudo aquilo, começaram a protestar com todo aquele barulho, pois queriam assistir ao filme. Naquele momento, a bagunça começava a incomodar e todos queriam ver o rei do rock na tela cantando seus grandes sucessos.
Ingênuo como era José Miguel não percebia que todos caçoavam dele. Estava feliz, principalmente porque era o centro das atenções e a bela Ana Maria estava em sua companhia. Se por acaso ele percebesse algum escárnio, a turma
estaria em maus lençóis, pois José Miguel irritado era bastante perigoso e alguns tinham medo dele.
Terminada a sessão de cinema, os espectadores saíram contentes com o filme, comentando algumas cenas e canções. O pessoal reuniu-se em torno de José Miguel, que se sentia o próprio rei do rock, devido aos argumentos da turma de que ele era o sósia perfeito do Elvis e que doravante ele seria conhecido como Joselvis Presley.
No dia seguinte José Miguel tratou de encomendar uma calça Lee a um sacoleiro que trazia contrabando de Salvador. Essa calça acabou se tornando a sua predileta, esquecendo-se das outras. O blusão de couro ele comprou de segunda mão, de um sujeito bem maior que ele. Quando José Miguel usava o blusão, seus ombros ficavam ridiculamente largos demais. Arranjou óculos escuros e, todos os dias, em pleno verão jequieense, sob o sol abrasador de março, o rapaz ficava encostado em um poste, situado em frente da biblioteca pública, na Avenida Rio Branco, das dez horas ao meio dia, fazendo pose de galã para as garotas que saiam dos colégios e transitavam pela rua. O sol ardente da cidade derretia o excesso de brilhantina e escorria pelo seu rosto deixando José Miguel com uma aparência burlesca. A meninada caçoava do garoto e as pessoas mais velhas que passavam, comentavam com pesar:
- O filho do seu Pereira pirou de vez! Coitado!... Tão moço!
O apelido pegou e todos passaram a chamar José Miguel de Joselvis Presley. Ele tentava imitar os trejeitos do astro do rock e resolveu estudar canto e tocar violão. O resultado foi grotesco, pois o rapaz não tinha o menor talento musical. O violão acabou servindo para as inúmeras fotografias que ele tirava, as quais eram enviadas as meninas que ele conhecia.
Um belo dia, quando a turma estava reunida, e todos estavam sentados na escadaria da Igreja Nossa Senhora da Conceição, José Miguel apareceu repentinamente com o novo disco do Elvis, intitulado de “Saudades de um Pracinha”. Pegou a capa do disco com a foto colorida do belíssimo Elvis, colocando junto à sua cara apalermada, disse numa ingenuidade deprimente:
- Turma, eu não sou o sósia perfeito do Elvis! Tem uma coisa em mim que é diferente em Elvis!... Digam o que é?
Todos se entreolharam, perplexos, e ficaram em silêncio por alguns segundos, pois a comparação era absurda e ninguém imaginava que o sujeito fosse realmente tão idiota.
- Não consigo ver nada diferente! – Disse César ainda surpreso com a pergunta.
- Joselvis! Não tem nada diferente! Você é a cara do Elvis! Igualzinho! - Observou um dos garotos presentes, que fazia um enorme esforço para não sorrir.
Paulo Roberto olhou bem para a foto, depois para a cara abobalhada de José Miguel e, tentando adivinhar o que ele achava que seria diferente, disse sorrindo:
Igualzinho!... Cagado e cuspido!
Os jovens, não conseguindo conter a hilaridade do momento, explodiram numa grande gargalhada.
- Puxa turma!... Não é possível que vocês não percebam! - Falou um tanto decepcionado, José Miguel e virando para turma, comparando seu rosto com o de Elvis, disse em alto e bom som:
- São os olhos seus burros!...Os olhos! Os meus são negros e os dele são azuis!

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