segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O Pássaro Chamado Pêga.

                                        J. B. Pessoa

Ninguém sabe com certeza se é uma velha piada anônima ou se o fato realmente aconteceu. Porém, os mais velhos afirmam que a história é verdadeira e teve como palco a cidade de Jequié.
Apareceu numa certa manhã de sábado, dia de feira livre, um sujeito proveniente da zona da mata. Era um caboclo baixo, muito magro, ainda jovem, que trazia consigo uma gaiola, tendo nela cativo um belo passarinho, cuja espécie dizia chamar de pêga. Tinha ele um defeito na fala, uma espécie de gaguejo que o povo chamava de “fohen”, pois não conseguia pronunciar uma ou as duas primeiras letras duma palavra. Quando entrou na praça ficou estacionado, junto de um muro que fazia esquina com a Rua Alves Pereira. Achou aquele lugar estratégico, pois passavam muita gente e ele tinha uma visão privilegiada de uma monumental construção. Tratava-se dos alicerces do mercado municipal. Ele nunca tinha visto na vida tantos operários trabalhando; tantos tijolos, pedras e madeiras reunidas. Ficou encantado com o número de pessoas que freqüentavam a famosa feira e pensou: “Vou já vendê esse Passarin, pra da de comer a meus fihins!” Às sete horas da manhã ele já estava plantado no seu ponto à espera de um possível comprador. A primeira pessoa a lhe abordar foi um guarda que perguntou:
- Bonito passarinho!... Como é o nome dele?
- ‘êga!
- Ah, pêga!... O que ele come?
- ‘ome ‘arne, eijão, aois, ‘ilho. O ê o ‘inhô ‘izê dá!
- Sei: carne, feijão, arroz e milho o que eu der. Bom, espero que você faça uma boa venda. – Dizendo isso o guarda retirou-se deixando o mateiro com seu passarinho, bem na hora em que aparece uma jovem senhora:
- Que belo pássaro! Como é o nome dele? O senhor quer vender?
- O matuto, animado com a possível venda, elaborou seu melhor sorriso desdentado, dizendo com uma torpe gentileza.
- O ‘ome é ‘êga!... Eu ‘endo ele pra ‘enhora!
A mulher se desculpou dizendo que naquele momento não podia comprar, que em uma próxima ocasião ela pensaria no assunto. O mateiro fez cara feia, balançou cabeça e não disse nada. Nesse momento aparecem outras pessoas e os diálogos recomeçam O Mateiro já andava aborrecido com tantas perguntas e ninguém querendo comprar o seu pássaro. Uma hora era os moleques que o perturbava, outras vezes eram simples curiosos. Ficou indignado com um surdo que falava alto e não ouvia nada. O dia foi passando devagar e o sol esquentando e nada de alguém querer comprar o seu precioso pássaro. Às três horas da tarde, o homem com bastante fome, sentindo se derreter com calor da Cidade Sol amaldiçoava o pobre pássaro. Toda hora aparecia alguém e fazia as mesmas perguntas e o mateiro respondia com paciência. No final da tarde, o mateiro morrendo de raiva, verificou que os feirantes estavam desmontando suas barracas e a feira chagando ao fim. O Mateiro estava totalmente desiludido de tudo, quando
lhe apareceu uma mulher gorda, esposa de um figurão importante na cidade, a qual elogiou o seu pássaro:
- Que passarinho fofo! Como é o nome dele?
O mateiro olhou para a mulher de baixo para cima, sem se levantar, contendo o ódio que sentia pela penúria que passava lhe disse pacientemente:
- É ‘êga!
- Ele canta?
- ‘anta que é uma ‘eleza!
- O que ele come?
O mateiro olhou para a mulher, não contendo o seu ódio, lhe disse pausadamente:
- ‘ome o ‘u de seu ‘ai, o ‘u de sua ‘ãe, de sua irmã, de sua...
- Vou chamar o meu marido! – Disse a mulher indignada.
- ‘ome o ‘u de seu ‘arido ‘ambém!... Aquele ‘ôrno!
A mulher saiu dali apressada e, bufando de raiva com tamanho desrespeito, foi à procura de seu marido para vingar o ultraje. O mateiro mais calmo, com os nervos relaxados devido o desabafo, respirou forte e, percebendo na encrenca que acabou de se meter, preparou suas coisas para ir embora dali o mais rápido possível. Nesse momento apareceu o marido da referida dama, um sujeito alto, forte e mal encarado que olhando zangado para o mateiro, perguntou:
- Que pássaro é esse?
O mateiro olhou desconfiado para o homem, disse:
- É ‘ega ‘meu ‘inhô.
- O que ele come?
- ‘arne, ‘arinha, arroz, ‘udo que o ‘inhô da!
- Não come o meu cu?!
‘umia!... ‘umia!...Mas não ‘ome mais. - Dizendo isso saiu numa louca disparada, deixando, prá trás, aquele pássaro agourento, desaparecendo da cidade para nunca mais retornar.

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