Carlos Eden Meira
Lá vem
a boiada! – não me lembro quem gritou, só sei que foi um desespero total quando
vimos a poeira que levantava na direção oeste, porém já bem perto da parte do
rio em que estávamos.
Éramos
uns oito garotos, que naquelas férias de junho, passávamos a maior parte do
tempo brincando de Tarzan ou caubói no “ladeirão” ou “barranco” da Rua
Gameleira, e, quando cansávamos, íamos dar um mergulho no Rio de Contas, ali
pertinho.
De
roupa, usávamos apenas um calção de banho ou short, e camiseta. Alguns nem
camiseta usavam. Na hora do mergulho, porém, tirávamos tudo, enterrávamos na
areia colocando um pedaço de madeira, marcando o local. Este procedimento era
para evitar que outros moleques, os “biribanos” roubassem nossas roupas, como
já havia ocorrido antes com alguns de nós que além de perderem as roupas, ainda
apanhavam uma bela surra da mãe quando chegavam em casa.
Os
“biribanos” eram os “pivetes” da época, meninos pobres que subiam em caminhões
carregados de cebola, para roubar. Em pleno movimento, eles se arriscavam
pulando na carroceria dos veículos, apanhando as cebolas que iam jogando para
outros garotos que os acompanhavam correndo atrás do caminhão, depois pulavam
do carro ainda em movimento, com grande risco de vida.
As
histórias de afogados, e de doenças de verminose causadas pelas águas do rio,
não nos assustavam, mas aterrorizavam os mais velhos, e, alguns pais proibiam
terminantemente essas aventuras aquáticas. Como fazer então, para não ser
descobertos, já que short molhado e qualquer vestígio de areia na roupa eram
provas suficientes para nossas mães descobrirem que tínhamos ido ao rio? Tomar
banho pelados, porque sem molhar o short, a areia seca saía fácil, com umas
boas sacudidelas.
Foi
exatamente como estávamos, naquele distante mês de junho nas “férias de São
João”, como chamávamos. Pelados no nosso rio que naquele período do ano, tinha
pouco volume de água. Com as roupas já devidamente enterradas, brincávamos no
“poço do toco”, buraco formado pelos apanhadores de areia, junto a um velho
tronco seco, bem próximo ao barranco do rio, no qual subíamos e usávamos como
trampolim, para mergulhar no poço.
- Lá
vem a boiada! – alguém gritou, e foi um pânico geral em direção às roupas
enterradas, não havendo tempo suficiente para serem apanhadas já que a boiada
estava muito próxima, e tivemos que correr pelados até a outra margem, se não
quiséssemos ser pisoteados pelos bois em disparada. Aconteceu então o que
temíamos: as roupas sumiram sob as patas dos animais, tendo sido encontradas
uma ou outra peça, e o que foi pior: nenhum short foi achado. Quem teve a sorte
de achar uma camiseta, vestiu a peça, enfiando as pernas pelas mangas,
improvisando um estranho short, o que foi o meu caso.
A
maioria da turma teve que atravessar a Rua Gameleira, sem roupa. Correndo
pelados, ou esquisitamente vestidos com camiseta no lugar do short, passávamos
pelas pessoas na rua que riam, outros reclamavam da “pouca vergonha”, sem saber
dos nossos motivos.
Subimos
o “barranco da Gameleira”, correndo descalços, machucando os pés nos
pedregulhos e gravetos do caminho, já que nessas incursões ao rio, ninguém
usava sapato nem sandália. Resfolegantes, cansados da correria, parávamos no
meio do barranco para recobrar o fôlego, e caíamos na gargalhada ao perceber o
estado ridículo em que estávamos. Alguns de nós, cujos fundos da casa ficavam
próximos a terrenos baldios ali perto, tiveram a sorte de chegar em casa
pulando o muro do quintal, sem serem vistos. Eu, porém, morava mais distante,
tive que caminhar um bom pedaço sob olhares curiosos e gargalhadas dos
transeuntes, até chegar em casa onde tive que entrar pela porta da rua, vestido
com a camiseta invertida no lugar do short.
Surra,
eu não levei, porém, fiquei muito tempo sem ter dinheiro para as matinês de
domingo, e a palavra “rio” passou a ser proibida de pronunciar lá em casa. Pelo
menos para mim. (Carlos Eden Meira)
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