Carlos Eden Meira
Quando ela passava, “o mundo inteirinho se enchia de
graça”, mais ou menos como dizia o poeta. Naquele tempo, uma garota andar de
bicicleta, não era muito comum. Usando um shortinho curto então, era um “fim de
mundo”. As senhoras mães se benziam e realmente, achavam que aquilo só podia
ser uma coisa apocalíptica, “sinal dos tempos”.
Ela, porém, passeava tranquila e linda, indo e vindo
ao longo da rua, pele morena, cabelos longos e pretos tremulando ao vento, as pernas
nuas, esguias e bem torneadas, naquele minúsculo short que mesmo nos dias de
hoje, nem toda garota tem coragem de usar. Era a alegria e o desespero dos
meninos da rua, que se amontoavam sentados nos passeios das casas, para
apreciar o belo e sensual espetáculo. À noite, na penumbra do quarto, noite de
pouco sono, aquela imagem provocante habitava os sonhos de cada um deles...
Nascida de uma família de bons recursos financeiros,
frequentava os melhores clubes da cidade, namorava os rapazes de sua classe
social, matando de ciúmes e inveja os garotos mais jovens e mais pobres, que
eram a maioria a compor sua “platéia” na rua, durante seus passeios de
bicicleta. Num carnaval, fantasiou-se de índia, desfilando na praça em cima de
uma picape toda ornamentada de motivos carnavalescos, causando um alvoroço
entre os meninos, devido à sumária fantasia que usava, mostrando toda a beleza
do seu perfeito corpo moreno.
Seu nome era sempre citado por eles, quando se falava
em beldades femininas da época, entre os nomes de Brigitte Bardot, Marilyn
Monroe, Martha Rocha ou Therezinha Morango, as preferidas dos garotos. A grande
diferença era que as atrizes e as misses citadas eram inalcançáveis, vistas
apenas nas telas de cinema ou nas páginas de revistas e jornais, “deusas de
papel”. Ela, entretanto, era real, “deusa de carne e osso”, estava bem ali, ao
alcance pelo menos de seus olhos febris. Tinha até quem dissesse que ia
trabalhar, para ficar rico e casar com ela. Coisas típicas de adolescentes, que
com o passar do tempo, ficam na memória e que mais tarde, são lembradas
nostalgicamente, como meros alegres sonhos juvenis. Era uma época que parecia
ser mais civilizada, quando os jovens tinham a esperança de que o futuro seria
a continuação de um processo evolutivo, não só científico, mas, também cultural
e social, onde os seus sonhos se tornariam realidade.
Quando a garota da bicicleta se casou e mudou de rua,
alguns anos mais tarde, a mentalidade daqueles garotos começava também a mudar.
Muitos perdiam a capacidade de sonhar de olhos abertos, para enfrentar as
durezas de um mundo real onde o crescimento da ganância, da corrupção, da
violência, das drogas e das injustiças sociais, lhes ameaçava o futuro. ( Carlos Eden Meira)
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