segunda-feira, 6 de agosto de 2018

SHORT E BICICLETA


                                                                            Carlos Eden Meira
                                                  
Quando ela passava, “o mundo inteirinho se enchia de graça”, mais ou menos como dizia o poeta. Naquele tempo, uma garota andar de bicicleta, não era muito comum. Usando um shortinho curto então, era um “fim de mundo”. As senhoras mães se benziam e realmente, achavam que aquilo só podia ser uma coisa apocalíptica, “sinal dos tempos”.
Ela, porém, passeava tranquila e linda, indo e vindo ao longo da rua, pele morena, cabelos longos e pretos tremulando ao vento, as pernas nuas, esguias e bem torneadas, naquele minúsculo short que mesmo nos dias de hoje, nem toda garota tem coragem de usar. Era a alegria e o desespero dos meninos da rua, que se amontoavam sentados nos passeios das casas, para apreciar o belo e sensual espetáculo. À noite, na penumbra do quarto, noite de pouco sono, aquela imagem provocante habitava os sonhos de cada um deles...
Nascida de uma família de bons recursos financeiros, frequentava os melhores clubes da cidade, namorava os rapazes de sua classe social, matando de ciúmes e inveja os garotos mais jovens e mais pobres, que eram a maioria a compor sua “platéia” na rua, durante seus passeios de bicicleta. Num carnaval, fantasiou-se de índia, desfilando na praça em cima de uma picape toda ornamentada de motivos carnavalescos, causando um alvoroço entre os meninos, devido à sumária fantasia que usava, mostrando toda a beleza do seu perfeito corpo moreno.
Seu nome era sempre citado por eles, quando se falava em beldades femininas da época, entre os nomes de Brigitte Bardot, Marilyn Monroe, Martha Rocha ou Therezinha Morango, as preferidas dos garotos. A grande diferença era que as atrizes e as misses citadas eram inalcançáveis, vistas apenas nas telas de cinema ou nas páginas de revistas e jornais, “deusas de papel”. Ela, entretanto, era real, “deusa de carne e osso”, estava bem ali, ao alcance pelo menos de seus olhos febris. Tinha até quem dissesse que ia trabalhar, para ficar rico e casar com ela. Coisas típicas de adolescentes, que com o passar do tempo, ficam na memória e que mais tarde, são lembradas nostalgicamente, como meros alegres sonhos juvenis. Era uma época que parecia ser mais civilizada, quando os jovens tinham a esperança de que o futuro seria a continuação de um processo evolutivo, não só científico, mas, também cultural e social, onde os seus sonhos se tornariam realidade.
Quando a garota da bicicleta se casou e mudou de rua, alguns anos mais tarde, a mentalidade daqueles garotos começava também a mudar. Muitos perdiam a capacidade de sonhar de olhos abertos, para enfrentar as durezas de um mundo real onde o crescimento da ganância, da corrupção, da violência, das drogas e das injustiças sociais, lhes ameaçava o futuro. (Carlos Eden Meira)


Nenhum comentário:

Postar um comentário