segunda-feira, 27 de agosto de 2018

RADINHO DE PILHA


                                                                     Carlos Éden Meira*

Ele ficava ali, sentado horas a fio em um banco tosco, talhado num pedaço de tronco, sob a sombra de uma velha gameleira. Barbas, sobrancelhas e cabelos alvos destacavam-se da pele escura, queimada de sol e marcada por um emaranhado de rugas, assemelhando-se a uma figura esculpida em barro, com rachaduras provocadas pela exposição ao sol. Suas mãos calejadas por anos de trabalho duro moviam-se com destreza no preparo do cigarrinho ”drobó”, a picar o fumo de corda, a cortar e alisar a palha com uma pequena faca bem amolada, que trazia sempre numa bainha de couro cru, presa ao cinto junto com o seu “isqueiro”, o qual consistia em uma ponta de chifre de boi, recheada com algodão, que se tornava em brasa ao contato com pequenas fagulhas ali lançadas cuidadosamente, ao atrito de duas pequenas pedras ou pedaços de metal. Para acender o cigarro, era preciso antes assoprar bastante o algodão, até se tornar em brasa viva, e ali encostar a ponta do cigarro.
Ao lado, seu inseparável “radinho de pilha”, sempre sintonizado em alguma emissora de São Paulo, cidade de onde recebera o radinho, enviado por um de seus netos que já havia tempos, para lá viajara em busca de um sonhado emprego, numa fábrica de biscoitos. Maravilha das maravilhas, o radinho tocava e cantava lindas músicas que falavam de saudades do sertão, que o emocionavam, e às vezes o faziam chorar. Ah, mas também contava casos engraçados e dava muita notícia interessante!
- O compadre Quincas da Lagoa Branca tem um maior do que esse, mas, só toca música feia e só diz mentira - afirmava ele. Se alguém perguntasse quais as mentiras do rádio do compadre, ele dizia revoltado:
- Pois não é que uma vez, o danado do rádio do compadre tava dizendo que os gringos tinham pisado na Lua? Onde já se viu mentira mais cabeluda do que essa? A lua é coisa de Deus e só quem pisa nela é São Jorge! E as músicas que tocava? Tinha um tal de roque, roque, roque! Parecia até rato roendo a parede! Meu radinho, não. Meu radinho é pequeno, mas, só fala a verdade, só conta casos engraçados e só toca música bonita. Eu contei isso pro Mestre Libório carpinteiro, e, ele me disse que depende da marca do rádio. Rádio de marca vagabunda é muito mentiroso e só toca porcaria. O meu foi meu neto quem enviou de São Paulo, é rádio do bom - concluiu sorrindo. Ao anoitecer, levantou-se de seu banco tendo o cuidado de não esquecer o querido radinho, o qual guardou carinhosamente, em um saco de lona que levava a tiracolo, dizendo:
-É hora de ir pra casa, pois, quando escurece, isso aqui fica cheio de alma penada!
Quando alguém o questionava, afirmando que era preciso temer os vivos e não os mortos, ele rebatia:
-Os vivos? Dos vivos, eu não tenho um pingo de medo! Eu tenho medo mesmo é dos mortos. Os vivos que se metem a besta comigo, eu corto no facão! Mas, quem já morreu não morre duas vezes. Deus me livre! Com alma penada eu não me meto! Até amanhã. (Carlos Éden Meira - jornalista e cartunista)


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