Ex-zagueiro revela bastidores da conquista e desmente polêmica do passado. |
Nem
os perversos sinais do Alzheimer nem a amputação de parte da perna esquerda,
resultado de um acidente fabril após deixar os gramados, nada fez o ex-zagueiro
de área Henrique, campeão brasileiro de 1959, esquecer do Bahia, clube que
defendeu, com muita dedicação, por 10 anos, em 405 jogos, no período de 1957 a
1967.
Até
a mágoa, que insistentemente procura esconder, em razão de não ter sido
convidado para participar do filme Bahêa Minha Vida – dirigido por Márcio
Cavalcante e lançado em 2011, em comemoração aos 80 anos do clube, e que traz,
dentre outros depoimentos, os de Nadinho, Leone, Vicente, Marito e Léo, seus
companheiros de jornada na I Taça Brasil – não modificou o seu comportamento.
Certo
que, por algum tempo, ficou indignado por ser preterido, juntamente com o
atacante Carioca, vivo na ocasião e morando em Belo Horizonte, pelos produtores
do documentário e, embora sabendo de tomadas feitas em sete cidades e de 120
entrevistas realizadas, assegurou que “isto já passou” e que “o Bahia está
acima de tudo”.
O lendário Henrique Henricão, para os torcedores do E.C. Bahia |
Contenta-se
com o carinho de parentes, amigos e torcedores, que ainda o reconhecem nas ruas
e lembram do seu passado como jogador de futebol e, em especial, da brilhante
conquista do título de primeiro campeão brasileiro pelo Bahia, enfrentando o
empoderado Santos do Rei Pelé, numa melhor de três partidas: triunfo por 3×2 na
Vila Belmiro, derrota por 2×0 na Fonte Nova e, por fim, vitória por 3×1 no
Maracanã, no jogo de desempate. “E não era só Pelé, o time santista tinha um
ataque fantástico, com Dorval, Mengálvio, Coutinho e Pepe”, pontuou, valorizando
o feito.
Generoso,
o “Gigante de Ébano”, apelido cunhado pelo consagrado radialista baiano Carlos
Lima, pelo fato de ser negro e alto, com quase dois metros, continua ligado nas
coisas do Bahia: assiste jogos pela televisão e procura saber, através das mais
diferentes mídias, como anda o time, os destaques e as últimas contratações.
“Mantenho o hábito de ler diariamente jornais e, principalmente, as páginas
esportivas, para me manter bem informado”, declarou.
Em
janeiro de 2005, 38 anos depois de abandonar o futebol e deixar o estado,
Henricão voltou a Salvador e, ao visitar o Fazendão, confessou ter chorado na
segunda queda do Bahia para a Série B do Campeonato Brasileiro, em 2003.
“Éramos também torcedores, formávamos uma família”, disse, referindo-se aos
jogadores que atuaram com ele na época.
Aos
84 anos e morando no Rio – para onde retornou em maio de 1967 – na Pavuna,
bairro da Zona Norte, a 28 quilômetros do centro, em companhia do filho, o
professor Carlos Henrique, Henricão demonstra eterna gratidão ao Bahia pelos
inúmeros títulos obtidos (campeão brasileiro de 1959 e vice em 1961 e 1963,
campeão do Norte e Nordeste em 1959, 1961 e 1963, pentacampeão baiano em 1958,
1959, 1960, 1961 e 1962) e pelas diversas viagens realizadas ao exterior
(Europa, África, América do Sul e Estados Unidos) e pelo Brasil.
Com
entusiasmo, falou da série invicta de 51 jogos do Bahia, de 21 de janeiro a 4
de novembro de 1962, sob o comando do técnico João Paulo de Oliveira, o
Pinguela. “Acabamos perdendo a invencibilidade, em Campina Grande, na Paraíba,
ao sermos derrotados (2×0) pelo Campinense, em partida que resultou na nossa
eliminação da IV Taça Brasil”, contou.
Recordou
ainda que, por vestir a camisa tricolor, teve a oportunidade de disputar a Taça
Libertadores da América de 1960 e 1964, o Torneio Internacional de Nova York,
também em 1964, e de jogar na Seleção Baiana, que representou o Brasil na Copa
O’Higgins, em dois jogos contra o Chile, em Santiago, no mês de agosto de 1957.
“O
time era treinado por Pedrinho Rodrigues e a base era o Vitória, mas o Bahia
cedera cinco jogadores, eu, Vicente, Jota Alves, Vassil e Hamílton, que ficaram
inicialmente na reserva”, declarou Henrique, acrescentando que, com a contusão
de Walder (Fluminense de Feira), nos primeiros instantes da partida de estreia,
“assumi a titularidade da zaga central, ao lado de Nelinho, do Vitória”.
De pé: Beto, Nadinho, Henrique, Nenzinho, Vicente e Flávio. Agachados: Marito, Alencar, Léo, Mario e Biriba. Massagista: Negreiros. |
Nascido em Cachambi, Zona Norte do Rio, próximo ao Meier, Henrique dos Santos dividia o tempo, quando jovem, como niquelador na oficina de propriedade de um tio em Maria da Graça, bairro localizado nas imediações da comunidade de Jacarezinho, e como jogador do Colombo, time de futebol amador. Em 1955, levado pelo amigo Batista, profissionalizou-se na Associação Atlética Portuguesa e, no ano seguinte, já era apontado como revelação do Campeonato Carioca.
Sua
vinda para o Bahia ocorreu em janeiro de 1957, trazido, com o volante Joe, pelo
treinador Lourival Lorenzi, o “Mariposa”. Apesar de desengonçado, era quase
imbatível pelo alto e possuía um bom desarme no chão. Leal, disciplinado,
jamais utilizou o porte físico para intimidar os adversários. Não era um primor
de técnica, mas procurava compensar a deficiência com uma entrega e uma
disposição incomuns. Outra coisa: sempre estava à disposição do técnico e
dificilmente se machucava.
“Não
era nenhum santo, gostava de uma cervejinha, mas sabia me cuidar, tanto que
atuei no Bahia por 10 anos e como titular”, enfatizou, observando que chegou
até a morar na Rua do Céu (Ribeira), para ficar perto da sede do clube, no
Porto dos Tainheiros.
Disse
ser comum entre os boleiros do seu tempo uma farrinha nos dias de
segunda-feira. “Tínhamos até uma senha – hoje vai ter reunião – para
confirmarmos a balada”, revelou Henricão, citando reuniões em bares localizados
na Graça e no Campo Grande e em barracas de praia em Itapuã, “de cara para o
mar e com siri como tira-gosto”.
Segundo
ele, não havia restrições. Participavam daqueles descontraídos encontros
jogadores dos mais diversos times. “No domingo, na Fonte Nova, cada um defendia
a sua camisa, éramos adversários. Terminada a competição, já nos cumprimentos,
na descida do túnel, estávamos marcando reunião para o dia seguinte”, pontuou,
justificando a amizade do pessoal do Bahia com atletas do Vitória, Ypiranga,
Galícia, Botafogo e Fluminense de Feira, pelo fato de muitos deles atuarem
juntos na Seleção Baiana, que realizava amistosos com frequência e anualmente
disputava o Campeonato Brasileiro.
Henricão já marcou Pelé e Garrincha
Pelé
e Coutinho, além de Garrincha, foram, na opinião de Henrique, os atacantes mais
difíceis de serem marcados. “Ainda bem que enfrentei o Botafogo poucas vezes e
a preferência de Mané era sempre driblar pela lateral direita do campo”,
narrou, sorrindo. Sobre os técnicos com quem trabalhou, apontou, sem hesitar,
Ephigênio de Freitas Bahiense, o Geninho, como o melhor de todos. “Embora fosse
(Carlos) Volante nosso comandante na final, o Bahia deve muito a Geninho,
treinador durante toda a competição, a conquista do título da I Taça Brasil”.
Formou
dupla de zaga com inúmeros jogadores e dos mais diversos estilos, a exemplo de
Bacamarte, do lendário Juvenal Amarijo, Vicente, Pinheiro, Russo, Gonzaga,
Ivan, Pepeu, Hílton, Thiago, Dario e até com a então jovem promessa Roberto
Rebouças. Educadamente, não comentou o desempenho de nenhum deles, mas afirmou
que Vicente foi, de todos os companheiros, com quem melhor se entendeu.
“Jogávamos por música”, declarou, assegurando que, quando um saía na marcação,
o outro ficava. “Não tinha erro, eu dava o bote, Vicente permanecia. Se Vicente
ia para a caça, eu fazia a cobertura”, detalhou.
Sobre
o encerramento da carreira, em 1967, garantiu que estava cansado do futebol,
desmentindo a versão que circulara na ocasião de que abandonara os gramados em
razão de um forte desentendimento com o então presidente Osório Villas-Boas.
“Não tem nada disso, sempre me dei bem com ‘Seu’ Osório, não sei como surgiu
esta história”, frisou, elogiando também Benedito Borges e Hamílton Simões,
dois outros dirigentes do Bahia do seu tempo.
Vaidoso,
mantém o hábito de usar anéis e não esconde ser fã das românticas músicas
interpretadas por Jamelão. Tem como prato predileto carne seca com feijão, “mas
o fraco dele é doce”, denunciou a neta Maynah Faria, 24 anos, responsável por
cuidar do seu rico acervo futebolístico, composto por camisas, faixas, troféus,
medalhas, fotografias, flâmulas e de souvenirs. “Vô Henrique adora chocolate,
cocada, goiabada e sonho”, revelou, completando que, apesar de apaixonado por
futebol, “entre uma bola e um chocolate, ele agora opta pelo chocolate”.
Além
de Carlos Henrique, Henricão tem mais três filhos, fruto de um outro
relacionamento: Henrique Luiz e Humberto Luiz, que vivem em Salvador, e Maria
Helena, em São Paulo. Informações; Correio (Revista Bahia em Foco)
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