segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Ângela


                                                                                      J. B. Pessoa

Ângela! Foi um anjo que passou em minha vida. Tão fugaz! Relembrando a minha meninice, revejo a sua imagem deslumbrante, a sua doce voz, o seu olhar luminoso e o seu cândido sorriso! Lembro-me da primeira vez que a vi, na missa domingueira da igreja matriz, tão linda em seu vestido amarelo. Nos seus onze anos, parecia uma pastorinha nórdica com seus cabelos louros e olhos azuis. Nessa manhã primaveril, uma fada encantada escravizou meu coração! – Sou seu! Sempre seu! Eternamente seu! – Gritou minha alma naquele momento. Fui flechado pelo cupido na aurora da vida! Tão cedo tive o prazer de ser amado e tão cedo conheci a dor do amor!
O ano de 1959 foi inesquecível para mim. Estudava no Grupo Escolar Castro Alves e cursava o quinto ano primário. Era o meu ano de despedida naquela escola, na qual estaria me preparando para o exame de admissão ao ginásio. No primeiro dia letivo, após a reunião no pátio escolar, onde entoamos os hinos cívicos, me dirigi para a sala de aula, na expectativa de conhecer os novos companheiros de classe. Revi os colegas do ano anterior, que animadamente relataram suas aventuras das férias escolares. Quando a professora fez a chamada e pronunciou o nome de Ângela, meus ouvidos se deliciaram com uma voz meiga dizendo: - Presente! – Olhei, subitamente, à minha direita e lá estava ela, a minha princesa encantada! Uma alegria inebriante tomou conta de mim! Eu não acreditava no que via e perguntei para mim mesmo: - Esta doçura será minha colega o ano inteiro?! – Parecia um sonho e eu não queria acordar. Ela se destacava entre as outras meninas, que usavam o uniforme escolar. De repente me refiz do torpor em que estava acometido e percebi que a meninada estava fascinada pela garota. - Ela é minha!... Só minha! Não se atrevam em cortejá-la, seus moleques! – Gritei em meu pensamento, principalmente, quando um garoto, mais velho do que eu, conversava com ela. Verifiquei com satisfação que enquanto ela, desatenta, ouvia o colega, dirigia seu olhar para mim. Sorri para ela, que retribuiu com o sorriso mais lindo que já vi! – Sim, sim, sim!... Vitória!... Ela é minha e de mais ninguém! – Pensei com a mais absoluta certeza da minha pueril presunção e agradeci aos céus por tamanha generosidade.
Na saída da escola, após o final da aula, domei a minha timidez e fui ao seu encontro. A minha espontaneidade me deixou surpreso. – Na certa os anjos estão me ajudando! – Pensei exultante naquele momento. Em nosso colóquio, parecíamos dois adultos conversando os mais variados assuntos. Fiquei sabendo tudo sobre ela e falei de mim, das minhas preferências e dos meus anseios. Gostávamos dos mesmos filmes, músicas, cantores e artistas. Combinávamos em tudo como se fossemos duas almas gêmeas! Em nossa animada conversa, fiquei pasmo ao saber que ela morava na minha rua! Era bom demais para ser verdade! A menina mais bonita da cidade mora em minha rua! Melhor de tudo:
A menina mais bonita da cidade é minha namorada! Constatei isso, depois de ouvir um sonoro sim, ao pedi-la em namoro e felizes fomos juntos para casa.
Os dias que se passaram foram etéreos para mim. Caminhávamos para a escola com as mãos entrelaçadas. Não nos atrevíamos a trocar beijos, porque éramos jovens demais para isso. Porém estávamos felizes e enamorados, pois a felicidade não perguntou a nossa idade! Os meses que se seguiram foram ditosos para mim, cheios de carinhos e ternuras.
A noite de São João daquele ano foi a mais venturosa de toda a minha vida. Soltamos fogos, pulamos a fogueira e dançamos a quadrilha. Quando ficamos cansados das nossas estripulias, sentamos na calçada olhando a lua, enquanto contávamos os balões no céu, que se confundiam com as estrelas. Já tarde da noite, quando nos despedimos, ela me disse que iria viajar com seus pais e ficaria um mês inteiro sem me ver. Com lágrimas nos olhos, disse que me amava e já estava morrendo de saudades. Súbito, beijou-me a boca! Foi um ósculo do qual sorvi o mel dos céus! Ouvi sinos e sinfonias e me senti o mais afortunado garoto do mundo.
Aquele mês demorou de passar! Parecia um século! E quando finalmente chega ao fim, uma noticia despedaçou meu coração! A minha Ângela tinha partido para sempre! Eu não a veria mais! Seus pais foram morar no estrangeiro.
A dor que senti foi dilacerante e a saudade acompanhou-me o resto da vida! Hoje, depois de tanto tempo, ainda revejo a sua pequena imagem em minha frente. Ela era tão bonita! Tão esplendorosamente linda! Nunca mais a vi; porém, em todos esses anos, não há um dia sequer, que eu não me lembre dela. Espero que os anjos a tenha agraciado com uma vida de venturas, pois, dela, eu guardo as mais doces recordações da minha vida. (Publicado na revista Livre Arbítrio) (J. B. Pessoa).


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