Há uma grande possibilidade de que aquela
velha escrivaninha ainda permaneça ali por muito tempo, com todas as suas
gavetas destrancadas, expondo seu conteúdo agora considerado “inútil”, mas que
um dia representou um “acervo” de relativo valor, conforme a época e os
interesses de cada um de nós, que a ela tinha acesso.
Ali já não existe mais nada que tivesse
pertencido a qualquer um dos parentes mais antigos da família. Durante anos,
serviu como local onde guardávamos coisas que escrevíamos ou desenhávamos,
revistas e livros, cujos textos ou ilustrações não eram “recomendados” para
jovens. Jornais e panfletos considerados subversivos em tempos de ditadura, e
que ali trancávamos, na única gaveta cuja fechadura ainda se dava ao luxo de
funcionar. Por algum descuido ou por imposição de novos valores, ao longo dos
anos, estes objetos foram deixando de ter para nós, a mesma importância de
outrora. Passaram a ser tratados como meras lembranças dos tempos de estudante
e que a qualquer momento poderiam ir para o lixo, junto com outras coisas sem
importância que ali eram agora também jogadas, como papéis rabiscados, pedaços
de barbante, tocos de lápis, frascos vazios e outras coisas semelhantes.
Mas, dias há em que certo estado de
consciência nos leva a uma lucidez insolitamente percebida, onde ficamos
expostos a uma retomada de valores, resultante talvez do simples fato de ouvir
uma frase, como: “No próximo São João, vai tudo pra fogueira”!
Consequentemente, num fim de semana, remexidas foram todas as gavetas, as da
memória e as da velha escrivaninha, de onde felizmente foi retirado do lixo o
que não era lixo, surpreendendo em cada objeto selecionado: uma velha foto, uma
carta, um desenho a lápis, um cartão de Natal, uma edição de jornal histórica,
alguns recortes de jornais e revistas com textos interessantes, diversas coisas
que havíamos guardado não só pelo seu valor sentimental, mas, também pelo seu
conteúdo histórico e cultural. Muitas coisas ainda devem continuar lá. Ainda não
foi para o lixo ou para a fogueira, nem mesmo o que é considerado “inútil”. A
antiga escrivaninha parece possuir uma força transcendental, como se tivesse
vontade própria, tentando vencer a inexorável marcha do tempo.
Sob a ação do tempo, seremos todos um dia
como antigas escrivaninhas, com nossas “gavetas” da memória, onde guardamos
lembranças. Algumas dessas lembranças, mesmo as que gostaríamos de “jogar no
lixo” deverão permanecer, pois, fazem parte da nossa história, repleta de erros
ou de acertos, cujos bons ou maus exemplos servirão como parâmetro para o
futuro desempenho das novas gerações, em seu livre arbítrio para decidir o rumo
de suas vidas. (Carlos Eden Meira)
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