Carlos Éden Meira* |
Existem pessoas que fazem acordos entre si, que envolvem promessas das mais simples às mais absurdas, conforme as necessidades das partes interessadas. Alípio Madeira fez, sabe-se lá por quais motivos, um acordo no mínimo insólito com sua irmã, dona Adamantina Madeira: quando um dos dois morresse, o sobrevivente ficava na obrigação de fornecer o caixão. Descendente de família tradicional da cidade, vaidoso de suas origens, Alípio Madeira era dessas pessoas de temperamento exaltado, que falam com voz possante, e que não admitem ser contrariadas nas mínimas coisas. Passaram-se alguns anos, e, tendo se mudado para a capital do estado por motivo de ordem profissional, (era formado em Ciências Contábeis) – Alípio lembrava-se sempre da promessa feita à irmã conforme o acordo, achando sempre que ela é quem teria de cumprir sua parte, já que era alguns anos, mais nova do que ele.
- Ora, quem “vai” primeiro sou
eu. – dizia sempre.
Um dia, contrariando suas
expectativas, um telefonema interurbano vindo do interior, deu a Alípio a
certeza de que ele é quem teria de cumprir a sua parte no trato. O telefonema
de um parente, dizia que se ele quisesse ver a irmã viva, teria que ir o mais
breve possível, pois a mesma estava “nas últimas”. Triste, chocado e
aborrecido, Alípio, lembrando-se do acordo, achou que quanto mais cedo
providenciasse a compra do caixão, mais rápido cumpriria a sua promessa,
portanto, resolveu levar o objeto que comprou no mesmo dia da viagem,
transportando-o amarrado no bagageiro de sua “rural”, dirigindo-se à cidade
natal no interior, onde esperava encontrar a irmã já morta, àquela altura.
Após uma estressante viagem
desviando de buracos, diminuindo a marcha para contornar verdadeiras “crateras”
ao longo da rodovia, Alípio chegou à cidade, dirigindo-se imediatamente para a
casa da irmã. Logo no começo da rua, estranhou não ver nenhum movimento em
direção à velha casa da família, onde morava dona Adamantina. Nada que
denunciasse a existência de algum velório por ali. Deduziu então - já
enterraram! Parou a “rural” na porta da casa que, silenciosa, permanecia
fechada, tendo porém, as luzes acesas na sala de visitas, já que Alípio chegara
no final daquela tarde triste, sentindo-se constrangido por não ter chegado a
tempo de ver pela última vez, a irmã no seu leito de morte. Alípio Madeira
tocou a campainha.
Aberta a porta, Alípio levou um
choque. Dona Adamantina, a sorrir, forte e saudável, estava bem ali na sua
frente. Achou-a até mais bem disposta do que antes.
- M-Mas, você não morreu?? –
perguntou surpreso.
- Eu? Sangue de Cristo tem
poder! Vire essa boca pra lá! – respondeu dona Adamantina.
- Mas eu recebi um telefonema
interurbano dizendo que você não passava de hoje!
- Eu? Graças a Deus, nunca me
senti tão bem. O que eu tive foi uma gripe forte, mas já passou! E você, como
vai?
- Eu, - disse Alípio, nada
tranquilo – até ontem, estava bem. Agora, depois de levar um choque com a
notícia de suas “últimas horas de vida”, depois de me estressar e quase me
matar, nessas estradas miseráveis para vir até aqui, estou péssimo!
- E tem mais – continuou,
visivelmente aborrecido – minha parte no acordo está cumprida!
E saiu porta afora para
retornar depois, arrastando o caixão que colocou no meio da sala, dizendo para
a irmã boquiaberta:
- Aí está, não devo mais nada. Já
comprei, agora você guarda em algum lugar por aí. Quando “chegar seu dia”, já
cumpri minha promessa. E tornou a sair, batendo a porta da rua, entrando na
“rural” e foi-se, deixando dona Adamantina perplexa no meio da sala.
OBSV - Qualquer semelhança entre
os nomes dos personagens deste texto e pessoas reais é mera coincidência. (*Carlos Éden Meira – jornalista e cartunista)
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