terça-feira, 19 de junho de 2018

"MATEI A VÉIA!”

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 Carlos Eden Meira

O velho Durães era um vaqueiro euclidiano. Antes de tudo, um forte. Nascido e criado no sertão, já beirando os sessenta anos, ele entrava na caatinga seca fazendo coisas assombrosas, em busca de uma rês desgarrada. Todo encourado, passava a cavalo em disparada rente às cercas cobertas de quiabento, planta catingueira cheia de terríveis espinhos, e saía sem um único arranhão. Num período de enorme seca na região da caatinga, foi designado para transferir algumas cabeças de gado para uma localidade da mata. Lembro-me de que alguns dos animais permaneceram por uns dias na cidade, numa propriedade de meu pai cercada por um muro, perto de nossa casa.
Num daqueles dias, alguém inadvertidamente abriu o portão, provocando a fuga de algumas reses. O velho vaqueiro, ao tomar conhecimento do fato, perseguiu no seu cavalo os animais que desceram numa correria desenfreada, a “Ladeira do Vinte e Sete”. Era numa época, quando grande parte da Avenida Rio Branco ainda não era pavimentada, e era dividida pelas ladeiras das antigas ruas Laudelino Barreto em sentido ao centro, e pela Vinte Sete de Janeiro; passando pelo meio do antigo “Alto da Bela Vista”, (atual Abílio Procópio); exatamente onde hoje se localiza o Viaduto Daniel Andrade, em direção ao bairro do Joaquim Romão. Isto causou um verdadeiro alvoroço entre os moradores, principalmente entre nós, garotos na época. Quando o velho Durães voltou então, tranquilamente tocando os bois que encontrou já perto do “Curral Novo”, e os prendeu novamente no local murado, foi uma festa para nós todos que olhávamos admirados, o velho vaqueiro.
Gostava, entretanto, de tomar suas pinguinhas em épocas de festas, como qualquer “fi de Deus”. Numa festa de São João na fazenda, bebeu além da conta, fato que muito irritou sua esposa a qual o recriminou energicamente, coisa que o aborrecia demais. O problema é que nessa festa, o velho vaqueiro devidamente alcoolizado, resolveu saudar o santo soltando seus “fogos”, que nesse caso era uma velha espingarda de caça, a qual Durães disparava para todos os lados, aos gritos de “Viva São João!”
A esposa ao ver aquele risco, passou a recriminar o marido aos berros, chamando sua atenção. Ele então, naquele momento de bebedeira, o que via era a própria sombra projetada pela fogueira, em uma parede. Confuso e chateado com as recriminações, disparou a arma naquela direção. De repente, tomando consciência da “loucura” que havia feito, gritou para os filhos: - Ê diacho! Matei a “véia”! Acode tua mãe aqui, “os minino”! - No dia seguinte, a gozação comeu solta em cima do velho vaqueiro, que envergonhado depois de muito falatório, desculpou-se e entregou a espingarda à esposa, pedindo que a escondesse. Nunca mais bebeu tanto em festa nenhuma, mas, continuou a ser respeitosamente, o grande vaqueiro corajoso e admirado por todos. (Carlos Eden Meira)

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