segunda-feira, 18 de junho de 2018

DA JANELA DO QUARTO

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Carlos Eden Meira

A rua estava deserta, àquela hora. Um silêncio quase total, quebrado apenas de vez em quando pelo cantar dos pássaros, ou pelo ranger distante de um “carro-de-bois”. O serviço de alto-falantes “A Voz do Sudoeste”, só começaria sua segunda função do dia, às duas horas da tarde. De pé, sobre um tamborete encostado à janela do quarto da velha tia que cochilava em sua cama, ele olhava a rua deserta esperando a tia acordar, para ouvi-la contar uma de suas longas e interessantes histórias. O relógio da Igreja Matriz havia tocado marcando uma hora da tarde, quando aquilo aconteceu.
Um estrondo pavoroso vindo da rua, seguido de uma enorme coluna de fumaça azulada, subindo ao céu junto com pedaços de madeira e telhas. Com a explosão, sentiu um ligeiro impacto que somente muitos anos mais tarde, soube que era o deslocamento de ar. Confuso e assustado ficou ali na janela, paralisado, vendo pessoas vindas de todas as direções. Algumas subiam apressadas a “Ladeira do Vinte e Sete”, outras corriam gritando e chorando no meio da fumaça, encostando-se nas paredes das casas vizinhas. Aos cinco anos de idade, ele achava à sua maneira, ter sido a única testemunha ocular daquele grave acidente que vitimou uma pessoa, um morador daquela casa onde se fabricavam fogos de artifício, e que ficava a uns poucos metros da sua casa. Mais tarde ouviu os comentários dos adultos, falando sobre a morte do “fogueteiro” que sofreu todo o impacto da explosão. Aquelas pessoas que ele vira chorando eram os parentes do morto, sobreviventes da tragédia. Quando falou que viu tudo da janela do quarto da tia, cuja casa ficava do outro lado da rua, bem defronte da casa que explodiu, todos queriam que ele descrevesse a cena, mas, além de assustado e quase em estado de choque, era apenas um garoto de cinco anos de idade, e não sabia explicar direito o que havia acontecido.
Hoje, tantos anos depois, ele ainda sente o impacto emocional daquela explosão. A cena permanece nitidamente gravada em sua mente, como um filme bem conservado. Os gritos daquelas pessoas chorando desesperadas ecoam em seus ouvidos, ao longo dos anos. Alguns momentos de pânico e ansiedade sem causa aparente, e que o acompanharam a vida inteira, são reflexos do contraste entre o silencio bucólico na hora sonolenta e tranquila daquela tarde longínqua, e o choque violento da explosão inesperada. Aquilo foi uma fatalidade brutal, como muitas que acontecem na vida. Não foi um fato planejado, não foi deliberadamente executado, entretanto, deixou suas tristes marcas.
Como se não bastassem tais armadilhas do destino que provocam dor e sofrimento, as pessoas estão expostas ainda á escalada da violência urbana, às ideologias radicais, ao fanatismo político e religioso ou aos interesses econômicos de algumas nações, que levam populações inteiras em alguns países, a sofrer os horrores traumáticos das guerras. Ao ver noticiários sobre conflitos, onde toneladas de explosivo caem sobre cidades matando civis, ficamos a imaginar o reflexo dessa brutalidade na mente das crianças sobreviventes que perderam seus parentes e amigos. Pessoas que viram suas casas desaparecerem em poucos segundos, não por mero acidente como o que aquele garoto viu da janela da tia, mas, simplesmente porque alguém está a cumprir ordens de mandatários das potências bélicas, que insistem em conservar sua hegemonia em regiões cujos recursos naturais lhes interessam economicamente, a custo da perda de milhares de vidas inocentes. (Carlos Eden Meira)


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